“Que tenham coragem de entregar a liderança a uma mulher”
Joanna Monteiro, CCO da FCB Brasil, compartilha sua visão do porquê há menos mulheres na criação do que há algumas décadas
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Isabella Lessa
31 de janeiro de 2018 - 7h33
Até chegar à atual função de chief creative officer da FCB Brasil, Joanna Monteiro passou pelas maiores agências do País: DPZ, W/Brasil e Africa. Quando olha para o início de sua carreira, no final da década de 1990, recorda-se de um número significativamente maior de mulheres na criação. “Tinha Christina Carvalho Pinto como presidente da Y&R, Tetê Pacheco na W/Brasil, Simone Drago na DPZ, entre outras”, mulheres que, segundo ela, hoje seriam donas de suas próprias agências.
O que aconteceu, então? Um ambiente em que a competitividade e a contagem de anúncios no Anuário sobrepunha-se à atividade criativa de fato fizeram com que essas líderes vislumbrassem oportunidades melhores em outras áreas de atuação, avalia Joanna. “As mulheres expurgaram mais a publicidade do que o contrário. Na verdade, o ambiente da publicidade ficou um cocô e as mulheres não quiseram ficar naquela merda. Vi isso acontecer com muitas mulheres, de querer ter outra vida. E então, como consequência, vem toda uma outra geração de homens dizendo: ‘Você é muito bonitinha, por que não vai para o atendimento?’, ‘Uma hora você vai casar e seu marido não vai querer que você chegue a uma hora da manhã. É perigoso, né?’. Agora estamos pagando o preço caro de ser de novo um País atrasado em algo que não éramos”, afirma.
Ao longo dos três anos sob a liderança de Joanna na criação, a FCB Brasil pôs na rua trabalhos reconhecidos globalmente, como “Nivea Doll” e “Speaking Exchange”. No ano passado, criou para Brastemp o filme “Homenagem” para ser veiculado no digital, mas, diante da repercussão positiva, cliente e agência arriscaram levar a peça para a TV de última hora. Essas tomadas de decisões repentinas, que envolvem certos riscos, são a melhor maneira de ultrapassar fronteiras criativas, diz Joanna.
Eqüidade de gênero nas agências
Quem ainda não mudou vai ter de mudar. Os próprios homens querem mais isso, pois dividem mais com as mulheres, têm de estar no jantar com a mulher, buscar as crianças, ir à reunião, à apresentação da escola. Nenhum pai quer abrir mão disso. As revoluções não são somente femininas, são sobre pessoas. Quando um muda, o outro tem de mudar também. Não dá para fazer revolução sozinha. É preciso contar com todo mundo para que de fato aconteça e é isso que as pessoas têm de ter claro. A cultura tem de mudar inteiramente. E isso está acontecendo. Vejo em minha equipe uma atitude dos meninos claramente menos problemática. Ter chefe mulher não é mais uma questão. Mas sou um caso, a única C-level. É preciso que essas diretoras subam, que elas alcem, que tenham coragem de entregar a liderança a uma mulher, como fizeram comigo aqui. Pode dar certo ou errado. Porque com homens muitas vezes dá errado, mas eles têm suporte. Muitas mulheres preparadas não assumem porque é natural que as melhores cadeiras sejam masculinas, todos sentem-se confortáveis com essa situação. O dono geralmente é um senhor mais velho e os próprios colegas também. “Tenho uma cadeira e vou dar para uma mulher? Não, espera aí”. A mudança vai acontecer à medida que esses senhores forem morrendo.
Assédio
Mesma coisa, eles vão morrendo. Essa questão é a mesma da história do profissionalismo. Antigamente ficava no teretetê e no dia seguinte não necessariamente havia um trabalho sensacional na mesa. Era muito mais networking e menos trabalho. Quando vamos para essa questão de ser mais técnico em termos de pedido e objetivo em relação a pessoa que se contrata, essa dinâmica torna-se mais profissional e então as regras ficam mais profissionais. Foram criados canais para denúncia de assédio na agência, uma linha direta com o RH internacional. Demora, acho que ainda há todos os preconceitos em relação a mulher: se é firme, ela é autoritária; quando é objetiva, é grossa; quando está nervosa, é mal-comida e aí vai. Mas há menos terreno fértil hoje em dia. Impossível mudar os velhos, desses desista. Para esses existe a lei. Se não conseguem lidar com essa mudança, não podem mais trabalhar e as empresas mandam embora. Para esses senhores, e senhoras também, não tem mais solução. E a reeducação faz a gente ser chamada de chata, de feminazi, já escutei milhões de nomes. E não é, né? É um processo de reeducação. Só que eu hoje posso falar. Muita gente ainda não pode falar, porque vai sofrer o que eu sofri. Cheguei a perder um emprego. Obviamente eles dizem que não é por isso. Fui devidamente convidada a viajar com um dono de agência e não fui, naturalmente. E, coincidentemente, dois meses depois fui mandada embora. Um senhor, um velho. É duro porque muita gente fala: “por causa disso você foi para tal lugar?” Não, apesar disso. Não me venha com essa conversa pra boi dormir. Apesar disso, eu continuei na profissão.
Criatividade
Não quero ter um departamento de criação, quero uma agência criativa. Tem muita coisa para fazer aqui. Em cinco anos, temos cases inesquecíveis e que todo mundo lembra. E não é porque foram premiados. O prêmio coloca luz sobre esses trabalhos, mas eles ganharam o mundo no que se propunham a fazer. Tiveram escala, são de grandes marcas e isso faz toda a diferença para a indústria. É preciso voltar-se cada vez mais para garantir a indústria criativa. Fazer parte do board do D&AD foi um dos grandes reconhecimentos para mim. Eles são extremamente sérios, são uma ONG. Têm participação muito grande em garantir qual a conexão que a publicidade tem, por exemplo, com a educação, com as novas gerações. E, mais do que isso, um total comprometimento em relação à criatividade. Não é lucro, não é efetividade, mas a criatividade. Isso é fundamental porque, em tempos de economia complicada, é um salve-se quem puder para ter emprego. Daqui a pouco ninguém terá, então temos que brigar por essa indústria criativa que lá fora é paga e aqui não é como deveria. A gente dependeu de mídia durante muito tempo, somos agências de mídia em que a criação vai quase de brinde. Vão sobreviver os que conseguirem modelos de remuneração mais saudáveis e que privilegiem o resultado do produto que é entregue. Não somente da criação: é preciso que todos entendam que o resultado do produto é fruto do trabalho de toda uma agência envolvida.
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