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Comunicação

A jornada da comunidade trans na indústria da comunicação

Por meio de coletivos, iniciativas sociais e eventos, profissionais tentam acelerar a inclusão, oportunidades e representatividade dessa comunidade no mercado


28 de janeiro de 2022 - 6h01

(Crédito: Nito/Shutterstock)

“Não tenho mais tempo de esperar nada”. A frase do redator Ariel Nobre revela mais do que a ansiedade de um jovem profissional que almeja conquistas na carreira e na vida. Perto de completar 35 anos, o redator já idealizou campanhas sociais, realizou um curta-metragem – que lhe rendeu prêmios e indicações – e criou um programa educacional de desenvolvimento profissional. Com esses feitos no currículo, portanto, de que ele tem pressa? De que o mercado o veja como ele é: um redator, criativo e um homem trans. Cuja vivência e importância não podem continuar atreladas a datas do calendário.

Ariel conversou com a reportagem de Meio & Mensagem às vésperas do Dia Nacional da Visibilidade Trans, celebrado neste sábado, 29 de janeiro. O marco temporal, inclusive, foi utilizado pelo publicitário como exemplo de como as questões relacionadas à representatividade da comunidade trans no mercado de trabalho e na indústria da comunicação precisam dar um passo além e serem tratadas de forma perene e com menos rótulos. “O dia da visibilidade vai passar e amanhã, depois, continuarei sendo uma pessoa trans”, frisa.

Ariel Nobre, fundador do Trans Mercado e líder do projeto do Observatório da Diversidade (Crédito: Divulgação)

Embora reconheça estar em uma condição privilegiada de vida e trabalho, Ariel representa um dos grupos dentro da sigla LGBTQIAP+ que mais sofrem opressão e são providos dos direitos mais básicos de cidadania.

Há um ano, o primeiro mapeamento da população trans da cidade de São Paulo, feito pela Secretaria de Direitos Humanos, trouxe dados que atestam essa marginalização. Entre os entrevistados, 43% declararam ter sido vítima de violência física por conta de sua identidade de gênero. Para cerca de 80%, é corriqueiro ser alvo de xingamentos e insultos verbais. Para as travestis, a prostituição acaba sendo uma das únicas opções de sobrevivência, sendo o ganha-pão de 46%. Esse índice também é alto entre as mulheres trans: 34% delas também se prostituem para viver.

Resultados de uma estrutura social excludente, esses números atestam o quanto a comunidade trans, em sua maioria, ainda está distante de alcançar o mínimo de representatividade no mercado de trabalho, na mídia e nas demais estruturas da sociedade.

Ao mesmo tempo em que esses dados escancaram a profundidade do problema social, a indústria da comunicação, em contrapartida, vê a pauta da diversidade e os debates em torno da necessidade de inclusão e da geração de oportunidades serem colocados à mesa de forma nunca antes vista. O primeiro Grand Prix da história do Brasil na categoria Glass do Cannes Lions, categoria criada justamente para destacar os trabalhos que ajudam a quebrar estereótipos, veio no ano passado, por um trabalho da VMLY&R criado para o Starbucks, com a proposta de ajudar pessoas trans a retificarem seus nomes sociais de forma oficial. Grandes empresas também tem criado programas voltados à capacitação de profissionais trans. No ano passado, BASF, LinkedIn, Natura e Visa realizaram o programa Somos Mais Fortes em Conjunto (Soma), cujo objetivo era oferecer mentorias profissionais e capacitar mulheres trans e travestis.

Neste cenário de mais iniciativas voltadas à diversidade, grupos, coletivos e empresas com foco em aproximar o mercado de publicidade e comunicação de questões inclusivas começam a ganhar mais espaço.

União para fortalecer
“O mercado se reúne, inclusive entre concorrentes, para discutir desafios e negócios. Por que não fazemos isso em nossa comunidade?” Esse questionamento despontou em Raquel Virgínia, no ano passado, depois que ela passou a frequentar alguns seminários e eventos do mercado publicitário. CEO da agência de gestão de cultura Nhaí, Raquel é responsável por uma operação que, além de gerir projetos de entretenimento e influenciadores, também presta consultoria para empresas que queiram avançar nas políticas internas de inclusão da comunidade LGBTQIAP+ a se posicionar de forma mais genuína perante esta comunidade.

Compartilhar os desafios e conquistas de sua vivência empreendedora com outros profissionais LGBTQIAP+ que estão desenvolvendo negócios na indústria da comunicação é o que a motivou a estruturar o Contaí, evento que realiza sua primeira edição – em formato piloto, como Raquel classifica – nesta sexta-feira, 28, no espaço WeWork, em São Paulo. O encontro abordará como as empresas podem incluir a comunidade LGBTQIAP+ não apenas em seus quadros de funcionários, mas também como podem aprimorar o tratamento com essa comunidade de consumidores. Além da WeWork, são apoiadores do evento a empresa POD360 e o Grupo Heineken.

