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14 de agosto de 2015 - 5h20
A figura do centauro, ser mitológico metade humano e metade cavalo, foi a forma encontrada para cristalizar uma dúvida que perpassou o debate da primeira edição da IBM School, projeto da IBM Brasil para estudantes de graduação e pós-graduação que visa discutir o impacto da tecnologia sobre as profissões. O evento, realizado na noite da quinta-feira 13, na IBM, em São Paulo, teve como tema a inteligência artificial e o marketing. Entre as diversas questões trocadas entre os participantes e a plateia, havia a pergunta sobre o quanto estamos preparados para a computação cognitiva, em que sistemas são capazes de interpretar dados e raciocinar em cima deles. A conclusão é que precisamos ser híbridos, como o centauro, que mistura força e inteligência. Não se sabe quanto o marketing será afetado, mas o profissional da área, como é conhecido hoje, certamente terá de reunir muito mais habilidades. Será preciso capacidade de adaptação. Afinal, a inteligência artificial poderá personalizar informações aplicáveis para uma ampla variedade de processos, em larga escala. Como lidar com isso?
O debate reuniu Beth Saad, professora e coordenadora do curso de comunicação digital da USP; Edney Souza, consultor de marketing, professor de redes sociais na ESPM, organizador da Social Media Week São Paulo e conhecido também como Interney; e Gustavo Reis, gerente de marketing e mídia da Tecnisa e professor de marketing do MBA da ESPM. Com coordenação de Mauro Segura, diretor de marketing e comunicação da IBM, o painel teve ainda participações dos estudantes (e profissionais já estabelecidos no mercado) Edu Vasques (Grupo TV1) e Fábio Sabba (Uber). Além disso, contou com uma palestra de Fábio Scopeta, que lidera a área de computação cognitiva da IBM no Brasil e na América Latina, responsável pelo Watson, o famoso sistema de inteligência artificial desenvolvido pela IBM.
Watson
Scopeta foi o primeiro a se apresentar, exatamente para explicar o conceito de computação cognitiva. Segundo ele, há apenas três eras tecnológicas: a das máquinas tabuladoras (que só sabiam contar e que foram importantes para a realização de censos, por exemplo), a da computação programável (em que as máquinas são programadas para resolver problemas mais complexos, que é o momento atual), e agora a computação cognitiva ou inteligência artificial. Isso significa um sistema que aprenda, que seja capaz de raciocinar. “Não tem nada a ver com Skynet”, brincou, referindo-se ao filme O Exterminador do Futuro.
Quando se fala em computação cognitiva, esclareceu, não se trata de uma tecnologia que viria para substituir humanos em tarefas que eles não queiram fazer. “É a ampliação do nosso poder cognitivo”, afirmou. Como Scopeta observou, ficamos bons em gerar informações. Em dois anos, duplicamos a quantidade de dados até então produzidos pela humanidade. Para processar tudo isso, um sistema computacional é essencial. Mas é necessário mais do que isso para que essas informações sejam entendidas, personalizadas e aplicadas para diferentes situações. A indústria da saúde foi a primeira a procurar a IBM para poder trabalhar com o Watson, um sistema em nuvem que pode rodar em aplicativos pessoais ou num grande banco.
Existem três características básicas que definem a computação cognitiva:
1. Ele precisa entender a linguagem natural – toda empresa de tecnologia tem um sistema para interpretar palavras. Mas a mensagem não está contida somente em vocábulos. Está também na expressão facial, no tom da voz e mesmo no contexto em que foi transmitida. Esse é um dos maiores desafios do Watson.
2. Ele precisa aprender sozinho ou por meio de interações.
3. Ele precisa ter a capacidade de gerar hipóteses, de encontrar padrões.
O alimento da inteligência artificial é o big data e a força de um sistema cognitivo é entender a informação de forma estruturada. Scopeta contou que o Watson tem cerca de 30 capacidades. Uma delas é o Personality Insights, que traça aproximadamente 50 atributos de uma personalidade de com acordo com um texto escrito por essa pessoa. “Isso significa comunicar-se da maneira mais apropriada com o consumidor”, completou Scopeta.
Efeitos sobre o mercado
Depois da apresentação sobre computação cognitiva, foi a vez do debate sobre o futuro do marketing diante desse cenário em que a inteligência artificial se tornaria mais uma ferramenta para vender, comunicar, inovar. A primeira pergunta foi se os profissionais estão se preparando da maneira certa. A seguir, trechos do painel, que compreendeu distintos aspectos do efeito das transformações tecnológicas sobre o mercado de comunicação.
