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Comunicação

More Grls: é preciso expandir o olhar e sair da hashtag

Camila Moletta e Laura Florence, idealizadoras do More Grls, comentam como acontecimentos sociais recentes têm movimentado a indústria da comunicação


24 de junho de 2020 - 6h00

Camila Moletta e Laura Florence, do More Grls: planilha para mulheres à procura de freelas e podcast buscam acelerar diversidade na indústria de comunicação (Genga Estúdio)

Nos últimos meses, acontecimentos políticos e sociais, como os protestos antirrascistas, e movimentos decorrentes da pandemia, como empregabilidade e saúde mental, têm chacoalhado ainda mais o mercado publicitário — setor que vem sendo cobrado há já algum tempo por mais diversidade (em todos os aspectos) e ambientes de trabalho mais saudáveis.

Com o intuito de trazer esses temas para um debate mais propositivo, o More Grls, entidade sem fins lucrativos idealizada pelas publicitárias Camila Moletta, (head de design da F.oxi Consulting, parte do grupo Fbiz) e Laura Florence, diretora executiva de criação da Havas Health & You, criaram o podcast “Job Pra Ontem”.

Realizado em parceria com o Spotify for Brands, o programa já conta com quatro episódios no ar — com temas como novos critérios de contratação para acelerar a diversidade e dificuldades do home office para mães e periféricos. Só que, em vez de promover uma conversa, os episódios são estruturados como se fossem uma dinâmica de ideação: um estrategista do mercado elabora um briefing, os convidados participam de uma sessão de brainstorm coordenada por Camila e Laura e, ao final, o job composto pelas melhores ideias é entregue.

“A gente sempre focou em ser prático e em ter uma ação específica. É preciso falar da problemática, mas é preciso fazer algo para movimentar. Senão, não íamos entregar o que a gente mais acredita”, explica Laura, sobre a proposta do podcast. De acordo com Camila, a ideia do programa é ser propositivo com uma solução. Na entrevista a seguir, elas falam sobre outra iniciativa do More Grls lançada em maio, o Banco de Freelas, e sobre como têm visto as pautas recentes movimentando o mercado de comunicação:

Meio & Mensagem— Desde que lançaram o Banco de Freelas, vocês perceberam uma movimentação maior por procura de empregos por mulheres?
Laura Florence — Não temos um dado oficial, mas percebemos que mulheres têm sido mais afetadas, inclusive nas lideranças. Temos nossa plataforma, que é um mapeamento de talentos — que está em desenvolvimento e paramos por causa de verba —, mas isso não podia parar, precisamos ajudar na empregabilidade. Por isso, abrimos uma planilha. Quando você entrega para o mercado uma ferramenta, a gente trabalha um pouco a preguiça do empregador, porque facilita. A gente acredita em abrir o leque, sai da indicação, olha para quem você não conhece, para quem ninguém conhece. Somente assim vamos trazer gente diferente para o mercado. Temos recebido mensagens felizes, de gente que foi contratada. Imaginávamos que isso não ia acontecer a princípio. Achamos que ia ser só freela, mas pessoas foram contratadas. No nosso episódio 4, sobre empregabilidade pós-Covid- falamos que esse vai ser um modelo, trabalho e não emprego, proporcionar empregabilidade para pessoas que não necessariamente são CLT, mas que talvez os modelos de criação mudem e você comece a formar times de acordo com a necessidade.

Camila Moletta – Hoje, no nosso site ainda não dá para encontrar profissionais freela, esse é um feature que vai entrar na versão 2.0. Especialmente nesse momento de urgência, esse tipo de filtro é muito importante.

Laura – E também abrimos para outras áreas. Nossa plataforma continua sendo só para criativas, mas as planilhas abraçam todas as áreas da comunicação, mídia, atendimento, produção, gerência de projeto.

