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Quando todo mundo for tudo, ninguém mais vai ser nada

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Ponto de vista

Quando todo mundo for tudo, ninguém mais vai ser nada


20 de maio de 2011 - 9h49

Alguns anos atrás eu fui um dos primeiros brasileiros a sentar no bondinho do myspace.com e acenar na janelinha. Como músico independente, achei que aquilo ia mudar a minha vida. Finalmente uma plataforma onde qualquer um poderia ver meus vídeos, ouvir minhas músicas sem o filtro da distribuição das grandes gravadoras. Durante o primeiro ano, até que funcionou. Fui abordado por uma gravadora italiana e outra inglesa interessadas em lançar o LP "Vira-lata" no mundo todo via lojas de download. Fechei com a gravadora inglesa e deixei de ser um artista desconhecido no Brasil para ser um artista desconhecido no mundo todo. Ué? Como assim? Assim mesmo. Enquanto tudo isso acontecia, mais e mais bandas e músicos entravam, chamados pela isca fácil da historinha de Cinderela que o Myspace.com criava em cada país que entrava, inventando (?), promovendo (?) uma Mallu Magalhães. As interrogações são porque o fato de não surgirem outros fenômenos similares deixa uma suspeita no ar de que não se passava de uma estratégia promocional pra trazer os internautas pro site. O fato é que eventualmente o myspace.com ficou superpopulado de artistas e vazio de ouvintes. Quando todos são artistas, ninguém é público. Somos todos artistas mundialmente anônimos.

Hoje, no Facebook, meu amigo Rony Rodrigues, sempre atento, lançou essa frase que em minutos tinha quase 50 comentários: "Todo mundo é dj. Todo mundo é fotógrafo. Todo mundo é artista plástico. Todo mundo entende de moda. Todo mundo é filósofo. Todo mundo é editor. Mas quase ninguém é bom". Ela combina com outra, postada pelo Pedro Inoue: "Se todo mundo tivesse dinheiro ele não valeria nada".

De certa forma os dois estão falando a mesma coisa. Rony, mais atento ao fato de que para ser uma pessoa criativa em qualquer campo é preciso se aprofundar. Todos podemos ser artistas. Mas nem todos podemos ser Charlie Parker. Como a história do virtuoso saxofonista documenta, a partir de 1936, durante 3 a 4 anos Parker estudou 15 horas por dia, transpondo temas musicais em todos os 12 tons, o que para qualquer um que entenda a dificuldade de ser fazer isso num saxofone é uma tarefa de fato heroica. O fato é que esse período de aprofundamento técnico transformou Parker, o jazz e o mundo.

Pedro, mostrando que atribuímos valor a escassez. O mundo tem de ir pra UTI pra que a sustentabilidade se transforme num valor. Ar, não vale nada. Até faltar.

As novas tecnologias subiram drasticamente a capacidade média de expressão do ser humano. Qualquer um que assista a uma apresentação de Power Point bem feita numa empresa top sabe disso. Ou que veja seu amigo criar uma trilha sonora no Reason ou no Live em minutos. Ou então que prepare seu currículo no InDesign. E por aí vai.

Até o século passado vivíamos a ditadura dos gênios. De Shakespeare a Cartier-Bresson, de Picasso a Orson Welles, apenas os verdadeiros mestres de seus meios tinham o direito de distinguir-se de nós, meros mortais, por sua capacidade de expressar nossa humanidade pela via da comunicação artística.

Tomando-se o caso de Cartier-Bresson como exemplo, surgem algumas questões interessantes. O fotógrafo francês ganhou notoriedade mundial por sua capacidade de capturar em imagens a poesia dos instantes fugazes da vida no século 20. Sua obra é inquestionável, e considerando o custo altíssimo do material fotográfico na época, a dificuldade de divulgação e impressão de imagens, etc, pode ser considerada um tesouro da humanidade.

Corte seco pra 2011. O aplicativo Instagr.am atinge quase 3 milhões de usuários em todo mundo, postando em rede seus instantâneos fotográficos auxiliados por telefones de última geração e efeitos fotográficos pré-programados, produzindo um acervo de história humana sem precedentes.

O que você acha melhor: viver num mundo onde a memória pictórica será determinada por apenas um gênio ou num mundo onde 3 milhões de fotógrafos meia boca disparam incessantemente suas câmeras? Qual dos dois será capaz de produzir o retrato mais fiel do que realmente somos? Como comparar o valor da obra documentada pela inteligência coletiva e da obra do gênio individual? É possível compará-las? Ou será que seremos enfim, todos nós poetas, num mundo sem leitores?

Rodrigo Leão é sócio e diretor de criação da Casa Darwin
 

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