MUDANÇA DO PROFISSIONAL
Beth Saad – “A computação cognitiva vai entregar um planejamento muito melhor. Mas o que tem de mudar é o modo de olhar o resultado que sai da máquina. Você tem de mudar o profissional. É preciso ser resiliente, ter a capacidade de adaptação ao meio”
Gustavo Reis – “A comunicação é premissa para qualquer tipo de atividade. O profissional de marketing vai ter de acrescentar novas especialidades. Vai ter de ser híbrido”
Beth Saad – “A partir de ferramentas como o Watson, podemos identificar o comportamento do consumidor para a marca. Mas isso é mais quantitativo, não qualitativo. Hoje a gente tem de ensinar o profissional a fazer perguntas. Nós, acadêmicos, não estamos ensinando os alunos a perguntar”
Edney Souza – “Tem uma nova profissão, o growth hacker, que visa o crescimento de base de seguidores, de leads qualificados, de métricas. Tudo com o objetivo de virar negócio. No Vale do Silício, ele é muito baseado em teste. Vou experimentar uma técnica, então, pego um valor menor para testar aquilo. Se der certo, aí aplico um valor maior”
Gustavo Reis – “Existem diversos especialistas. Mas nesse mundo da hiper especialização, vejo carência de quem entende de negócio”
Edney Souza – “Muitos profissionais de tecnologia entendem de negócios. Alguns acabam se tornando profissionais de marketing, mas com zero skill de marketing. Para desenvolver software de pagamento de cartão de crédito é preciso entender o básico do negócio. Mas às vezes o cara de marketing e o de tecnologia estão trabalhando só em processos”
Fabio Sabba – "Não acho que o emprego vai acabar. O business vai mudar, mas vagas vão aparecer em outros lugares. Surgirão outras demandas"
EDUCAÇÃO
Gustavo Reis – “Usamos mapas antigos para caminhos novos. Não sei se a profissão que temos hoje vai existir daqui a alguns anos. A mudança da tecnologia muda os perfis das profissões. As escolas dão aulas de BI?”
Edney Souza – “O que eu ensino na pós deveria ser dado na especialização”
Beth Saad – “Nesse sentido, não vejo perspectiva de mudança tão cedo. O ideal seria uma formação generalista com uma duração mais curta e, então, uma especialização. Na universidade pública, a gente faz mal algo que deveria fazer mais: pesquisa. Precisamos devolver isso para a sociedade de modo aplicável”
Gustavo Reis – “O problema é que algumas escolas são empresas. Mas há empresas que são escolas. A gente tem de melhorar as competências dentro das empresas”
Edney Souza – “Vejo que em algumas empresas os profissionais acabam lendo que uma métrica é a melhor métrica e passam a querê-la. Só que muitas vezes eles não entendem como funciona isso. Há também uma ignorância corporativa. Questionar faz diferença. Universidades e empresas são importantes. Mas precisamos também dos autodidatas”
Edu Vasques – "Quando falamos de empresas, falamos de dinheiro. Nem sempre a melhor educação será fornecida pela corporação. O Google tem seus interesses. O Facebook também. Há muita briga de protocolos. Acho que é preciso lembrar disso"
PERSONALIZAÇÃO
Edney Souza – “É possível fazer uma campanha individualizada, sim. Mas a maioria dos produtos hoje não é individualizado”
Gustavo Reis – “A personalização é algo que existe há tempos. Em qualquer cidade do interior, o dono da vendinha sabe muito do seu cliente. Isso é personalização. Mas com a computação cognitiva estamos falando de escala. As pessoas podem não querer tudo 100% personalizado. Porém há empresas que já trabalham dentro de um consumo mais específico. A série House of Cards foi criada pela Netflix com um olhar voltado para sua base de assinantes. Ela sabia quais eram os temas e os atores que poderiam ser blockbusters. Por meio da mídia programática a internet já tem essa capacidade. Os meios tradicionais têm de estar preparados ou caminhar para fazer uma entrega mais nesse sentido”
Edney Souza – “Fala-se muito do influenciador. Ele faz parte de uma campanha de mídia social. Ele é padrão de referência de produção de conteúdo. Mas as formas de encontrar esses influenciadores são muito primárias. Neymar é, claro, um influenciador. Mas existem micro-influenciadores. No futebol, poderia ser um técnico, um blogueiro ou um cara do Cartola. Numa estrutura de computação cognitiva, poderemos entender as subculturas. Identificar esses outros influenciadores será default”
Gustavo Reis – "É um erro associar influenciador com personalidade. A inteligência artificial ajudará a definir melhor essas pessoas. De algum modo, já podemos fazer isso, mas não em grande escala. E as empresas precisam vender em escala"