A inovação social do homem que cuida
Se você é homem e ama inovação, adoraria que chegasse ao final desse texto
Se você é homem e ama inovação, adoraria que chegasse ao final desse texto
21 de junho de 2024 - 18h00
Na nossa indústria, mudanças reais são raras e custam caro. Não me entenda mal, existem muitas pessoas tentando promover mudanças, mas torná-las realidade é um trabalho hercúleo.
Talvez por isso sempre me pego interessada por ouvir painéis e palestras que prometem diálogos com agentes de mudança na indústria. Quero ouvir os relatos dessas pessoas, entender que mudança é essa que eles estão promovendo e como ela tem sido colocada em prática. Quero saber o quanto disso ainda é só sonho – o que também é importante – e o quanto já é realidade. Essa semana não foi diferente, e um painel numa tarde nublada de quarta-feira foi uma grata surpresa.
Me sentei no Terrace para assistir o painel com Chioma Aduba, presidente da Droga5 New York, e conhecer mais sobre sua visão de mudança. Chioma ainda é uma das poucas lideranças negras da indústria. Suas provocações ecoaram em toda a audiência, que infelizmente era pequena demais pro tamanho da importância dessa conversa.
Entre tantos pontos de vista potentes, o que mais me tocou foi falarmos sobre a relação entre casa e trabalho. Ela conta que um colega homem, pai, estava em uma semana agitada e confidenciou a ela que queria tirar a sexta para poder ficar com seu filho e a família, ao que ela respondeu “faça isso, mas não conte só pra mim, conte para todos mundo”. Para ela, precisamos que homens também demonstrem suas necessidades e vontades de cuidado no ambiente de trabalho para que isso seja visto como “normal”, e não uma necessidade exclusiva de mães e mulheres. Como eu queria que mais pessoas ouvissem esse recado.
A verdade é que mulheres só terão de fato condições reais e iguais no trabalho quando homens também entenderem sua funções e responsabilidade no ambiente doméstico – e não falo isso apenas de um ponto de vista de relacionamentos heterossexuais – precisamos de todos os homens adentrando e vocalizando sobre a esfera domésticas com co-responsáveis e porta-vozes dela.
Precisamos de homens falando sobre cuidar da família, sobre limite de horários, sobre flexibilidade para exercer suas funções no lar. Homens falando sobre assuntos de cuidado em projetos e em reuniões, homens contribuindo para contrabalancear o peso que mulheres carregam como símbolos do cuidado.
Nesse assunto, me inspirou muito ver Raphaella Martins esse ano em Cannes. Júri de Glass, Raphaella veio pro festival acompanhada de sua filha e seu marido, para poder estar aqui fazendo seu trabalho com o apoio que precisa pra não ter que escolher.
Vê-la trabalhando no júri durante as defesas dos cases foi quase revolucionário, não só por toda a potência que ela é, mas pela mensagem que ela e seu companheiro passaram – mesmo talvez sem querer. Eu, que já estava emotiva por estar ali vivendo uma oportunidade única de defender um trabalho para tantas pessoas que admiro, me emocionei ainda mais ao fazer isso para uma mulher amamentando sua filha, com seu companheiro ao seu lado dando todo o apoio e cuidado necessários. Me deu esperança.
Esperança é uma coisa curiosa num festival que mexe com tantas emoções. Que bom que, no meio de tantas pessoas e de tantas cerimônias e protocolos, a gente possa encontrar pessoas que nos alimentam a vontade de seguir.
É por isso também que fico feliz em ver o Brasil ter um Leão de Glass para um projeto que coloca na mesa a urgência da licença paternidade, um trabalho de Boticário criado pela Almap. É um recado enorme, e uma mensagem de esperança.
Se esperança é tecnologia social, homem no trabalho de cuidado é inovação social. Uma inovação social ainda rara que abre portas pra mais revoluções promovidas por mulheres.
O festival que colocou Elon Musk no aclamado Teatro Lumiere ainda não conseguiu colocar esse assunto nos palcos principais, talvez seja um assunto ousado demais. Se você é homem e chegou até o final desse texto, por favor fale mais sobre cuidado.
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