Carla Madeira: “O principal mordedor do processo criativo é o medo”
Para autora e presidente da agência Lápis Raro, processos criativos precisam de liberdade e gestão baseada na co-criação
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Thaís Monteiro
17 de abril de 2025 - 6h00
A autora brasileira de não-ficção mais lida em em 2023 e 2024, segundo lista Nielsen PublishNews, que tem apoio da Câmara Brasileira do Livro, também é publicitária. Fundadora e presidente da agência Lápis Raro, de Belo Horizonte, Carla Madeira, que se define como autora do improviso, se divide entre a objetividade dos negócios e a subjetividade da literatura.
Para autora e presidente da Lápis Raro, gestão verticalizada das agências coíbe ideias criativos (Crédito: Priscila Drumond)
Até fevereiro, seus três livros publicados — Tudo É Rio (2014), A Natureza da Mordida (2018) e Véspera (2021) – somavam 973.103 cópias vendidas. As obras irão extrapolar o universo imaginativo do papel e assumir as telas. A Boutique Filmes comprou os direitos dos livros Tudo é Rio e Véspera para transformá-los em filme e série, respectivamente.
Para Carla, a criatividade, na arte, é produto de uma liberdade ampla. Na publicidade, é fruto de limites e intenções de negócios, mas é capaz de propor histórias comoventes e inspiradoras. Em ambos os casos, em tempos de entregas imediatas e resultados exatos, quem leva a melhor é o medo. “O principal mordedor do processo criativo é o medo. Medo de ser criticado, de não conseguir fazer direito”, descreve.
Ao Meio & Mensagem, a autora reflete sobre processos criativos, a necessidade de uma gestão mais horizontalizada para dar fluxo a novas ideias e sobre o risco da literatura cair em fórmulas prontas.
Meio & Mensagem – Você se descreve apaixonada pelo processo criativo da literatura. Qual é, de fato, seu processo criativo? E como ele se difere do exercício criativo na publicidade?
Carla Madeira – Uma campanha vem sempre com um território já recortado. Ela vem com um briefing, com objetivo mercadológico muito claro e temos que se haver com as questões comportamentais daquele processo: a lógica de consumo daquela categoria de produto, mecanismo de decisão. Já é um universo muito mais delineado em termos de abordagem. Quando você vai pro livro, você se vê diante da liberdade. E a liberdade é vasta e ampla. Te coloca no centro da decisão. O meu processo parte muito do acontecimento. Acontece uma coisa e eu começo a olhar para essa coisa e penso: o que aconteceu? O que veio antes? Por que essa pessoa fez isso? O que ela vai viver depois? Como ela vai lidar com as consequências? Que recursos ela tem ou não tem? É esse acontecimento, é o ato que eu investigo e tento compreender e que se torna o centro da minha criação. É assim que eu vou começar a entender a lógica do personagem, o comportamento. Se ele faz isso, ele não faz aquilo. Se ele tem o perfil de uma pessoa que age dessa maneira, será incoerente se ele fizer determinada coisa. Você vai achando o personagem, encontrando ele. Essa é a grande diferença. O publicitário também conta histórias incríveis, emocionantes, bem humoradas, bem estruturadas, com contextos comoventes que te fisgam. Toda essa potência está ali no criativo da publicidade, mas a grande diferença está na função da publicidade e na não utilidade que é fundamental para a literatura. A literatura não é um recado, manual de boas práticas, não é acerto de contas. É um processo de liberdade estética e conceitual em que o autor está ali para um ato solitário, deixando o mundo do lado de fora.
M&M – Em A Natureza da Mordida, você faz uma brincadeira sobre como a vida pode ser uma senhora que nos abocanha. O que, na vida, abocanha o processo criativo? Ou o torna vulnerável?
Carla – Quando escrevi Tudo é Rio, logo depois escrevi A Natureza da Mordida. Tudo é Rio já fazia um certo sucesso. Eu estava muito radical na minha decisão de encontrar outra linguagem. Eu não queria repetir o sucesso de Tudo é Rio. Isso é uma coisa que pode abocanhar o processo criativo: você se apegar ao resultado de um livro, querer repetir a performance dele. A vaidade pode te abocanhar no processo criativo. O principal mordedor do processo criativo é o medo. Medo de ser criticado, de não conseguir fazer direito. De não conseguir atravessar uma fase de elaboração necessária a qualquer livro, em que muitas coisas vão ficar mal resolvidas, pontas sobrando. Todo medo, toda vaidade, todo apego. Apego de cortar uma frase porque você está vaidosa, mas a frase, dentro do livro, não contribui, é uma sujeira e você fica apegado. É uma vaidade. Você vai mordendo no sentido de ferindo esse espaço que precisa ser de liberdade e a liberdade pressupõe – ou deveria pressupor – uma certa coragem de buscar o que vai realmente te envolver e te colocar no trabalho.
