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Marketing

Renovar tecnologia é como acender uma luz

Ricardo Guimarães, da Thymus, comenta a importância de processos de transformação de cultura digital para a sobrevivência dos negócios


31 de julho de 2017 - 8h00

Ricardo Guimarães tornou-se referência em colaborar com empresas em processos de transformação. O nome de sua consultoria, Thymus Branding, pode levar a entender que seu trabalho foca em processos de renovação de marca, mas sua atuação vai além. Seus clientes costumam fazer uma auto-análise para identificarem reais pontos de mudança. Não raro, o caminho é entender que incorporar uma verdadeira cultura digital é condição básica para transformar o modelo de negócio em tempos de consumidores multi-conectados. Publicitário com passagens por grandes empresas como Norton e J. Walter Thompson, além de sua própria agência, Ricardo compartilha a seguir alguns insights sobre como observa esses processos de mudança.

Ricardo Guimarães, da Thymus Branding (Crédito: Arthur Nobre)

Meio & Mensagem – Muitas empresas grandes têm dificuldade de se reinventar enquanto para as menores ou startups costuma ser mais tranquilo. O tamanho é um impedimento?
Ricardo Guimarães – Grande ou pequena, tem uma constante que é a tal da tecnologia. Ela não está mudando apenas um produto ou um canal, ela muda as dinâmicas sociais como um todo. A tecnologia tem esse impacto na dinâmica social e, por consequência, nos negócios. Isso é o que provoca essa inquietação nas organizações, que vem tanto de quem está com a barriga no balcão como quem pensa no futuro da empresa. Aí, o tamanho da companhia começa a fazer diferença. Numa grande empresa, o fluxo dessa inquietação costuma estar obstruído, há um meio na organização muito conservador, reflexo das dores de quem está perdendo mercado, talentos, produtividade e não consegue impactar o suficiente na velocidade que o mercado impõe. Além disso, há distinção de portes e de setores da economia mais ou menos sensíveis.

A própria sociedade demanda, portanto, demanda essas transformações. Há empresas que escutam melhor seu consumidor e aceleram esse processo, outras não.
É uma dinâmica de horizontalidade, numa velocidade e numa quantidade muito grande, a ponto de mudar a sensibilidade do tecido social. Um ambiente lento com conectividade baixa e pouca interação entre as pessoas tem uma contração das variáveis de negócio que permitem uma previsibilidade grande. As coisas só acontecem quando quem tem poder permite. Esse poder dá uma dinâmica social em que as hierarquias operacionais ditam essa transformação. Com a tecnologia mais barata e todo mundo em conexão o tempo inteiro, esse poder perde esse controle, você tem uma música tocando com uma autonomia que antes não existia. Antes tinha um maestro, hoje não: é auto-organização. O case da Nokia e do Waze são ótimos exemplos… Antes de tudo, é preciso comparar o GPS com o Waze. No primeiro, o valor é dizer qual é o melhor caminho. O Waze diz como está o caminho. Como que o aplicativo dá essa informação? Com a comunidade colaborando. O GPS não conta com a comunidade. O Nokia tinha o maior número de antenas na Europa, ia fazer essa cobertura com ativos tangíveis, enquanto o Waze queria fazer o mesmo com a antena nos celulares de cada pessoa. O ativo do Waze não é a antena, mas a relação do app com seus usuários.

Então é preciso que profissionais C-level liderem essas mudanças.
Tem de tudo hoje no mercado. Desde um CEO forte, líder, que consegue mobilizar a cadeia, acionistas e virar o jogo. Até empresas com redes muito horizontais, com um nível de aprendizado muito grande e rápido na periferia de contato do mercado. No caso, a mudança é bottom-up, e não top-down. Na natureza, o sistema tende a mudar da periferia para o centro e não o contrário. Nos negócios tem os dois, mas as que conseguem realizar o bottom-up com o top-down, conseguem mais perenidade, com uma relação com o mercado de distribuição, conhecimento, logística… tudo, com uma constância de organização em tudo. Não se trata de uma puta ideia, mas de estar perenemente aperfeiçoando os custos e os métodos. Por exemplo, uma rede de varejo em que uma loja cria uma solução baseada em localidade, velocidade e customização maior do que a administração central conseguiria criar e implementar. Aprende-se com essa loja, sistematiza e espalha para rede. Tem um aprendizado na ponta que sobe e desce para melhorar a saúde da empresa.

As empresas de tecnologia conseguem transformar seu business model pelo acesso mais fácil que têm a essas metodologias?
Não afirmaria com tanta certeza que isso é típico das empresas de tech. A tecnologia está reinventando todos os negócios. Há empresas que não são de tech que tem de virar tech. O varejo mesmo, tem se transformado em empresas de tecnologia, por causa do tamanho do impacto do digital.