Cantora, compositora e empresária, Raquel Virgínia fundou a operação da Nhaí e promove, em São Paulo, a primeira edição do Contaí, com a proposta de discutir empreendedorismo e negócios entre a comunidade LGBTQIAP+ (Crédito: Rodolfo Magalhães)

Esse é o primeiro teste de um formato que Raquel quer transformar em algo perene no mercado. Mulher trans, negra, cantora e compositora, a CEO do Nhaí fez parte do grupo As Baías, que recebeu duas indicações ao Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa. Tanto nos palcos quanto no mercado de comunicação, sua bagagem a faz perceber o quanto a agenda de inclusão ainda precisa avançar.

“Existe uma vontade por parte do mercado, mas não existe um projeto consolidado para fazer essa vontade acontecer. Mudamos o percurso da história quando calcamos essa vontade em projetos de médio e longo prazo. Infelizmente temos uma educação de gênero muito conservadora, que faz com que as discussões aconteçam, mas ainda de forma solta. E é nesse sentido que, no universo do marketing e da publicidade, acredito que a Nhaí pode contribuir”, relata Raquel.

Desta primeira edição do Contaí participam outras iniciativas de empreendedores trans, como a Transcendemos, consultoria fundada por Gabriela Augusto, e o Transempregos, plataforma de vagas e oportunidades de trabalho para profissionais trans, cocriada por Maitê Schneider. Raquel conta que uma nova edição do Contaí já está programada para março, com a participação de mais profissionais do mercado de comunicação.

“Nossa única chance é nossa aliança”, resume Ariel Nobre, a respeito dessas iniciativas que visam amplificar as vozes da comunidade LGBTQIAP+ e, consequentemente, das pessoas trans. O redator, que está à frente do Observatório da Diversidade, uma iniciativa criada no ano passado por representantes de várias agências de publicidade, cita conquistas recentes na indústria da comunicação, como a eleição da Chapa Preta à presidência do Clube de Criação, a criação e reconhecimento da agência Gana, de Felipe Silva, e a conquista do Prêmio Caboré por Samantha Almeida, diretora de conteúdo da Globo, como representações de avanços na questão da inclusão. “Todas essas vitórias são coletivas. Quando a Samantha ganha, o mercado também ganha sentido. Queremos o avanço humanitário do mercado”, pontua Ariel.

Para apoiar esse avanço, em 2020, o publicitário criou o Trans Mercado, uma iniciativa com o propósito de desenvolver profissionalmente pessoas trans e, com isso, apoiar sua autonomia financeira. Ao analisar a evolução da inclusão dessa comunidade na indústria da comunicação, Ariel enxerga avanços, mas acredita que, para uma mudança mais profunda acontecer, é necessário que o mercado se transforme por dentro. “Ainda vejo resistência em nos vermos como sujeito das narrativas. Ainda somos rotulados a um tema. Precisamos estar no lugar de quem cria e decide as narrativas, pois é isso que fará diferença na sociedade. E para termos mais pessoas trans nesses espaços, a publicidade precisa mostrar pessoas trans em campanhas de Natal, de Dia das Mães, de Dia dos Pais”, cita.

Raquel, que, através da Nhaí, já realizou trabalhou para empresas como PepsiCo e AlmapBBDO, acredita que uma das maneiras de ajudar a acelerar essa inclusão e transformar o mercado é por meio da informação. “As pessoas e empresas ainda não sabem como lidar com a comunidade e confundem bastante. Não sabem, por exemplo, a diferença entre drag queen e uma mulher trans. Elas precisam ter esse entendimento para ajudar a transformar esse cenário. Mas estamos a caminho disso. Sou otimista”, confessa.

Representatividade
Mais do que uma comunidade com diversas peculiaridades, as pessoas trans precisam ser enxergadas como seres humanos, na visão de Ariel Nobre. É essa identificação genuína e próxima que, em sua opinião, auxiliará na quebra de tantas barreiras. “Existem transformações sociais que vêm do coração e acho que a propaganda pode ser uma delas. Quando queremos vender algo, contamos uma história positiva daquele produto. Se colocarmos um homem trans em uma propaganda de beleza, estamos dizendo ao País que aquele homem é bonito, que é amável. Se colocarmos um homem trans como pai de família, mostraremos que esses homens podem ser líderes. Se mostrarmos homens trans trabalhando, estamos dizendo às empresas que eles são contratáveis. Isso é muito direto e nenhuma indústria pode dizer essas mensagens de forma mais simples e forte do que a da publicidade”, acredita.

Dar espaço para que as pessoas compartilhem suas vivências, experiências, dores e aprendizados é, na visão de Raquel Virgínia, um passo fundamental para que a sociedade veja que as pessoas trans existem e que, a partir daí, os caminhos comecem a se abrir. “Escuto muito, de várias empresas, que não contratam pessoas trans porque não as encontram. Quando a gente realiza um evento presencial, de forma simples, essas pessoas se conhecem, se conectam e começamos a formar um mapa. Precisamos entrar nesse mapa e nessa geografia”, finaliza.

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