Roseani Rocha
21 de junho de 2023 - 15h06
Pritchard: “Fazer crescer o mercado, incentiva economia e inclusão” (Crédito: Celina Filgueiras)
Paralelamente ao frisson das premiações, o Cannes Lions exibe cada vez mais, em sua programação de palestras, os anunciantes, ou seja, os clientes que demandam ou constroem a quatro mãos com as agências o trabalho criativo que termina brilhando nas cerimônias. E duas multinacionais de bens de consumo são presença constante nos auditórios do Palais, o que não seria diferente numa edição especial como a de 70 anos do festival.
Marc Pritchard, chief brand officer da P&G, e Conny Braams, chief digital and commercial officer da Unilever, ao lado de Alessandro Manfredi, CMO global da marca Dove, fizeram apresentações no Lumière, respectivamente, na terça-feira, 20, e nesta 4ª-feira, 21.
A missão de Pritchard era falar sobre o “The next reset” (algo como “O próximo reinício”) da indústria, ou seja, das ações necessárias para elevar a barra da criatividade e da eficiência. Mesmo no caso de uma companhia que vende itens como xampus, absorventes higiênicos, lâminas de barbear e fraldas, itens dos quais 100% da população é potencial consumidora, apenas entre 50% e 70% dessa população é atingida pela publicidade, ele lembrou, o que deixa claro um espaço grande de oportunidade às marcas. Ainda mais considerando todas as variáveis envolvidas como idade, gênero, orientação sexual, onde vive etc, pois tudo isso muda as necessidades de cada pessoa.
O novo reset, definiu Pritchard, é a criatividade que faz crescer mercados, porque atrai mais pessoas não apenas para uma marca, aumentando seu valor, mas para o segmento como um todo. “Fazer crescer o mercado é o que incentiva a mídia, faz crescer a economia e a inclusão. E isso é bom para os negócios e para a sociedade”, disse.
Mas apesar do grande potencial do mercado, precisão também é necessária justamente pelas diferentes necessidades das pessoas que havia citado no início de sua fala. E reconheceu que trabalhoso, além de explicar os aspectos funcionais de um produto, criar um vínculo que leve cada consumidor a sentir que “aquela marca me entende”.
A P&G consegue isso, destacou, por meio de seus “Creative MVPs” (most valuable partners), ou seja, com os criativos mais brilhantes. “Quando se atinge mais pessoas com mais precisão, da forma mais criativa, há um imenso número de possibilidades, especialmente, quando agora começamos a combinar a perspicácia humana ao poder da IA, para elevar a barra da efetividade criativa”, argumentou Pritchard.
A apresentação da P&G incluiu a exibição de uma série de campanhas de suas marcas, incluindo um filme brasileiro de Pantene para cabelos cacheados, estrelado pela atriz Sharon Menezzes e os esforços da P&G na Índia para derrubar tabus em torno da menstruação, que fazem milhares de meninas perderem vários dias de aulas a cada mês, quando começam a menstruar. Nesse sentido, Always (que na Índia se chama Whisper) tem levado com campanhas bastante didáticas àquele mercado. Também numa pegada ESG, Cascade (sabão para máquinas de lavar) tem exaltado a economia de água das versões mais recentes e inovadoras do produto – Pritchard trouxe o dado de que 70% das casas nos EUA têm lavadora, mas a maioria das pessoas só utiliza duas ou três vezes por semana, com receio do uso excessivo de água. E o último case foi uma ação, como sempre bem-humorada, para Old Spice, com o ator Kevin Hart e feito por sua produtora – dentro do pilar Widen the Screen, de promover maior presença de pessoas negras em frente e atrás das câmeras. Hart, a propósito, foi homenageado este ano como “Pessoa de Entretenimento do Ano” no festival.
