O que faz uma especialista em diversidade?
Contratada como planner da BFerraz, Anna Castanha conta como procura inserir um olhar inclusivo na atividade publicitária
Contratada como planner da BFerraz, Anna Castanha conta como procura inserir um olhar inclusivo na atividade publicitária
Bárbara Sacchitiello
7 de julho de 2017 - 9h30
O que posso fazer para ajudar a tornar minha profissão menos vergonhosa? Anna Castanha se fez essa pergunta pela primeira vez quando ainda estava na faculdade, demonstrando que, apesar da identificação com a carreira escolhida, a publicidade que ela sonhava em exercer estava bem distante dos comerciais e anúncios que ela via sendo veiculados na mídia. “Queria propor algo que tivesse cunho social e que pudesse, de alguma maneira, ajudar a mudar as percepções da comunicação”, relembra.
Marcas e diversidade: como ir além?
Mais de sete anos depois, a ideia da estudante transformou-se em um projeto consolidado, que originou uma consultoria, disciplina acadêmica e hoje, a levou para um importante cargo em uma das maiores agências de live marketing do País. Na semana passada, Anna foi anunciada como planner sênior da BFerraz, com a missão de jogar a luz da inclusão e da diversidade nos trabalhos cotidianos desenvolvidos pela agência.
Para alcançar o status de “especialista em diversidade” – termo que a BFerraz usou para defini-la ao anunciar sua contratação – Anna trilhou um caminho repleto de contestações e obstáculos, mas sempre firme na convicção de que era necessário quebrar diversos estereótipos que rondaram a publicidade por décadas.
Diversidade além do discurso
Em conversa com a reportagem, Anna – que é professora da Disciplina Gênero na Publicidade na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e fundadora da Iden Consultoria de Marketing LGBT – falou sobre o ritmo com o que o mercado vem absorvendo a discussão sobre as minorias e como a difusão de informação é fundamental para a construção de uma publicidade mais igualitária e inclusive. Confira os principais tópicos:
Envolvimento com o tema
“Escolhi o marketing GLS como tema de minha monografia de conclusão de curso. Essa sigla, inclusive, é a prova de como o assunto era pouco abordado na época, pois GLS não é a forma correta de se referir ao universo LGBT, porque não abrange as pessoas trans, assexuadas e outras identidades de gênero. Exatamente pela falta de conteúdo relativo sobre o assunto, decidi mergulhar durante um ano em pesquisas sobre a abordagem do público LGBT na publicidade. Tive muita dificuldade em encontrar referências e bibliografia, mas quando concluí o trabalho percebi que havia montado um material muito rico e que era injusto que aquilo tudo ficasse restrito apenas ao ambiente acadêmico.”
Da teoria para a prática
“Inspirada na monografia, elaborei, em 2012, um curso para aplicar o que tinha aprendido. No ano seguinte, montei a primeira turma em Santos (litoral de São Paulo), cidade onde nasci e estudei. A partir daí, o interesse pelo assunto começou a crescer. O movimento feminista acabou abrindo espaço também para a discussão do universo LGBT na comunicação e consegui levar esse curso para a ESPM, em São Paulo. O trabalho deslanchou quando conheci a Ana Paula Passarelli (especialista na questão da abordagem feminina na comunicação) e concluímos que, tanto as mulheres quanto a comunidade LGBT faziam parte de um mesmo tópico: a diversidade. Então, unimos as competências e criamos, em 2015, a disciplina Diversidade de Gênero, que faz parte da grade da ESPM.”
O mercado publicitário é formado, na maioria das vezes, por pessoas que não tiveram acesso a muitas informações sobre diversidade. Não fomos educados sobre o que é racismo, homofobia. Muitas pessoas não entendem nem o que é uma pessoa transexual.
Aproximação das agências
“Quando montamos o curso, vimos que era necessário trazer outros olhares. Aí, convidamos antropólogas, pesquisadoras e mulheres de diferentes raças, bagagens e formações para participar do projeto, pois não é possível falar pelo outro. Com isso, criamos um workshop para agências de publicidade a respeito de diversidade em comunicação. Também criei minha consultoria, a Iden, especializada no público LGBT e trabalhei por conta própria, desenvolvendo trabalhos para marcas e clientes. Até que, agora, surgiu o convite da BFerraz e achei fantástico a agência querer ter, internamente, uma planner que tenha essa consciência e que aplique esse pensamento nos trabalhos.”
Conscientização do mercado
“É bonito uma marca falar sobre diversidade, mas não adianta nada se ela não aplicar essa consciência no dia a dia dela. Há marcas que levantam bandeiras feministas e não possuem uma única diretora. O discurso precisa vir de dentro para fora. O mercado publicitário é formado, na maioria das vezes, por pessoas que não tiveram acesso a muitas informações sobre diversidade. Não fomos educados sobre o que é racismo, homofobia. Muitas pessoas não entendem nem o que é uma pessoa transexual. Percebo que muitas pessoas estão muito dispostas a aprender e a discutir esses novos conceitos. Uma coisa é alguém que tenha essa conhecimento e, ainda assim, resista a tolerar as diferenças. Outra é alguém que não saiba, de fato, como é ampla a questão da diversidade. Acredito que a maioria das pessoas do mercado se encaixa nesse segundo grupo e é nosso papel dar informações, explicar e doutrinar para que essas pessoas mudem os pensamentos.
Visão otimista
“É preciso muito entendimento do assunto para poder apresentar os conceitos de forma prática e não falar besteira. De maneira geral, sou muito otimista em relação às pessoas e acho que a conscientização do mercado a respeito das questões de diversidade caminha a passos largos. Já dei um treinamento na BFerraz e senti uma receptividade enorme dos profissionais. É preciso conversar, insistir, explicar com carinho. Não é na base do textão e nem do bate boca que iremos mudar opiniões seculares. Acredito que as pessoas mais antigas, que estão há mais tempo no cargo, possuem uma resistência maior, mas a nova geração já chega mais aberta a essas questões. A nova geração não vai hesitar em apontar os erros da publicidade e da comunicação. Quando eles entrarem no mercado de trabalho, tudo será muito diferente”
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Diversidade no trabalho
“Sempre que recebemos um briefing e enxergamos que a questão da diversidade pode ser abordada de alguma forma, sento junto com a criação e, como planner, participo do braimstorm e do desenvolvimento daquele projeto. Na Parada do Orgulho LGBT, por exemplo (que aconteceu no dia 18 de junho, em São Paulo), desenvolvemos toda a estratégia da Skol e o selo Skol Friendly, que deixou o cliente extremamente satisfeito.”
Obstáculos
“Quando decidi começar a estudar e me aprofundar na questão LGBT e da diversidade na comunicação, ouvi de familiares e amigos que era louca e que o mercado jamais mudaria suas percepções. Na faculdade e também em agências fui muito criticada. Mas não liguei e insisti naquilo porque pensei que quero ter orgulho da minha profissão. Não conseguiria botar a cabeça no travesseiro pensando que, naquele dia, incentivei o estupro de uma mulher ao fazer uma propaganda de cerveja que apresenta o corpo feminino como objeto de consumo. Atuar nessa área foi uma maneira de me redimir de várias pelas várias coisas erradas que a publicidade propagou por tantos anos.”
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