Mario D’Andrea: “Quem quer debater não sai da mesa”
Presidente da Abap critica atitude da ABA de propor novo fórum para discussão da autorregulação do mercado
Mario D’Andrea: “Quem quer debater não sai da mesa”
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Alexandre Zaghi Lemos
15 de março de 2021 - 8h00
Sustentando que o Conselho Executivo das Normas-Padrão (Cenp) é o ambiente correto para o mercado tratar a autorregulação comercial e que as discussões para sua modernização já estão em curso, o presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), Mario D’Andrea, critica a atitude da Associação Brasileira dos Anunciantes (ABA) de convidar o mercado para debater o tema em outro fórum. A ABA está lançando nesta semana um documento com propostas para início de uma nova autorregulação para o mercado brasileiro.
Segundo D’Andrea, estão avançando as discussões internas no âmbito do Cenp pela modernização das normas-padrão e o trabalho da consultoria ToF – Traduzindo o Futuro, que desde o final do ano passado atua no trabalho de coletar as percepções do mercado para guiar a reformulação do Cenp. Nesta entrevista, o presidente da Abap diz que é responsabilidade das entidades do mercado “evitar o abuso do poder econômico”, que o debate sobre a atividade publicitária deve incluir profissionais de marketing, publicitários, veículos e plataformas, e não “curiosos”, e que a voz dos anunciantes tem de ser ouvida pela boca do profissional de marketing e não pela de advogados.Meio & Mensagem – Como a Abap recebe o convite da Aba para discutir uma nova autorregulação do mercado?
Mario D´Andrea – Quem quer debater os rumos do mercado não sai da mesa. Há meses, ocorrem discussões entre as entidades, dentro e fora do Cenp, para modernizar a autorregulação. Inclusive, o Cenp contratou uma consultoria externa para esse fim. Ou seja, esse convite está aberto via Cenp há meses e já há mudanças sendo feitas. É um trabalho profundo, não é um bate-papo em torno de um convite. Todas essas possíveis mudanças estão sendo discutidas entre profissionais da área. Quando a OAB quer discutir o mercado de direito no Brasil, coloca advogados em volta da mesa. Publicitários não vão à reunião. O Conselho Federal de Medicina não convida publicitários para suas discussões, porque por mais que nós já tenhamos sido operados por cirurgiões, isso não nos faz conhecedores da atividade. Governo, médico, engenheiro e advogado não sabem o que a gente faz. Procurement tem que defender o resultado da empresa dele, o que é legítimo. Porém, há um interesse maior, que as entidades têm que se preocupar, que é o interesse do mercado brasileiro, em questões como evitar o abuso do poder econômico e elevar a qualidade dos serviços prestados às marcas. O compromisso da Abap é com a saúde e o profissionalismo do mercado brasileiro de comunicação. Portanto, todas as discussões em torno do mercado publicitário têm que ser feitas por quem vive e trabalha no mercado: profissionais de marketing de gabarito, publicitários sêniores de renome, grandes veículos, grandes plataformas. Todos estão sendo convidados pelo Cenp, inclusive os clientes, os profissionais de marketing. Tem gente falando sobre o mercado de publicidade no Brasil que jamais teve que construir uma marca, que jamais teve que apresentar uma campanha, que jamais teve que vender um espaço em veículo. As reuniões têm que ser entre quem entende do nosso segmento e a porta está aberta para todos. Queremos ouvir a opinião dos profissionais da área, não dos curiosos. Nós não podemos mais ouvir clientes falando pela boca de advogados. É preciso ouvir pela boca do profissional de marketing.
M&M – Em relação ao conteúdo das propostas do documento da ABA, o que pensa a Abap?
D´Andrea – Todo o direito de quem quer que seja colocar suas impressões sobre o mercado. E é salutar que a ABA tenha colocado no papel os seus anseios e intenções, porque aí, pelo menos, fica claro para todo mundo saber. Cabe ao mercado concordar ou não, mas está muito claro quais são os desejos da ABA. Ainda não posso dizer com quais concordamos ou não, pois aí estaria me adiantando à série de discussões que já estão sendo feitas no âmbito do Cenp. Há um lado importante nessa equação que é o poder público, que precisa de regras. Não pode comprar um serviço sem regras. Então, quando alguém diz “não queremos regra nenhuma”, simplesmente está querendo separar o mercado em dois paralelos: o privado e o público. Está esquecendo o peso do investimento público em comunicação, que segue uma lei federal que funciona há mais de dez anos. O Brasil não se resume à Avenida Faria Lima. Existem muitos empregos e agências onde o poder público tem um peso muito grande. E não estou falando só do governo federal não, mas de estados, municípios, autarquias e empresas de economia mista. Não se discute dessa maneira, como se a minha vontade fosse suficiente para mudar a regra do jogo. Não é assim.
