Taís Farias
18 de junho de 2023 - 9h41
Entre os 31 profissionais brasileiros que são jurados na edição 2023 do Cannes Lions, está Kelly Castilho. A publicitária, diretora e fundadora da produtora Confeitaria Filmes compõe o júri da categoria mais antiga do festival, a de Film.

Kelly Castilho: “Na minha visão, hoje, esse movimento coloca Cannes em um outro patamar” (Crédito: Arthur Nobre)
Nos seus mais de vinte anos no mercado, a diretora já fez trabalhos para a O2 Filmes, Academia de Filmes, passou pela Globo, TV Cultura, KondZilla e criou o espaço de arte África Br Contemporary Institute.
Enquanto o próprio Cannes Lions chega a edição de número 70 e repensa suas práticas, Kelly Castilho narra um audiovisual em transformação, mas que ainda encontra dificuldade para abraçar novos olhares e profissionais.
Meio & Mensagem – Cannes chega a sua 70ª edição depois de um ano de muitos questionamentos sobre a sua existência e relevância. Como você encara essa edição? Quais as suas expectativas?
Kelly Castilho – São 70 anos do Festival. Não deixa de ser uma data comemorativa importante. Por outro lado, Cannes vem trabalhando também para ter mais pessoas diferentes do que sempre teve. Está um pouco mais diverso. Acredito que nós, brasileiros que estamos indo neste ano ou que já foram no ano passado, estão vendo essa mudança gradativamente. Acredito muito nessas novas oportunidades de ter pessoas que antes não tinham acesso ao festival. Sou publicitária e vi muitos diretores ganharem seus Leões, principalmente homens. Na minha visão, hoje, esse movimento coloca Cannes em um outro patamar. O festival acaba se tornando mais inclusivo e isso tem um impacto diferente em toda a produção.
M&M – Você é jurada na categoria de Film. Para que tendências essa categoria vem apontando?
Kelly – É uma das categorias mais importantes. Visualmente, toca muito em nós. Os filmes ficam marcados. Olhando para tudo que tem acontecido e para o montante de filmes que eu já comecei a avaliar, acredito nesse potencial. Porque o filme transforma. Ao mesmo tempo, sabemos que o mercado mudou bastante. Hoje, não só no Brasil, mas também lá fora, a produção de filmes não é a mesma. Em números, valores, verba. As equipes estão sentindo essa mudança no mercado. Acaba gerando um impacto forte no cenário de produção de filme publicitário. Existe uma possibilidade de mudança, com a entrada da publicidade no streaming. Pode gerar um novo impacto na produção de filmes. No meu caso, enquanto júri, é preciso fazer um trabalho com muito cuidado, respeito pelas individualidades e pela criatividade de cada um. Pelas suas origens também. Porque, afinal, coloca-se na criação muito do que se é, das crenças e da cultura. É um mercado animador, mas precisa dessa guinada para seguir em frente e não estagnar.
M&M – Quais foram as principais mudanças desse formato? Como a transformação do mercado impactou?
Kelly – Antes, tínhamos filmões. Hoje, é tentar ser o mais criativo o possível dentro da realidade atual. Tem coisas interessantes, mas outras perdem muito. Antes, podíamos fazer grandes cenários, produzir mais locações diferentes. Tínhamos uma situação totalmente diferente do que é hoje. Poucas marcas ainda conseguem fazer bons filmes — os “filmões”. O que mais impacta é usar novas ferramentas, outras possibilidades, novos caminhos. Nos força a repensar tudo. Claro que muitas coisas, às vezes, têm um custo alto. E quando vem esse mercado mais focado em filmes para internet, para o Instagram e YouTube, é preciso usar ainda mais a criatividade, porque financeiramente não é mais a mesma coisa. Porém, acredito que isso também não pode seguir dessa forma, porque os profissionais que fazem os filmes para internet são os mesmos que fazem os filmões para a TV. Hoje, existe a necessidade de pensar nisso também. É sobre saber que, quando muda muito, é como se cortasse um salário todo. O mercado está falando sobre isso agora: como produzir com o pouco que se tem. Mas também tem o lado que se paga muito bem para alguns influencers. Tem de ter um equilíbrio. Buscar pensar nos profissionais que estão se dedicando a fazer esses filmes.
M&M – A edição 70 acontece em um momento em que se discute o avanço das ferramentas de inteligência artificial. Qual o reflexo disso na produção e nos cases apresentados?
Kelly – Essa conversa ainda está bem nova para muita gente. A inteligência artificial vem chegando com força e temos que olhar para isso de uma forma que vá enriquecer nosso conhecimento e fazer com que a criatividade flua melhor, buscando novas ferramentas e trocas. Sem se fechar para o novo. Vamos entender o que é? Vamos apreciar mais? Estamos no mercado e ele está em evolução. Como consigo participar disso tudo? As discussões vão trazer isso e, quem estiver lá, precisa estar aberto para trazer para si. Faz parte dessa transformação digital, da inovação e de uma nova vida. É preciso estar ligado e trazer para o nosso mundo. Até onde eu consigo ir? O que consigo melhorar com isso? Estamos neste momento de entender, repensar e trocar, com ouvidos e mentes abertas.
M&M – Ao mesmo tempo, hoje, quais você apontaria como os principais desafios de liderar uma produtora?
Kelly – Não é fácil, porque é um mercado mais fechado. Nem todo mundo entende. E tem o desafio de manter um trabalho, pensando em uma evolução, em dar passos à frente e trazer novos clientes, projetos, filmes. Fazer contato com diferentes agências. E o mercado é assim. Ele parece não querer sair muito daquele mesmo lugar. Porque, sim, tem pessoas que protegem o que já foi conquistado. Ao mesmo tempo, tem novas pessoas chegando e muita coisa para se desenvolver. Acredito que, enquanto liderança, isso precisa mudar. É preciso abrir. Precisa perder o medo de dar oportunidade para quem é uma cara nova e traz um olhar novo. Que talvez não seja aquela mesma pessoa, que faz não sei quantos filmes para aquela mesma marca. Estamos falando de uma questão de diversidade e não é só em relação a pessoas pretas. Eu falo de mulheres, pessoas LGBTQIAP+. É um plano geral. É olhar um pouco mais para que todos tenham mais oportunidade. Esse é o desafio: sair do lugar comum, do mais do mesmo, da comodidade e trazer novos olhares.