Como é pensada a trilha sonora para uma campanha?
A escolha de uma música original ou jingle para embalar uma peça passa pelas mãos de agências e produtoras de som, influenciadas pelo cenário musical e tendências
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Karina Balan Julio
17 de maio de 2017 - 8h00
Campanhas podem ser planejadas por meses e envolver as mais diversas nuances criativas, mas pouco se fala da produção sonora como ferramenta para dar o tom emocional a uma peça. O uso de música na publicidade começou a se desenvolver das décadas de 20 e 30, entre grandes marcas como P&G, que utilizavam temas dramáticos para aumentar a atenção do consumidor e a resposta emocional, ao induzir o espectador a um certo tipo de humor.
No pós-guerra, o custo de licenciamento de músicas para propaganda fez com que marcas passassem a adotar jinlges em larga escala, até que, na década de 80, o preço caiu e marcas passaram a adotar música contemporânea em suas peças. Da década de 90 até os dias de hoje, o campo de atuação para trilha sonora cresceu muito, e as parcerias com artistas e gravadoras se popularizaram em campanhas com a chancela de grandes hits e personalidades.
Atualmente, é preciso mais que sensibilidade para definir o que irá compor a narrativa sonora, tendo em vista o surgimento de novos formatos sonoros. Fernando Tomeu, criativo da agência Wunderman, explica como funciona o briefing para as trilhas. “Cada produtora tem seu jeito e forma de fazer. Trabalhar com música quando não se é músico envolve ouvido e emoção, então na agência pensamos no tipo de música que queremos colocar na peça ou no filme e mandamos para o cliente. A partir daí criamos uma narrativa”, conta.
A onda do sertanejo publicitário
Rafael Pitanguy, VP de Criação da Y&R, acredita que a criação da trilha não deve ser conduzida pela agência até “os 47 minutos do segundo tempo”, para só então ser trabalhada com a produtora de som. “Enquanto criativos, sabemos apenas a intenção que aquela trilha deve passar, e então tem todo o trabalho da produtora e do artista convidado. Não se trata só da trilha, mas na personalidade por trás da música. Se o personagem vai ser protagonista, vai ser diferente de uma música que preenche uma campanha. As marcas estão trabalhando mais com músicas originais e menos com jingles, que era aquela repetição ‘chiclete’”, avalia.
Entre as tendências cada vez mais marcantes nesta indústria, está a tríade entre agências, artistas e gravadoras independentes e marcas, através da criação de canções originais de bandas e artistas, feitas sob medida para marcas de acordo com o produto ou campanha. Marcas como Itaipava e Avon já fizeram suas músicas proprietárias com artistas como Gabriel O Pensador, Karol Conka e Mayara & Maraisa.
“Antes, costumávamos fazer algo arroz e feijão, mas a relação com agências está amadurecendo. Hoje apresentamos cada vez mais trilhas diferentes e compostas, a organicidade é tendência. Tem marcas que ainda precisam do jingle por uma questão de público, pois o público no Brasil não está preparado para só escutar música de primeira e complexa. Ao mesmo tempo há também grandes marcas que precisam da figura e das imagens de determinados artistas, então colocam um hit que já existe e que casa bem com o produto. Contudo, cada vez mais marcas se arriscam e criam do zero”, explica Lelê Terpins, diretora de inovação e novos negócios da produtora A Voz do Brasil.
Para Arthur Abrami, da produtora Punks S/A, focada em trilhas e licenciamento de músicas, a parceria com artistas é um formato muito interessante para todas as partes envolvidas. “Para os artistas é interessante porque eles buscam o investimento e precisam de engajamento, e as marcas tem interesse em impulsionar o que fizeram juntos”, diz.
Um estudo da Nielsen apontou que anúncios com algum tipo de música performam melhor em relação à anúncios sem música, considerados mais informativos, emotivos, empáticos e criativos
Segundo Lelê, as produtoras passaram um longo período presas às referências passadas pelas agências. Neste formato tradicional, a agência manda o briefing e a produtora produz a trilha a partir de uma série de referências, que podem ser desde músicas já existentes e até instrumentos e estilos. Cada produtora, por sua vez, têm seus produtores e maestros para criação de arranjos “parecidos” com as referências.
Pedro Luce, que cuida dos negócios publicitários do estúdio Freak, afirma que o contato com as agências e marcas às vezes é um pouco conturbado, e que muitos clientes mudam de ideia de última hora, meses após o desenvolvimento de um projeto de som. “Agências às vezes são inseguras e quem acaba sofrendo são as produtoras: o que mais acontece é mandarem uma referência que tem que ser praticamente copiada, para que façamos uma música prima dela. Marcas às vezes querem se aproximar demais de uma referência, e a produtora de som é vista como um mero instrumento. Quanto maior a marca e o dinheiro, há menos espaço para fazer coisas novas”, pondera.
Para ele, no entanto, a vantagem de se fazer uma música original é não correr o risco de associar um produto à trechos indesejáveis de uma canção já existente, ou à um discurso polêmico que uma banda ou artista possa ter fora do âmbito de uma campanha. Fernando, da Wunderman, acredita que a chave para se trabalhar com artistas é trazer personalidades que tenham a ver com o que está sendo falado, em vez de trabalhar a música pela música.
Arthur, da Punks S/A, vê na figura do supervisor musical uma importância cada vez maior, pois é ele que trabalha junto a criativos. “Ele ajuda a definir se é melhor fazer uma parceria com artista e usar uma música já consagrada e embarcar no sucesso dela, ou se quer construir algo original ou lançar algo de uma banda nova”. A produtora, que tem matriz em Nova York, ainda conta com um catálogo de cerca de 300 mil músicas para licenciamento.
Assim como Lelê, ele prevê a morte da trilha chamada “branca”, com pouca personalidade e utilizada apenas para “cobrir” as imagens. Aos poucos, segundo Arhur, estão surgindo empresas especializadas para para distribuição e parcerias entre marcas e artistas.
Sound Branding
Marcas também investem muitas vezes em assinaturas musicais, que funcionam como uma logo sonora e assinam todas as peças de comunicação de uma marca. “Pode ser uma vinheta de patrocínio ou de conteúdos para internet, uma trilha sonora com diferentes versões e arranjos diferentes, e até mesmo o jeito de falar dos textos e os sons associados a um produto. O sound branding é uma categoria muito maior que transforma o conceito da marca em som”, afirma Zanna Lopes, produtora da Zanna Sound.
Para ela, formatos como o jingle já estão datados, pois as pessoas querem uma relação mais íntima com o conteúdo em todos os aspectos. “As pessoas não querem mais ouvir uma voz que grita na televisão ou no rádio. É preciso pensar na sensação que a sonoridade remete, e envolver o cliente em uma relação quase pessoal”, disse, usando como argumento marcas como a Apple, que têm uma identidade sonora que já é parte do cotidiano das pessoas, em seus celulares e dispositivos.
“É algo que está ganhando força, aquela assinatura que identifica a marca, mas não está presente no comercial e campanha toda. Isso traz uma identidade mas não ocupa todo o espaço de uma peça”, acrescentou Rafael.
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