29 de junho de 2021 - 12h38
Na semana passada, acompanhamos o Cannes Lions 2021, o maior festival de criatividade do mundo. Após o hiato de um ano, as pautas e cases combinaram a realidade da pandemia, em 2020, com um mundo pós-pandêmico que começa a se desenhar, em especial nos países onde a maior parcela da população já esta imunizada. Vimos, neste ano, cada vez mais cases, campanhas e discussões alinhadas com propósitos e causas (algumas até mesmo políticas) – um caminho sem volta, como apontado no SXSW, há três anos.
Nesse cenário, cabe destacar a frase dita por Piyush Pandey, Chief Creative Officer da Ogilvy global e membro do Conselho Executivo na Ogilvy Índia, durante uma das sessões do evento: “Uma ideia tem o poder de ajudar a fazer a diferença na sociedade e no mundo”. E é isso que se espera de todo o ecossistema de comunicação.
Nossa indústria sempre teve como pilar a criatividade, mas hoje o que é demandado pelo público vai além de ideias surpreendentes. São ideias que representem seus sonhos, suas causas, sua visão de mundo. Se ainda percebíamos marcas com propósito como uma ambição e ideologia corporativa, vemos esse prisma cada vez mais maduro, com posicionamentos mais claros, elevando o nível e buscando caminhos de realização.
O futuro da criatividade
Um dos principais futuristas de marcas da atualidade é o executivo Simon Mainwaring, que esteve presente no Festival e corroborou esse discurso com muita força: “Vivemos em um mundo que mudou muito, e está ficando pior. De forma rápida. E muitos dos problemas nele – senão todos – foram criados, em parte, pelos negócios. Então, é obrigação dos negócios buscarem soluções. Os consumidores querem participar dessa mudança. Transforme-se em um propósito que tem uma empresa, e não em uma empresa que tem um propósito.”
Ou seja, é a criatividade alinhada com propósito. Propósito alinhado com contexto e seu impacto mensurado. Impacto alinhado com os sonhos de um futuro melhor do público, enquanto cidadãos, profissionais ou consumidores. Não importa o negócio, a estrutura da empresa, ou o segmento de atuação: a busca por propósitos, de forma clara, direta e efetiva, passou a dominar as estratégias criativas, e tende a ganhar ainda mais espaço daqui em diante.
Um ótimo exemplo foi trazido pelo Burger King na América do Norte, que passou por uma enorme transformação de marca e foi um dos pontos altos do primeiro dia do evento. “Temos uma frase curta que nosso time de marketing usa: de um reino para um fandom. Queremos sair do reino, onde a comunicação é unidirecional, para um fandom, onde há uma conversa constante; onde a gente troca e desenvolve produtos que sejam relevantes para nossos visitantes”, disse Ellie Doty, CMO da marca.
É esse contexto que exige do nosso mercado um olhar ainda mais atento de conexão com a sociedade. Em meio a uma operação de saúde global, a beleza tornou-se coragem com a campanha da Ogilvy London para a Dove, no Reino Unido, iniciativa que conseguiu expor e ressignificar as marcas nos rostos das equipes médicas, deixadas pelo uso constante de máscaras.
Já quando bares e restaurantes têm suas portas fechadas pelo “lockdown”, com prazo incerto para reabertura, pequenos negócios são afetados e há a oportunidade de diminuir os impactos da pandemia por meio de ideias criativas. Essa é a história que a Heineken contou com a Publicis ao transformar as portas dos estabelecimentos em outdoors. Na mesma linha, a AB Inbev, com sua agência in-house Draftline, na Colômbia, trouxe aos holofotes o case “Tienda Cerca”, criando um sistema de e-commerce exclusivo para o comércio local.
Muito além das ideias, conexões
Outro fator primordial para a criatividade é a sua capacidade de transpor ideias em impacto real. Em um momento em que a questão racial ganha protagonismo em todo o mundo, fomos presenteados no Natal de 2019 com o primeiro Papai Noel negro da televisão brasileira nos ensinando sobre esperança e…futuro. Essa é a história que a Coca-Cola, WMcCann e Globo contaram juntas, e que rendeu um importante reconhecimento com o Leão de Ouro, na categoria Entretenimento.
Inspiração que também fez a agência África, dando luz à campanha “Salla 2032”. O case – que foi um dos três Grand Prix brasileiros do ano – nos trouxe a história da candidatura de Salla, uma pequena cidade finlandesa localizada acima do círculo Polar Ártico, como sede dos Jogos Olímpicos de Verão, em 2032. A campanha teve como objetivo dar luz às transformações climáticas que afetam cada vez mais o mundo em que vivemos.
Já o case “Eu Sou”, da VMLY&R, tirou do papel uma campanha que apoiou pessoas trans a realizarem o desejo de mudar legalmente seu nome social. E, por último, a ideia do ano em Cannes foi o case da AMV BBDO London, “Wombstories”, para Bodyform. A iniciativa deu voz a diversas histórias de mulheres e suas relações, muitas vezes doloridas, com o útero. A campanha, produzida por um time majoritariamente feminino, emocionou os jurados pela forma sensível e empática que tratou o tema, combinando diversas animações com imagens de mulheres reais. Um filme que me emocionou, do início ao fim, nos seus mais de três minutos de duração.
E por falar em conteúdo, vimos Leões sendo distribuídos para cases que trouxeram o valor da imprensa como fonte confiável de informação, como a inspiradora campanha “O Valor da Notícia”, da agência África para a “Folha de São Paulo”.
São essas tantas histórias que as pessoas querem ver, ouvir e viver. São essas histórias que marcam, engajam, geram preferência e fidelidade por empresas, marcas, publishers e plataformas.
Vivemos em um mundo de novas regras com muito mais desafios e a audiência é cada vez mais líquida e dispersa. Nesse ambiente desafiador, as campanhas precisam encontrar o seu público, criar relevância e empatia com temas que os toquem, e comunicar de maneira íntima e verdadeira. Só assim é possível engajar verdadeiramente.
É sobre emoção e criatividade, como sempre foi. Mas agora, também é sobre futuro, ser verdadeiro e usar a força da comunicação como propulsora do impacto necessário para transformar nossa sociedade.
Que mensagem deixaremos para o futuro? Qual legado devemos deixar com nossos projetos e campanhas de comunicação? Qual o tamanho do impacto positivo que somos capazes de “devolver” ao planeta? Essas são algumas das perguntas que vimos Cannes trazer esse ano, e o Festival também reconheceu, com Leões, algumas das belíssimas respostas dadas a elas.
Compartilhe
Veja também