Propaganda checa: o contraste pós-comunismo
Diretora de arte da Jung von Matt, brasileira Lais Veloso revela desafios e oportunidades no país europeu
Diretora de arte da Jung von Matt, brasileira Lais Veloso revela desafios e oportunidades no país europeu
Renato Rogenski
2 de maio de 2019 - 6h00
Apesar de estar bem no centro da Europa, com acesso rápido para diversos países, a República Checa viveu até o início dos anos 1990 sob dominação da União Soviética, ainda com a formação geográfica e política de Checoslováquia. Em vez da troca fluída com as outras nações, o comunismo impôs relações comerciais fechadas que ainda se refletem na cultura da propaganda que é praticada no país. O balanço histórico é da publicitária brasileira Lais Veloso, que há quase um ano está no mercado checo na posição de diretora de arte da agência Jung von Matt.
Com dez anos de carreira e passagens por agências como DM9, AlmapBBDO, ID/Tbwa e Salve/Tribal, ela hoje cuida de uma das mais tradicionais marcas de cervejas da República Checa, a Budweiser (Budvar), que tem o mesmo nome da marca americana. Na entrevista abaixo, dando continuidade à segunda temporada da série Publicidade Brasileira Tipo Exportação, Lais compartilha suas percepções e aprendizados de um mercado totalmente diferente na comparação com o Brasil.
Meio & Mensagem – Como é o mercado publicitário checo?
Lais Veloso – É um mercado bem menor do que estamos acostumados no Brasil (principalmente em São Paulo). A maioria dos clientes são clientes locais, como as grandes cervejarias e indústrias alimentícias checas. É claro que as agências também atendem clientes internacionais. Aqui na Jung von Matt, por exemplo, atendemos Ikea e Volkswagen, mas nesse caso, muita coisa é adaptada das campanhas feitas para toda a Europa pelas agencias globais. De uma maneira geral, é um mercado que criativamente ainda tem muito a crescer.
Como você foi parar aí?
Eu vim porque uma amiga minha redatora já trabalhava por aqui e precisava de uma dupla. Inicialmente vim pra Ogilvy, depois passei pela Havas e o meu diretor de criação era ex-redator da Jung Von Matt. Ele foi convidado para voltar e me trouxe junto pra duplar com ele.
Quais são as maiores diferenças na comparação com o mercado publicitário brasileiro?
A República Checa inteira tem 10,5 milhões de habitantes. Ou seja, o país inteiro tem menos habitantes que a cidade de São Paulo. Isso muda completamente o processo criativo. No brasil tudo é um pouco mais “megalomaníaco” e isso é uma coisa que mesmo depois de quase três anos aqui ainda me gera um pouco de dificuldade, no sentido de pensar as coisas em uma escala menor do que quando trabalhava no Brasil.
“O que percebo é que ainda há um processo em transformação. A ideia de gastar dinheiro ainda é algo novo por aqui”
E a economia e o comportamento de consumo?
Os checos têm descoberto a cultura do consumo nos últimos 20 anos. O conceito de status ligados a uma marca ainda é muito novo aqui, afinal estamos falando de um país que era dominado pela União Soviética até final dos anos 80. As pessoas mais velhas ainda têm um certo medo de coisas que vêm de fora, contrastando com a geração de millennials dos anos 90, ávidas por tudo o que é novo e diferente. É um contraste de públicos interessante e que se reflete na propaganda. Então, ao mesmo tempo que você vê anúncios superconceituais e modernos sendo produzidos, também é possível dar de cara com coisas que no Brasil já eram feitas desde os anos 90.
E como são as agências e os publicitários?
As agências têm estruturas mais enxutas. E grande parte do trabalho é terceirizada. No Brasil é comum você ter nas grandes agências ilustradores, finalizadores, assistentes de arte, entre outros, que praticamente estão ali a sua disposição. Obviamente a demanda de entrega aqui é bem menor também, então os serviços são contratados de acordo com cada job.
Quais são os grandes cases e agências do país?
Os grandes grupos como BBDO, Grey, Ogilvy, Havas dividem espaço com as agências Europeias independentes como Jung von Matt e VCCP. Como cerveja é paixão nacional, as campanhas feitas para Pilsner Urquell e Budvar no último ano valem a busca no Google.
Há algo que se pareça por aí com o mercado brasileiro?
Eu acho que ambos os mercados compartilham o sentimento do “correr atrás”. O mercado aqui não tem grandes verbas e, assim como no Brasil, temos que fazer mais com menos. Então esse “jeitinho brasileiro” de muitas vezes ter que meter a mão na massa é muito valorizado aqui. A propaganda brasileira, assim como em qualquer outro lugar do mundo, é reconhecida e valorizada por aqui. Não necessariamente o trabalho ou uma pessoa específica.
De que maneira a cultura do país se reflete na propaganda?
O que percebo é que ainda há um processo em transformação. Como falei anteriormente, a ideia de gastar dinheiro ainda é algo “novo” por aqui. Antes você tinha um pensamento de apenas gastar com o necessário, pois não se tinha muito, e hoje é o completo oposto. Por incrível que pareça as pessoas ainda estão aprendendo a lidar com o consumo.
Como é trabalhar por aí e o que você tem feito de melhor?
Aqui o ritmo é mais controlado. Você tem uma qualidade de vida muito confortável em relação ao Brasil. Os prazos na maioria das vezes são justos e tudo é muito bem planejado dentro da agência, quanto tempo você gasta em cada job, quantas alterações já foram feitas, etc. Cada pessoa cumpre a sua função e no final do dia todo mundo vai para casa às 18h. Atualmente eu trabalho quase que exclusivamente com a cervejaria Budweiser (Budvar), a original checa, não a americana. Então minha vida está meio que girando em torno desse universo. Daqui a algumas semanas entramos no ar com a nova campanha que promete ser bem diferente do que normalmente se produz para esse tipo de cliente aqui na República Checa.
Abaixo uma das peças criadas com a direção de arte da Lais:
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