Bebida nas lives e o desafio das marcas
Momento social delicado, restrições autorregulamentares e artistas que ainda não estão acostumados com ações de gênero são alguns dos obstáculos do segmento
Momento social delicado, restrições autorregulamentares e artistas que ainda não estão acostumados com ações de gênero são alguns dos obstáculos do segmento
Renato Rogenski
20 de abril de 2020 - 6h00
Tão fácil quanto afirmar que o formato de lives com apresentações musicais vive um momento sem precedentes no País, em função do isolamento social, é perceber que o segmento de bebidas alcoólicas tem sido o grande protagonista em termos de exposição de marca nessas transmissões. Solidificando a posição do sertanejo como o gênero mais popular do Brasil, transmissões como as Jorge e Mateus e Gusttavo Lima não apenas têm em comum o fato de ultrapassarem três milhões de acessos simultâneos e mais de 30 milhões de visualizações, como também de promoverem cervejas da Ambev: Brahma e Bohemia.
Como tudo é muito novo, no entanto, tanto do ponto de vista dos artistas, como das ações de marca, ainda há um caminho de aprendizado pela frente. Na semana passada, por exemplo, Ambev e Gusttavo Lima receberam uma notificação do Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) pela live “Buteco Bohemia em Casa”. A representação partiu de um grupo de consumidores que reclamou sobre o consumo excessivo de bebidas alcoólicas pelo cantor durante os shows e a falta de avisos restritivos ao público.
Novos contextos
Em nota, o Conar ressaltou que o formato de live é algo inovador para o momento em que o País atravessa, mas pondera que as ações publicitárias que dela façam parte devem ser conciliadas aos princípios fundamentais de comunicação comercial do segmento de bebidas alcoólicas. Também por meio de comunicado, a Ambev diz que procurou tomar todas as medidas para que o cumprimento das regras do Conar fosse respeitado no formato, mas reconhece que algumas orientações não foram seguidas.
Para Ana Paula Passarelli, cofundadora e CCO da Brunch, empresa especializada em estratégias de influencer marketing, neste momento as marcas precisam fazer a leitura dos impactos que tantas mudanças provocam na vida das pessoas que estão em casa, para montar estratégias de comunicação que as ajude em um momento tão incerto.
Em sua visão, as consequências emocionais do isolamento social são enormes e isso inclui depressão, crises de ansiedade, mas também o consumo excessivo de comida, bebida e cigarro. “É um momento em que a marca estará diretamente associada a situações problemáticas no âmbito social e a comunicação precisa ser pensada para conscientizar, informar e entreter, nesta ordem. O entretenimento pelo entretenimento em tempos de pandemia é um tiro no pé em qualquer estratégia de marca”, afirma.
Desafios e aprendizados
Passarelli também analisa que basear a estratégia de uma marca de bebida alcoólica, em tempos de pandemia, em “vamos beber para esquecer”, é se ausentar da responsabilidade que uma marca tem na vida das pessoas. Para ela, a bebida precisa estar associada a momentos prazerosos ou aquilo que poderia ser estratégia passa a ser uma gestão de crise. “O mesmo se aplica para outros segmentos. Crises de ansiedade estão desencadeando comportamentos compulsivos em todos nós, e eles não se limitam ao consumo de álcool”, avisa.
“Temos artistas que não estão acostumados com esse tipo de entrega” – Gustavo Luveira
Na concepção de Gustavo Luveira, diretor associado de relacionamento e novos negócios da R2 produções, empresa responsável por algumas das lives de grande audiência neste período de pandemia, incluindo a última da dupla Jorge e Mateus, não se pode confundir o entretenimento com excesso. “Nenhuma marca quer ser vinculada ao exagero”, acredita. Por outro lado, o profissional destaca também a oportunidade para as marcas aproveitarem esse contexto e mostrar que é possível um ter um confinamento tranquilo, saudável e de boa convivência.
Para ele, o mercado precisa entender que o desafio maior não é bater recorde em cima de recorde em visualizações, mas sim buscar as melhores entregas em termos de marca. “De um lado, temos artistas que não estão acostumados com esse tipo de entrega e de outro, marcas que estão apostando tudo nesse formato. As marcas precisam entender que muitos artistas estão aprendendo a falar sobre um determinado produto para uma câmera ao vivo e os artistas entenderem que as marcas querem o lado mais original deles”, afirma.
Potencial
Sobre tendências, a cofundadora e CCO da Brunch disse que a ascensão das lives não é exatamente uma surpresa, embora o comportamento gerado pela pandemia possa estar acelerando o processo. Em sua avaliação, já há em curso uma transferência de investimento e criação de conteúdos que eram limitados à TV para os formatos originais dentro de plataformas sociais como YouTube, Facebook e Instagram. O problema, segundo ela, está na estratégia de associação de marca, que precisa ser repensada dentro do território de confiança. “É sair da limitada estratégia do alcance e dos views para ‘como minha marca pode ajudar os consumidores e gerar awereness positivo?’”, opina.
“É um momento em que a marca estará diretamente associada a situações problemáticas” – Ana Paula Passarelli
Para Gustavo, o momento de grande audiência é um aperitivo de todo o potencial das lives. Além disso, o fato de poder se associar com alguns ídolos é um fator extremamente positivo, em sua visão. Por outro lado, o profissional pede calma e discernimento ao mercado. “Aconteceu da live se transformar no horário nobre da TV. Marcas e artistas precisam estar cientes da responsabilidade que é falar para centenas de milhares de pessoas; que ainda por cima estão confinadas. Não podemos transformar tudo isso em um canal de varejo”, finaliza.
Crédito da imagem de topo: piranka/iStock
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