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17 a 21 de junho de 2024 | Cannes - França
Diário de Cannes

Responsabilidade Histórica

Será que o júri de Cannes vai seguir o mundo real ou vai tentar separar o joio e o trigo?


19 de junho de 2023 - 10h09

A responsabilidade do júri de Cannes é histórica no ano pós-inteligência artificial (IA) generativa. Estamos numa esquina da história da comunicação onde Grands Prix de edições anteriores poderiam ter sido gerados, produzidos e lançados em questão de minutos em 2023.

Quase-leigos passaram a ter controle de habilidades criativas exponenciais que outrora custariam as dez mil horas de Michael Gladwell. Como consequência, a barra da exigência do craft subiu na mesma medida. E agora caberá ao júri a redefinição para todos nós sobre o que é, afinal, em 2023, mérito criativo.

John Maeda, tecnólogo e autor de “Como Falar com Máquinas”, prevê que o mérito humano vai se afastar dos trabalhos de operacionais e determinísticos, sendo que o escopo do trabalho que merece valor passaria a focar no direcionamento, nas escolhas e decisões – algo análogo ao escopo de direção de criação.

É reconfortante pensar num julgamento que pressupõe uma separação entre o que é o trigo: o valor da ideia, das escolhas e decisões não determinísticas, do insight humano brilhante e que merece o Leão. E o que é o joio: o trabalho da IA generativa, relegando-se à máquina o papel de executor da ideia humana. Numa analogia, o mérito da ideia no sempre brilhante Whopper Detour estaria no poder da imaginação do prompt: “e se qualquer um dentro de um McDonald’s pudesse comer um Whopper delivery por um centavo?”. O “como”, a execução, a viabilização – que nesse caso deu um trabalho gigantesco – poderia ser relegado à AI, fosse esse um case de 2023.

Portanto, deveria o júri julgar por equidade? Tratar casos desiguais na medida da sua desigualdade: uma ideia brilhante numa campanha gerada à exponencialidade generativa poderia ser livremente comparada a outra ideia brilhante, só que essa executada à moda antiga, de forma linear? Algo como “os pedaços que a IA tocou são café com leite; vamos confrontar ideia original contra ideia original”? Parece filosófico, mas essa discussão já está criando efeitos muito práticos: dá para separar o input humano do produto gerado da máquina?

Mas não é bem assim que o processo criativo acontece. Até porque resultados e impacto das ideias devem contar no julgamento. Whopper Detour também é um Grand Prix, sobretudo pela mensurabilidade do impacto da ideia.

É muito difícil separar a ideia da tecnologia, pois o processo criativo é e sempre foi, essencialmente, lidar com os recursos e limitações da tecnologia disponível. Desde o type, passando pelo rádio, o YouTube, até o Bard ou o Product Studio.

A tecnologia agora te ajuda a organizar toda a informação do mundo, aumenta o seu poder de cognição e a sua capacidade de realizar. Então IA não é mestre nem mero executor de quem tem a ideia. IA é co-piloto de quem bem souber usar a tecnologia.

No Google temos falado que no mundo real você não vai competir com IA. E sim vai competir com alguém que aprendeu a usar os recursos disponíveis de inteligência artificial. Será que o júri de Cannes vai seguir o mundo real ou vai tentar separar o joio e o trigo?

O “prompt” do Whopper Detour estava pronto tempos antes da tecnologia ficar acertada para pôr o Whopper Detour no mundo. E o que valeu mesmo foi o que aconteceu: multidões comendo Whoppers dentro das lojas do McDonald’s.

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