M&M – A Lápis Raro é uma agência independente. Fazer parte de uma rede pode limitar o processo criativo?
Carla – Acho que sim, porque as decisões estão aqui dentro. Todo ano, a Lápis Raro faz um radar todo ano em que refletimos sobre tendências. É sempre depois do South by Southwest (SXSW). Eu estava pensando sobre isso hoje: o quanto a distância do processo criativo está de quem decide. São estruturas muito hierárquicas no cliente ou na agência. Uma boa ideia, quando chega em quem decide, pode chegar muito desvitalizada ou sem brilho, porque, ao longo desse trajeto, ela vai absorvendo os medos. Passa por aquela instância do “se falarmos isso, pode ser que dê isso” e aí passa para o outro que também coloca inseguranças. Esses medos todos vão tirando brilhos e o time da ideia. É preciso rever essas estruturas hierárquicas e investir mais nos processos co-criativos, onde pessoas que decidem estão na mesa ajudando a encontrar a solução.
M&M – Como você avalia o estado da criatividade na publicidade atualmente?
Carla – O que eu sinto é que vivemos, nos últimos tempos, uma valorização, quase uma obsessão e um equívoco de que bastava distribuir a comunicação. Nós passamos por essa coisa da mídia vindo com protagonismo forte, porque eu sei pra quem eu entrego e eu meço em tempo real. Foi algo profundo e natural, porque estávamos aprendendo uma coisa que sempre sonhamos enquanto indústria da comunicação, que é entregar, da melhor maneira, da maneira mais assertiva, uma mensagem. Focamos no meio de uma maneira muito intensa. E, na minha visão, enfraquecemos a mensagem. Começamos a perder a capacidade de nos diferenciar em sermos interessantes e relevantes e começamos a fazer coisas em formatos muito precários para que se realmente construa abordagens relevantes. Agora, estamos vendo isso. Estamos nos dando conta que só distribuir também não nos atende. Estamos nesse lugar.
M&M – Atualmente, no TikTok principalmente, os livros de romance são classificados por fórmulas, como “de inimigos à amantes” ou “de amigos a amantes”. A literatura tem o risco de cair em modelos repetidos?
Carla – Acho que tem. A liberdade do papel em branco, às vezes, é muito angustiante e onerosa. É mais fácil e confortável se agarrar a alguma coisa que já foi feita do que realmente ir para o novo. Aí mora o perigo de se apegar a modelos, a estruturas e julgamentos.
M&M – Como publicitária, você se envolve nas campanhas de divulgação de sua própria obra?
Carla – Eu não me envolvo na divulgação da minha obra. Eu trabalho mais como se eu fosse um cliente. Eles planejam, desenvolvem, aí eu às vezes falo: ‘Ó, eu tenho incômodo com essa abordagem, com aquela’. Eu funciono mais nesse lugar. Sentar pra elaborar junto, criar essas coisas, não.
M&M – Qual é sua participação nas adaptações audiovisuais dos seus livros?
Carla – Meus três livros foram vendidos para adaptar para o audiovisual. Véspera já está em filmagem e eu tive um papel como consultora. Acabei participando de uma parte da roteirização junto com eles. Fiz parte de uma sala de roteiro. Eu era formalmente consultora da série. No caso de Tudo é Rio, existe uma troca, eles estão me apresentando, mas eu não sou formalmente consultora. A única coisa que eu fiz foi exigir que fosse uma mulher na direção.
M&M – Nos últimos quatro anos, o país perdeu 6,7 milhões de leitores, segundo dados da 6ª edição da “Retratos da Leitura no Brasil”. Ao mesmo tempo, vemos a força do público leitor TikTok e de influenciadores em mobilizar leitores para a Bienal do Livro e esgotando produtos, principalmente os jovens. Considerando essa dicotomia, como prevê o futuro do mercado editorial?
Carla – Eu sei dessa informação da perda de leitores, mas eu também tenho a sensação de que nunca vi tanta movimentação em torno de livros: tantas feiras de literatura, tantos clubes de leitura, clubes espontâneos de amigos que se reúnem, clubes com curadores, igual o do Pedro Pacífico (Bookster), e do Leandro Karnal com a Gabriela Prioli. Tem uma movimentação muito grande, muita troca nas redes – como você colocou, no TikTok -, muita gente fazendo resenha do que lê. Eu fico com a esperança de que isso seja uma coisa que vai crescer e que vai ser boa para a literatura.
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