Creators em Cannes? Aquela conversa desconfortável
A Influência é também uma pedra no sapato da publicidade tradicional.
Creators em Cannes? Aquela conversa desconfortável
BuscarA Influência é também uma pedra no sapato da publicidade tradicional.
17 de junho de 2024 - 17h23
Embarquei num avião com destino final: Cannes. Uma cidade da Riviera Francesa que recebe anualmente publicitários do mundo todo para discutir, comemorar e premiar a Publicidade Mundial. Mas eu não estou indo pra lá exatamente por conta da publicidade.
Eu me formei em 2002 (sim, 22 anos atrás). Nesse tempo, a faculdade que cursei (e todas as outras), não tinha sequer UMA matéria sobre digital, internet, publicidade online ou qualquer nome que o mercado dava para a comunicação das marcas que não acontecia no mundo offline, na TV, na revista, no rádio. Criar para internet era um “sub job”, sem glamour, sem verba, sem Leão de Cannes.
Mas a coisa foi mudando… Passei a minha vida toda sentada na cadeira de “menina da internet” no marketing de grandes empresas e assisti, de camarote, o digital tomando aos pouquinhos a pauta, a atenção, a verba, o resultado… Cannes trouxe uma categoria, trouxe outra… incluiu uma coisa ali outra aqui, foi dando espaço, foi dando palco, e já faz algum tempo que existe a categoria Social & Influência.
Mas esse ano, eles incluíram uma trilha para Creators no conteúdo. Minha ida pra lá é exclusivamente para cobertura dessa trilha, mas eu estou muito curiosa com a abordagem que isso tudo terá.
Incluir uma trilha sobre Creator Economy virou padrão para os eventos em 2024. SXSW puxou a fila e todo mundo anda fazendo o mesmo. Mas faz sentido, já que praticamente todas as indústrias são de alguma forma impactadas pela Creator Economy, recebi outro dia um convite para palestrar em um congresso de Compliance, numa pauta sobre a negociação transparente entre marcas e creators. É, estouramos a bolha.
Mas confesso que estou curiosa pra entender esse movimento do festival, pois ao que me parece, não tem o objetivo de colocar o assunto na mesa das marcas e agências, mas de atrair declaradamente OS CREATORS para Cannes. Através de uma credencial exclusiva (muito mais barata que a dos publicitários) e uma trilha bastante focada na relação creator/marca. O que na prática não é Creator Economy, é Marketing de Influência. Tenho um olhar meio desconfiado quando vejo alguém falando pela primeira vez de Creator Economy e quase sempre confirmo: a pessoa tá confundindo Creator Economy com Marketing de Influência. O dinheiro das marcas é parte relevante dessa economia, mas ele não é o todo. E para além de uma relação simbiótica, essa dinâmica traz outras pautas mais “espinhosas” que eu não imagino que os publicitários queiram discutir nos palcos.
A Influência é também uma pedra no sapato da publicidade tradicional.
Como modelo de negócio? É menos vantajoso do que o modelo de mídia. Como operação? É caótico, desregulado e descentralizado. Como resultado? Difícil de mensurar, pulverizado. Como concorrentes? Uma grande ameaça: creators estão cada dia mais dentro das marcas, co-criando com elas e substituindo os criativos das agências. Estão produzindo publicidade com níveis profissionais, substituindo as produtoras. Estão criando marcas próprias, competindo com as marcas que antes eram suas clientes. Ou seja, os Creators que um dia foram contratados para “um post no feed, 3 stories” e recebiam um briefing vindo da marca, eram uma grande sacada, mas hoje eles são também a maior ameaça de um tanto de gente que estará lá em Cannes disputando Leões.
Aqui do lado “de cá”, de quem vive a Creator Economy desde quando isso não tinha esse nome, correndo por fora do circuito das grandes agências e dos Leões, estamos presenciando diariamente grandes cases acontecendo.
Não estará em Cannes, por exemplo, o case dos Influencers Logan Paul e KSI, que criaram do zero uma marca de Isotônicos e energéticos que atingiu a casa dos bilhões de faturamento em menos de dois anos e se tornou a bebida com crescimento mais rápido da história do mercado americano. Esse case não está concorrendo a nenhum Leão, pois eles não escreveram o case, eles SÃO o case.
Boca Rosa também não estará em Cannes. Enquanto escrevo isso, Bianca está focada na campanha de lançamento da sua nova marca de maquiagem, co-criada com outros criadores, com 50 tons de bases para 50 tons de pele diferentes, testados individualmente por “padrinhos e madrinhas” para cada uma das cores. Além das bases, outros produtos vem sendo anunciados por ela em spoilers cheios de engajamento. Bianca tem uma live de lançamento agendada para o final de junho, que com certeza irá bater recordes de vendas que nenhuma outra marca “tradicional” conseguiria replicar tão facilmente. Bianca fez tudo com seu time. Sem agência. Sem comprar um anúncio sequer.
É claro que eu não vi nenhuma dessas pautas nas trilhas anunciadas. Portanto fico me perguntando: Estariam os publicitários de Cannes alienados ou trazendo pra discussão apenas o que não é tão desconfortável assim? Sabe? Só me vem à cabeça: O leão está nú.
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