Os exemplos, disse o CBO da P&G, mostram que as possibilidades são infinitas, especialmente com a variedade de ferramentas criativas sempre em expansão, combinada à abundância da criatividade humana vinda dos Creative MVPs e de oportunidades mais amplas para creators e empresas de mídia mais diversos e multiculturais. “Esperamos trabalhar com todos vocês para destravar a próxima grande expansão criativa através do próximo reset: a criatividade que faz crescer mercados”, concluiu.
Relações duradouras
Em sua última fala no Cannes Lions como executiva da Unilever – ela está deixando a companhia em agosto, mas a empresa ainda não anunciou quem a substituirá – Conny Braams comentou a beleza do processo de conseguir construir marcas duradouras. “Depois de 33 anos trabalhando na melhor companhia, com as melhores marcas e os melhores parceiros criativos, decidi perder a visão da praia e descobrir novos oceanos. Depois do verão, vou reembalar minha experiência e explorar novas formas de causar impactos relevantes. Mas hoje estou aqui para representar a Unilever e todo o ótimo trabalho que fazemos”, foi sua introdução.
Em sua última apresentação como executiva da Unilever no Cannes Lions, Conny Braams defendeu que é preciso fechar o gap entre vendas e branding (Crédito: Celina Filgueiras)
A executiva destacou as mudanças acentuadas em três frentes – como os consumidores vivem, compram e se divertem – como algo que tem feito o marketing também se movimentar mais rapidamente que nunca. No primeiro aspecto, destacou o número crescente de pessoas morando sozinhas e de famílias com menos filhos, além do envelhecimento da população mundial, mas ainda assim com apenas 6% dos personagens da publicidade tendo mais de 60 anos. E essa foi a deixa para apresentar uma campanha do sorvete Magnum estrelada por pessoas dessa faixa etária.
No segundo aspecto, destacou o fato de que 42% da geração Z prefere comprar produtos “pre-loved” (o eufemismo inglês para “usados”) e, no terceiro, relembrou o crescimento exponencial da indústria de games. Estes se tornaram espaços em que as pessoas socializam e formam comunidades. E ela destacou o processo em curso do entretenimento virando compras e canais de mídia virando commerce, citando o exemplo do que vai acontecer em breve com a Netflix. Isso tudo ainda sem levar em conta os impactos da IA generativa, cujas implicações ainda não se sabe exatamente quais serão, mas que certamente vão acontecer.
E a receita da Unilever para navegar estes tempos são “get real, do good, be unmissable” (realmente atender as dores do consumidor, provocar mudanças positivas no mundo e fazer isso de forma criativa, para que a marca alcance distinção no mercado).
Sobre este último ponto, Alessandro Manfredi, CMO de Dove, chegou a exibir um gráfico a respeito de estudo da Kantar sobre como a diferenciação entre as marcas tem sido algo que vem caindo muito ao longo do tempo. E exaltou que é preciso ter um compasso para navegar as mudanças de hoje, sendo preciso conferir às marcas simplicidade, conexão emocional e consistência.
Assim como fez a P&G, a Unilever também exibiu alguns de seus melhores cases, como as campanhas que a companhia, com Dove, tem encampado para combater a influência negativa das redes sociais sobre a autoestima de meninas (“Reverse self”, #turnyourbackonBoldGlamour foram alguns exemplos); a “real beleza” transformada em coragem e nos rostos marcados dos profissionais de saúde durante a pandemia; e a criação de avatares para representar meninas no mundo dos games, já que uma das queixas é a falta de representação feminina nos jogos.
Ao final, Conny Braams destacou que o maior crescimento da companhia vem de marcas duradouras. E que a despeito de o mundo ter, hoje, uma inclinação a investir no curto prazo é preciso interromper essa divisão de curto e longo e fazer vendas e brand ao mesmo tempo. E o retail media, disse, representa oportunidades duplicadas, assim como o poder da recomendação dos influenciadores não pode ser subestimado e deve ser usado cada vez mais de forma estratégica.