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Opinião

Geração Desktop

Ela tem inabilidade para dirigir o “estranho” e aversão a caminhadas e conversas pessoais


31 de maio de 2016 - 8h26

Não, não é mais uma definição duvidosa, tampouco mais uma classificação auspiciosa e pseudodemográfica de mais uma geração neoascendente, e, sim, uma constatação crítica, baseada em fatores inimigos ocultos do nosso incansável ofício na produção de estratégias e ideias.

A Geração Desktop, ao contrário do que determina e dá título a outros conceitos geracionais, não é datada, oriunda de um determinado espaço de tempo, época ou momento, tampouco pode reclamar do advento da hiperconectividade à sua paternidade.

A Geração Desktop é um estado de espírito, uma atitude, ou melhor, a ausência dela, ao menos no que a dá origem, talvez a culpa seja do inventor dos computadores pessoais ou ainda de quem projetou a internet, mas isso pouco importa, o fato é que a homogeneização do que produzimos costumeiramente advém, em partes, das consequências de sua inalação.

A Geração Desktop é formada por dois grandes grupos, ambos com altíssimo potencial de disseminação e pouquíssimos recursos para sua neutralização, visto que, quem faz parte às vezes nem sabe que faz.

O 1º: inabilidade para dirigir o “estranho”

Em 1976, um desconhecido enviou seu livro para um dos editores da toda poderosa Walt Disney e recebeu como feedback uma carta animadora, porém, que descartava o seu trabalho:

“A história é simples o suficiente para um público jovem (4-6 anos), bonita e mostra uma compreensão da língua muito melhor do que eu esperaria de um dos estudantes do ensino médio de hoje, apesar de lapsos ocasionais de gramática e ortografia… Espero que meus comentários possam agradá-lo. Obrigado pela oportunidade de ler O Zlig Gigante, mantenha o bom trabalho e boa sorte.”

Esse desconhecido era o Tim Burton.

20 anos antes, o mesmo aconteceu a Andy Warhol quando pleiteou exposições de seus trabalhos no Moma e, também, com o midiático, massificado e divergente U2, que, em 1979, ouviu de uma gravadora que o seu som não era adequado para a época.

A ascensão profissional, ao mesmo tempo em que possibilita um poder de influência maior sob o processo de decisão, também tende a afastar os decisores do epicentro, do objeto de estudo daquilo que são os responsáveis por avaliar.

É fácil vermos conteúdos analisados por profissionais que cada vez mais olham para aquilo que ali está como quem olha para um aquário, em que assistem a ele, percebem que há vida, mas não sabem mais como é aquilo, quais são as novas correntes marítimas, a temperatura da água, os novos predadores e os efeitos proporcionados pelo aquecimento global – leia-se qualquer tipo de coisa que tenha surgido desde a época que costumavam nadar no oceano.

Uma parte dessa geração é composta de gente que não sai do “Cidade Jardim”, mas insiste em criar para a galera que vive na Roosevelt, que não anda mais de metrô, mas são os responsáveis por elaborar diálogos para a multicultural linha vermelha, assistem ao Globo Filmes e auspiciam escrever críticas sobre filmes do Fatih Akin ou Sebastián Borensztein.

A sensibilidade aguçada seria algo capaz de reverter o dano causado por essa parcela da Geração Desktop, mas vamos combinar que existem poucos Levi Strauss andando por aí.

O 2º: aversão a caminhadas e conversas pessoais

“Se você tem o mesmo processo e a mesma abordagem para tudo, as chances são de aparecer sempre a mesma solução, seja qual for o problema” – John Steel, um dos estrategistas mais brilhantes do nosso tempo.

A frase aplicada a essa outra parcela da Geração Desktop, que já é naturalmente avessa a bater perna, conversar cara a cara, somando a facilidade de acesso a dados, fixação por planilhas, pesquisas prontas e tudo mais que concatene para deixar explícito, pornográfico, simples e mastigado qual é exatamente o problema a ser resolvido ou, ainda, aponte precisamente para qual caminho, de preferência, politicamente correto e seguro deverá ser seguido, é o segundo fator que corrobora a pasteurização, similaridade e sincronismo das ideias e estratégias que atualmente vão para as ruas.

Quando essa parcela da Geração Desktop retira o fator humano do cerne do desenrolar dos atos, não o que está estático em dados, mas sim em movimento, ao vivo, se transformam em peças robóticas e eliminam a possibilidade de serem geradas novas nuances, de imaginar novos insights diretos da vida real, das conversas no ponto de venda, nas ruas, no irracional dia a dia, renegam tudo o que Júlio Ribeiro magistralmente provou ser capaz de enriquecer qualquer tipo de processo e, por consequência, estratégias e ideias.

Que a carapuça não nos sirva e, se servir, que levantemos da cadeira para tomar um ar, de preferência, lá fora.

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