M&M – A pandemia tem acelerado ou atrapalhado as pautas de diversidade no mercado publicitário?
Camila – Acho que tem duas forças acontecendo simultaneamente. Se fosse há algumas semanas diria que sim, que a vida das mulheres vai piorar. O mais natural no momento de crise é que pessoas esqueçam avanços que foram feitos em relação a grupos minorizados, não somente mulheres, mas toda a interseccionalidade: negras, PCDs, LGBT+. Mas temos visto um movimento superimportante, muito liderado pelo movimento negro, pela morte do

George Floyd, pela morte do João Pedro e outros tantos que morrem todos os dias no Brasil. O fato é que as pessoas estão abrindo os olhos para o que iniciativas como More Grls falam há muito tempo. E uma dessas coisas é a questão da empregabilidade, que a gente sabe que talvez seja a principal mudança que pode acontecer na trajetória de uma pessoa para ela sair de uma determinada situação. Começou-se falando muito de um lugar passivo de hashtag e etc e aí e não só o More Grls, mas outros vários movimentos, têm se mobilizado para sair da hashtag. Existe uma esperança de que esse cenário seja revertido, de que os grupos minorizados não sejam afetados. Para que o mercado bote o pé no acelerador diante de uma mudança que era insípida e incremental, em temos de contratação de grupos minorizados. Temos visto um interesse maior. Se isso vai se refletir em contratação, só o futuro dirá.

Laura – Toda essa energia dos fatos recentes, obviamente esbarrou no mercado da comunicação. Vimos alguns líderes de comunicação tentando se colocar diante de questões como racismo e da maneira como sempre fizeram, profetizando ou se colocando de uma maneira talvez oportunista. O que não acontecia antes e agora acontece é que as pessoas não deixaram isso passar. Estão cobrando ação concreta. Isso tende a ser positivo porque as pessoas não estão aceitando mais somente o discurso, estão cobrando. De fato, você fez o quê? E a gente está vendo que os líderes estão correndo atrás. O mercado de comunicação sempre foi pautado pelo medo, mas as pessoas estão se pronunciando.

Camila – Esse movimento de inversão acontece no universo das marcas há muito tempo. Se uma marca não é transparente e autêntica, cai em duas semanas. O mundo corporativo, como é que você vai falar algo se aquele é seu possível empregador? Mas as pessoas estão vulneráveis, em home office, ouvem um discurso vazio e cobram do líder a mesma postura coerente de uma marca.

M&M – Quais as expectativas de vocês em relação a uma tomada de ação por parte de CEOs e CCOs em relação a pautas de diversidade daqui para frente?
Laura – Não dá para botar todo mundo na mesma categoria. Tem gente que está pensando na diversidade sob ótica da transformação do negócio. Outros estão pensando em salvar a própria pele – para a gente tudo bem contanto que façam (risos). Cada um vai ter sua jornada. Esses líderes que estão falado em redes e sendo questionados pelas pessoas, também estão tentando consertar um problema. A pandemia é um acelerador de futuros.

Camila – Tem uma frase que gosto, de um homem branco, um futurista, é um cara inglês da Trend Watching. E ele fala que a gente não pode ficar pensando no que vai acontecer sobre questão de possibilidades para o futuro pós-pandemia. A gente tem que sair desse discurso do que vai ou não acontecer para o que que a gente quer que aconteça. Queremos aproveitar esse momento que parece que acendeu uma faísca na cabeça dessas pessoas. O podcast é a ferramenta que a gente tem agora. Se conseguirmos um patrocínio, vamos resolver também a questão do filtro por freelancers, etnia, caso a usuária queira colocar.

M&M – Falem um pouco sobre a proposta do “Job pra Ontem”.
Laura – Estamos falando de um mercado que precisa pensar em como vai sobreviver. Essa coisa que o mercado sempre teve de se autoalimentar é o que levou a estar como está hoje: menos relevante em relação aos clientes, com um único foco de criatividade, não ter acompanhado tendências. Se não expandirmos o olhar, não resolveremos nada.

Camila – Eu e a Laura usamos esse termo indústria da comunicação como algo que abrange não somente grandes agências de comunicação. Sabemos que há uma série de empresas, pessoas e marcas dentro desse mercado expandido que estão fazendo coisas muito legais. É com essas pessoas que queremos falar. Quando a gente expande esse olhar, acabamos ouvindo pessoas de mercado que não são os grandes nomes, mas que trabalham de outra maneira, têm processos e metodologias criativos diferentes, com olhares à frente em termos de diversidade, já superando os 30%. É curioso, quem tem dificuldade maior em se movimentar – e é natural isso, na verdade –, são os grandes nomes, mais tradicionais. Porque têm estrutura pesada, nome global, board. É tudo mais difícil. Mas tem muita gente fazendo coisas absolutamente incríveis.

*Crédito da imagem no topo: Amanda Daphne (@daphne_ilustra)

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