“Agências dinossauros não seduzem no novo playground”
Após deixar a JWT, Fernand Alphen prepara lançamento da empresa de comércio mobile Lua, em sociedade com o empresário Marcos de Moraes, fundador de Zip Net e Sagatiba
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Alexandre Zaghi Lemos
20 de maio de 2016 - 11h23
Uma nova plataforma de comércio multimarcas baseada em mobile e redes sociais, movimentada por influenciadores que vendem produtos a seus grupos de relacionamento pessoal. Esse é o negócio da Lua, empresa que vem sendo estruturada desde o ano passado e será lançada em julho, tendo como mercado teste o interior de São Paulo. Presidida pelo empresário Marcos de Moraes, empreendedor que já fundou o Zip Net (vendido para a Portugal Telecom em 2010) e a Sagatiba (adquirida pela Campari em 2011), a empresa tem entre seus sócios o publicitário Fernand Alphen, que, para se focar no novo negócio, acaba de deixar o posto de chief strategy officer da J. Walter Thompson, após cinco anos de casa. Antes, passou 13 anos na F/Nazca S&S, onde começou na área digital e chegou a diretor nacional de planejamento. Nesta entrevista, com a verve crítica que lhe é peculiar, Alphen compara o mercado de grandes agências de publicidade a um dinossauro, diz que a tradicional venda direta morreu e conta um pouco de outra atividade que desempenha: a de consultor de conteúdo para TV.
Angústia no topo da pirâmide
Minha saída da Thompson foi pacifica e transparente. Ainda permaneço fazendo uma espécie de consultoria para alguns assuntos. Entretanto, mesmo ganhando super bem, com mordomias e prestígio, eu estava cansado da propaganda. Do jeito que está desenhado pelos grandes grupos e grandes redes, o negócio é decadente. O que mais me apavorava é que num sistema clássico de grande empresa, quanto mais você sobre, mais gerencia e menos faz. E, quanto menos você faz, menos fica sabendo como fazer. E quanto menos sabe como fazer, menos é capaz de gerenciar. Há uma distância de alguém que está no topo da pirâmide, que é onde eu estava, sendo absorvido por funções e responsabilidades não operacionais, como reuniões e conference calls – que me davam, no fim do dia, a sensação de não ter feito nada. Isso me apavorava.
Crise estrutural
O negócio de comunicação e a propaganda não sofrem por causa da crise atual – não é conjuntural, é estrutural. Os grandes grupos da publicidade cresceram de tal maneira que viraram Braquiossauros, aqueles dinossauros pescoçudos. O cérebro ficou muito distante daquele corpo enorme. Na cabeça está o staff gerencial, os homenzinhos de paletó, com lenço de seda no bolso e Rolex de US$ 20 mil no pulso. Esses caras são muitos nos grandes grupos. São pessoas de várias origens e competências, que ascenderam nas hierarquias das agências e hoje ganham fortunas para gerenciar o negócio. Eles se distanciaram totalmente da realidade, não têm ideia do que está acontecendo lá em baixo naquele corpão do dinossauro, que, por sua vez, precisa gerar dinheiro suficiente para remunerar a cabeça que está lá longe e o acionista capitalista que todo ano quer 10% a mais no seu lucro. Quem paga essa conta é o anunciante, que também está pressionado por várias situações adversas, e exige que a agência diminua suas margens. Colocando aí um tempero de crise na mídia, chega uma hora em que os grandes grupos de agências só têm uma maneira de gerenciar o corpo do dinossauro, que ainda tem muita gordura e muito talento, mas não pode deixar de alimentar a cabeça nem o acionista capitalista: cortam ou pagam menos para os funcionários. Quanto menos a agência pagar, pior o trabalho dela fica, comprometendo a qualidade.
Novo playground
Para tentar reagir, os grandes grupos de agências ficam tentando colocar dentro dessa estrutura cheia de reumatismos o negócio da internet, que está milhões de quilômetros à frente. Apesar da experiência que têm, os grupos de agências não conseguem acompanhar esse novo ritmo. O que deveriam fazer é cortar a cabeça, dispensar essa estrutura que custa tão caro para gerenciar relacionamentos internacionais, e se concentrar no que elas sabem fazer de verdade e são imbatíveis: conteúdos publicitários emocionantes, envolventes, que geram desejos nas pessoas. Isso dito, existem negócios publicitários e agências que não são dinossauros, porque não têm o staff com lencinho de seda nem o acionista financista, não estão presentes em 80 países e nem têm relacionamentos de 150 anos com seus clientes. São outras estruturas, não importa a idade, mais enxutas e rápidas. Essas são capazes de fazer o que sabem: seduzir no novo playground.