M&M – A forma como a ABA está fazendo o convite ao mercado surpreendeu as agências?
D´Andrea – Nos estranhou muito, porque a iniciativa de discutir seriamente o modelo de autorregulação e o Cenp partiu das agências e dos veículos. Convidada a participar, a ABA aceitou no início e depois se retirou com o projeto já em andamento, não sei bem por quê. Esse debate já está acontecendo no Cenp, paralelamente ao trabalho da consultoria externa, contratada, inclusive, com anuência da ABA.
M&M – Neste momento há uma interlocução da Abap com a ABA?
D´Andrea – Não há interlocução com a ABA hoje. Mas é obvio que vamos ter que conversar. Ninguém constrói um mercado novo sozinho. Somos parceiros em alguns projetos de interesse comum. Não há uma situação de relações cortadas. O que a gente deseja é que um dia a ABA volte a sentar com todo mundo para conversar.
M&M – A publicação do novo documento da ABA altera o caminho de mudanças que já vem sendo percorrido pelo Cenp?
D´Andrea – Tenho a impressão de que não, mas ainda não ouvi as outras entidades que compõem o Cenp. Teremos essa semana uma reunião, que já estava marcada, exatamente para falar sobre as mudanças que estão sendo feitas. O Cenp é uma entidade que tem uma série de normas a serem cumpridas, senão não seria reconhecida em lei. Na Abap, por exemplo, temos mais liberdade para mudar regras e estatutos. O que interessa é que está todo mundo discutindo e caminhando na direção das mudanças. Ninguém está puxando o barco para trás, posso garantir. Ninguém quer tapar o sol com a peneira e é lógico que é preciso abarcar as mudanças que ocorreram no mercado nos últimos vinte anos. Mas, mudar não significa jogar tudo o que existe fora. Tem gente no mercado que acha que tem que colocar fogo em Roma – e aqui não estou falando da ABA. A Abap acha que não. É preciso ver o que há de bom para manter e o que tem que mudar já. Não há nenhuma restrição ou recusa de se alterar nada. E é bom reforçar que o Cenp não decide nada, o Cenp é um fórum formado pelos representados dos segmentos de atividades. Veículos, agências e anunciantes, que continuam no Cenp, nos comitês. Inclusive anunciantes que não são associados à ABA. Mas, nós queremos ouvir mais os anunciantes. Só que quando digo anunciantes, estou me referindo aos profissionais de marketing, que estão com a mão na massa e que têm conhecimento de causa para reclamar ou elogiar.
M&M – A tese de que é preciso mudar tudo afeta mais as agências?
D´Andrea – De todos os personagens, obviamente as agências são o elo que tem menos poder econômico, em comparação aos anunciantes e veículos. E, às vezes, as pessoas esquecem a pujança desse mercado. Fico revoltado quando vejo dirigentes de todas as áreas dizerem que esse mercado está acabando. Ou pessoas que saem montando seus negócios dizendo que são a nova terra prometida porque o mercado morreu. Fazem isso olhando o próprio umbigo e não o mercado como um todo. E há muitos anunciantes que reconhecem isso, mais até do que publicitários. Antes que se esqueçam, esse mercado é o único que consegue multiplicar riquezas. Temos o poder de melhorar o resultado dos nossos clientes que nenhuma outra atividade tem. Então, vamos respeitar o mercado. São 55 mil empregos diretos e 500 mil indiretos, se colocar os veículos e as produtoras. Estamos falando de 550 mil empregos. De uma atividade que paga R$ 2,4 bilhões em salários por ano. Você não mexe num mercado desse tamanho com uma penada, achando que a Faria Lima resolve tudo. É um mercado muito delicado, muito complicado. É preciso ter cuidado com o que se fala e o que transmitem, pois isso mexe com empregos, com seres humanos. O Brasil está em 12º lugar entre as economias do mundo, mas no mercado de publicidade estamos sempre entre os três ou quatro mais importantes do mundo. Acabo de ser chamado para ser vice-presidente da VoxComm, associação mundial das federações de agências. O board é composto por Canadá, Reino Unido, Estados Unidos e Brasil. Em que outra atividade nós podemos dizer que somos de ponta? Nem no futebol podemos mais.
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