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1 de julho de 2014 - 8h01
Sob o pomposo nome que remetia ao Império, em referência aos réis, derivado do real usado por Portugal nos séculos XV e XVI, o brasileiro acordou no dia 1º. de julho de 1994 com uma nova moeda, o real, que completa 20 anos nesta terça-feira, 1. O real substituía uma sucessão de oito diferentes moedas desde o tempo do Império: réis, cruzeiro, cruzeiro novo, cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro e cruzeiro real. O nome, no entanto, era apenas a face mais visível de um plano que tinha três etapas: equilibrar as contas públicas (teoricamente, feito entre 1993 e 1994); criar a URV (Unidade Real de Valor), tabela de conversão de valor que vigorou entre 1º. de março a 30 de junho de 1994); e, finalmente, lançar o padrão monetário real, válido até o presente.
No Brasil de 1994, o presidente era Itamar Franco, homem que resgatou o Fusquinha; que governou com a República do Pão de Queijo (seus principais assessores eram mineiros); que tinha como ministro da Fazenda Rubens Ricupero (que havia substituído Fernando Henrique Cardoso em março daquele ano); e que tinha quase que a obrigação moral de passar uma borracha sobre o impeachment recente do ex-presidente Fernando Collor de Melo (1992) e seus três planos econômicos mal sucedidos – Plano Collor 1 (1990), Plano Collor 2 (janeiro de 1991) e Plano Marcílio (maio de 1991).
O Plano Real foi a mais ampla medida econômica já realizada no Brasil até então. E também foi a plataforma que lançou e elegeu o ex-ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso (FHC, responsável pela coordenação e costura do Plano Real) à Presidência do Brasil em outubro de 1994. As metas da macroeconomia estabelecidas pelo plano foram atingidas: reduziu-se a inflação, ampliou-se o poder de compra e remodelaram-se os setores econômicos nacionais.
Duas décadas depois, o Plano Real desindexou a economia; privatizou (as telecomunicações são um grande destaque desse passo); trabalhou para o ajuste fiscal (que ainda agora não é o razoável); consolidou a aberta econômica (que começou, ainda na era Collor, com a chegada sensacionalista dos Lada russos, alguém se lembra?); e implantou políticas monetárias restritivas (aumento da taxa básica de juros, que continua; e expansão dos depósitos compulsórios dos bancos, para restringir o crédito disponível para empréstimos e financiamentos).
A geração pós-real
Depois de 1994, o Brasil teve três presidentes – Fernando Henrique Cardoso (dois mandatos), Luiz Inácio Lula da Silva (dois mandatos) e Dilma Rousseff. Embora polarizadas entre PSDB (FHC) e PT (Lula e Dilma), as gestões econômicas dos três governantes não diferiu muito na continuidade do Plano Real. Estão inscritos nas três gestões os fundamentos lançados em 1994 pelo plano, cuja pedra de toque é a estabilidade da moeda ante uma inflação que, em 1993, chegou a 2.708% no ano.
Em maio deste ano, Meio & Mensagem publicou o especial Agências e Anunciantes, exclusivamente para os leitores da plataforma impressa. No especial, aborda-se a estabilidade gerada pelos 20 anos do Plano Real. “A maior herança benigna do Plano Real foi a consciência anti-inflacionária absorvida pela sociedade”, afirma o presidente da Officina Shopia, Paulo Secches. “Com o controle da inflação e a conquista da estabilidade econômica, a antiga base da pirâmide vai às compras (ascensão das classes C, D e E), inserindo-se, de uma vez por todas, no mercado consumidor”, ratifica o diretor da Ipsos Media CT, Diego Oliveira.
Com base nessa herança e estabilização, a geração pós-real não apenas quer ter (adquirir bens), e sim ser (alguém) e estar (bem consigo e com suas escolhas). Ainda assim, é o consumo que determina quem é o novo brasileiro e para onde vai seu dinheiro:
Brasileiros …
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…querem gastar com
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São a terceira geração de consumidores urbanos do País
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Internet e dispositivos móveis
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Têm melhor nível de educação e são mais informados
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Produtos que tragam inovações
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Buscam inovação
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Educação
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Vivem em melhores condições
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Equipamentos para a casa nova
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Já compraram o básico
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Investimentos para a aposentadoria
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Viajam mais
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Casa nova
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Fazem refeições fora de casa
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Carro novo
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Fonte: Officina Sophia
E esse brasileiro que quer gastar, claro, é o foco da atenção das marcas. Mas, as marcas têm que se haver com a explosão das redes sociais (a digitalização da opinião), com o amadurecimento do público, que agora dita seus termos e condições, e não aceita o imposto pelo fabricante, e com a partilha da receita do brasileiro entre outros bens não de consumo, e sim de “estar”: cultura, educação, lazer. Porque, se os bens de consumo estão, em grande medida, atendidos (veja quadro abaixo), o consumidor brasileiro ainda tem muita demanda a ser atendida.
Claro que, ampliado o espectro do consumidor, também foi expandida a abrangência para a publicidade das marcas. Há 20 anos, a propaganda falava com um público potencial de 30 milhões de consumidores. Agora, são mais de 100 milhões de consumidores. E, nesse contexto, marcas globais e nacionais como Unilever, Casas Bahia, Claro, Hypermarcas, Ambev e as montadoras Fiat, GM, Volkswagen e Ford reforçaram o investimento no País para crescer junto com a demanda desse consumidor.
É curioso observar que a palavra “real” tem origem no latim “realis”, que significa verdadeiro, coisas que existem de fato. O real, atropelada a redundância, é realidade. Há um contingente de milhões de pessoas que, em 20 anos, evoluíram tanto em termos de aquisição de bens de consumo quanto em bens imateriais. Esse é o legado do real. A estabilidade, embora o seja em grande parte, daqui a mais uma década será uma memória de outras gerações mais anteriores. Porque, para as novas gerações, outras demandas existirão.
O Brasil não é, efetivamente, um País de longo prazo. Portanto, é prematuro apontar como serão os próximos 20 anos pós-real. Mas é importante olhar para o passado e se questionar se o País caiu mesmo na real ou foi apenas no real, um nome pomposo para mais uma moeda na história nada ortodoxa da economia nacional.