Mas essa evolução parece mais lenta do que os consumidores esperam, não? Pelo menos em mercados em desenvolvimento.
A transição existe, ela demanda principalmente lidar com ativos intangíveis: informação, conhecimento e relacionamento. As pessoas que foram acostumadas a lidar e pensar com ativos tangíveis tem resistência a reconhecer a relevância estratégica dos conhecimentos e relações. Quando se fala de tecnologia, se fala de fluxo de informação, não de software, mas o que ele provoca. Aí começa a colocar dinheiro nisso, em coisas que na hora que instala, já está ultrapassada… É muito difícil. Se tivesse como mensurar o valor desse conhecimento que não está em balanço, iriam abraçar direto, mas ainda não é facilmente mensurável.

É um momento natural de seleção. Alguns bichos, empresas e pessoas terão de ser eliminados porque infelizmente não conseguem capacitar habilidades novas

Acredita que existe um modelo ideal de transição? Como convencer empresas de quem isso tem de ser realizado?
A primeira coisa a se fazer num processo de mudança de comportamento das pessoas é o que eu chamo de “ecologia”. Você troca a tecnologia e tudo fica mais claro, se conhece melhor porque a tech te dá mais informações sobre a realidade. É como se fosse um ambiente escuro onde acende a luz. Algumas pessoas sentem aquela luz, acham muito forte, ficam desconfortáveis e vão embora. Você não mexeu nas pessoas, mas no ambiente. Outras ficam, está doendo um pouco a vista, mas acreditam que pode ser legal, ajudam a acender mais luzes. O ambiente fica mais claro, mais ágil. Ainda há algumas pessoas que estão sofrendo, mas são legais. Essas, que valem a pena manter, você entra na fase da “psicologia”, uma espécie de coaching para mostrar como pode ficar legal, numa boa… A terceira fase é a da “cirurgia”. Você tem de pontuar aquelas pessoas muito sofridas, imobilizadas, que começam a dificultar a empresa, estão paradas no meio do caminho e começam a obstruir o fluxo. Aí tem que cortar. É um momento natural de seleção. Alguns bichos, empresas e pessoas terão de ser eliminados porque infelizmente não conseguem capacitar habilidades novas.

Transformar o negócio passa necessariamente por algum tipo de corte?
Tudo é uma questão de sobrevivência. Há os que aceleram, os que diminuem custo e os que dão mais segurança. Se não acompanha a velocidade, segurança ou custos, está fora do jogo. E isso que faz o povo sair à caça de novidades. A natureza da empresa que criamos no século 20 é conservadora. Quer evitar risco, fazer o maior volume, com qualidade, com escala. A tecnologia não permitia, antes, fazer inovação a custos baixos. O manual era a coisa mais preciosa. E o mundo funcionou por muito tempo de um jeito que deu certo. O futuro é igual ao passado, a mentalidade de conservação, as chamadas “melhores práticas”… A nossa herança vem do comportamento de conservação, como os conselhos que olham para compliance, gestão de risco… Mas não existe inovação sem risco. Hoje as dinâmicas sociais mudam tudo numa velocidade tão grande que a conservação não dá conta da perenidade da organização. O manual foi feito no passado daquele jeito e, porque deu certo lá, segura a empresa no passado. Hoje você tem de gerenciar a cultura e ela se transforma por meio das pessoas, e não da hierarquia. Eu tinha um cliente com uma rede muito grande e metas agressivas e um sistema robusto de mainframe, que conectava todo mundo, mas não estava oferecendo a agilidade necessária para cumprir metas. Uma das lojas criou, com WhatsApp, uma dinâmica entre os funcionários com uma pessoalidade e eficiência que não tinha igual. Era uma espécie de administração perdendo controle, mas tudo bem, pois as metas estavam sendo atingidas.

Inserir as pessoas no processo é, portanto, fundamental.
É tudo junto, as pessoas são a solução e o problema. São muito preguiçosas, gostam de manuais, gostam de hierarquias… “Quem me avalia? Quem vai aumentar meu salário?” A nova geração é mais confortável com mudanças, mas o ser humano na sua natureza gosta de certa manutenção na coisa. Precisa de conservação e inovação ao mesmo tempo. Eles precisam um do outro. Dependendo de como você estimula as pessoas, elas ficarão agarradas ou se transformarão. Mas as coisas caminham para uma maior humanização do trabalho, das relações.

Empresas grandes, principalmente multinacionais, apostam muitas vezes em aquisições de startups ou empresas inovadoras para internalizar essas mudanças. Isso dá certo?
Essas aquisições são positivas porém só darão resultado se houver uma boa gestão de cultura, caso contrário a cultura adquirente destrói a adquirida e as inovações vão junto. E isso é fácil de acontecer porque as diferenças entre culturas não estão apenas em diferentes crenças, processos ou indicadores. Em geral, são diferentes momentos de maturidade das empresas o que aumenta muito o desafio.

Leia mais sobre transformação digital no modelo de negócios na edição 1771, de 31 de agosto, exclusivamente para assinantes do Meio & Mensagem, disponível nas versões impressa e para tablets iOS e Android.

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