Sem intermediação
Há uns dois anos, o Marcos de Moraes, que foi meu cliente na F/Nazca com Zip Net e Sagatiba, me procurou dizendo que voltaria a fazer algo ligado à internet, pelo aquecimento desse mercado. No começo desse ano, ele me chamou para ser sócio da Lua, que tem ainda um terceiro acionista, o João Marcos Korte, das áreas financeira, jurídica e operacional (que também participou das empreitadas do Zip Net e Sagatiba). Nosso projeto parte do princípio de que as economias estão completamente cansadas das intermediações e o consumidor está cansado de pagar pedágios para comprar algo que, talvez, ele pudesse comprar diretamente. Por outro lado, hoje as pessoas se relacionam com muita gente nas redes sociais, mas não usam esses relacionamentos para ganhar dinheiro, só para atender a carência afetiva.
Como funciona
Estamos investindo em uma plataforma que faz as pessoas otimizarem a ociosidade dos relacionamentos nas redes sociais, vendendo produtos e ganhando uma margem sobre essas vendas. Minha sobrinha tem 500 amigos no Facebook, fala o dia inteiro com eles, recomenda coisas. Ela tem um poder de seduzir as amigas. Imagina se usasse o poder de convencimento para ganhar uma grana. A Lua é uma plataforma mobile que conecta um monte de marcas, de todas as categorias possíveis. Nosso foco é nessa pessoa que estamos chamando de influenciadora ou personal shopper. É ela que irá cuidar do consumidor final. Acreditamos que haverá adesão grande de pessoas mais novas e maior quanto mais afastadas dos grandes centros. A influenciadora instala o aplicativo da Lua no celular e, ali, monta a sua loja e envia as ofertas para sua rede de relacionamentos por WhatsApp, Facebook e outras redes sociais. Cada uma terá sua loja com os produtos que desejar. O consumidor final efetiva a compra também pelo celular. As influenciadoras vão vender antes de comprar, portanto não haverá necessidade de capital inicial. Depois de vender, compram da indústria através da mesma plataforma e ganham uma comissão. A plataforma também gerencia as vendas e permite o compartilhamento de conteúdo que nós produziremos. Vamos investir em propaganda da Lua, mas também ajudar as influenciadoras a criarem suas próprias ações no Facebook, por exemplo. Queremos tirar da nossa linguagem termos como “venda direta”, “renda extra”, “fazer bico”, “revendedora”, “consultora”. Queremos que as influenciadoras sejam autossuficientes.
Morte da venda direta
Esse negócio de vender para pessoas sobre as quais você tem influência já existe, é a venda direta. Queremos fazer a mesma coisa, só que, obviamente, de uma maneira contemporânea. Entretanto, o que aconteceu com a indústria de venda direta foi que ela inverteu a lógica. Durante muito tempo o grande patrimônio era o relacionamento que as vendedoras tinham com suas amigas clientes. Num determinado momento, a marca começou a ser mais importante que o relacionamento. A marca começou a fazer propaganda, a consumidora passou a se ligar à marca e aquela pessoa que estava vendendo confiança e não marca passou a ser simplesmente um canal de distribuição. Quando isso aconteceu, morreu a venda direta. O negócio perdeu sua raiz e hoje as vendedoras diretas de cosméticos e perfumes vendem diversas marcas, de um jeito medieval que é com um catalogo impresso nas mãos – portanto, quando sai da gráfica já está morto.
Terreno fértil
A venda direta no Brasil somou, no ano passado, R$ 47 bilhões, gerados por 4,5 milhões de vendedoras, sendo que 80% desse montante veio dos mercados de cosméticos, perfumes e produtos de saúde e bem estar. Onde está o resto da economia? E onde estão as outras pessoas que querem empreender? Não que 4,5 milhões de pessoas seja pouco, mas imagine quantas pessoas gostariam de ser intermediários num negócio como esse e vender através da capacidade que têm de influenciar outras pessoas nas redes sociais. A ambição da Lua é grande, de ser uma plataforma que revolucione a maneira como ser faz comércio e motivar empreendedorismo cauda longa, assim como o Airbnb mudou a maneira como se faz venda de lugar para se hospedar, ou como o Uber mudou o mercado de transporte pessoal. É grande a quantidade de marcas pequenas e médias que estão prosperando na cauda longa, têm reputação, mas estão fora do radar da cultura antiquada da cauda curta e suas empresas gigantes.
Consultor de TV
Faço consultoria para a GloboNews, empresa com a qual me envolvi muito há dez anos, quando estava na F/Nazca e lá fizemos o reposicionamento do canal. Eu adoro televisão, jornalismo e fiquei amigo pessoal da Eugênia Moreyra, diretora da GloboNews. Quando sai da F/Nazca, ela me convidou para ser uma espécie de palpiteiro em assuntos como conteúdo e reformulação de programas. Nada a ver com propaganda. Eles gostam da minha sinceridade e, diferentemente de um consultor clássico, minha opinião é de alguém de fora, que gosta do canal, não é uma coisa fria. No ano passado, a Regina Casé também me convidou para fazer uma consultoria para o programa Esquenta, que vem sofrendo muita pressão por razões típicas dos problemas que os meios de comunicação de massa estão enfrentando – uma concorrência meio desleal, sensacionalista, difícil de combater. A Regina é uma pessoa muito idealista, com muito compromisso. Atuei como consultor durante o ano passado e participei do embrião do novo programa, que deve estrear no segundo semestre.
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