Vacinação: falha na comunicação pode gerar confusão e descrédito
Para Ana Julião, gerente geral da Edelman Brasil, vivemos uma grave crise de saúde, mas também de informação e de confiança
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Fernando Murad
22 de janeiro de 2021 - 6h13
A campanha de vacinação contra Covid-19 teve início no Brasil, mas ainda está em estágios iniciais e pairam dúvidas quanto a possíveis interrupções e atrasos no processo, em função, especialmente, das incertezas sobre o recebimento do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) necessário para que Instituto Butantan e Fiocruz possam produzir localmente, respectivamente, as vacinas Coronavac (parceria com Sinovac) e Oxford (da universidade britânica com o laboratório AstraZeneca).
Neste contexto, o papel da comunicação para orientar a população sobre as etapas do programa de vacinação para combater a desinformação se torna ainda mais fundamental. “A comunicação pública é fundamental em todas as frentes: informar, esclarecer, engajar”, ressalta Ana Julião, gerente geral da Edelman Brasil. Na entrevista a seguir, a executiva analisa os desafios da comunicação em tempos de polarização política e avanço de discursos negacionistas, e a importância da comunicação pública para o enfrentamento da pandemia.
Meio & Mensagem – Qual é a importância da comunicação pública para o País no enfrentamento da pandemia?
Ana Julião – A comunicação pública é fundamental em todas as frentes: informar, esclarecer, engajar. É dever do Estado compartilhar informações corretas, combater fake news e comunicar de forma regular, fácil e transparente. Por ser tão fundamental, chega a ser óbvio falar isso. O Estado precisa unificar a comunicação e transformar dados técnicos em informações que sejam facilmente compreendidas pela população com todos os níveis de escolaridade. Os dados globais do estudo Edelman Trust Barometer 2021 mostra que apenas uma em cada quatro pessoas pratica o que chamamos de “information hygiene” e que há uma relação direta entre quem não pratica informação limpa e não pretende se vacinar em um ano. Globalmente, 70% dos que praticam informação limpa pretendem se imunizar no período, contra 59% dos que não praticam. (Para praticar informação limpa, é preciso atender a pelo menos três desses quatro itens: consumir notícias, evitar as bolhas, checar informações, não compartilhar sem antes verificar).
M&M – Qual é sua análise sobre o trabalho do Governo Federal e do Ministério da Saúde em termos de prestação de informação à população sobre a pandemia?
Ana – O fato de haver tantas vozes dissonantes e que, muitas vezes, oscilam de acordo com interesses políticos, seja nos canais oficiais seja em perfis no Twitter, além de não informar com qualidade, abre ainda mais espaço para o compartilhamento de informações distorcidas e de fake news. Vivemos uma grave crise de saúde, mas também de informação e de confiança. Historicamente e culturalmente, vemos que outras instituições tomam o lugar do Estado quando a credibilidade é abalada. Na prática, temos visto isso quando, por exemplo, veículos de imprensa se unem para apurar e divulgar informações relevantes que deveriam ter origem no poder público.
M&M – Em outros países, como os EUA, laboratórios lançaram campanhas publicitárias sobre a vacinação. A soma dos esforços da iniciativa privada e dos governos é necessária ou várias comunicações paralelas podem confundir a população?
Ana – O ideal é que, mesmo que haja comunicações paralelas entre governos e empresas, elas estejam alinhadas. Ou seja, que haja uma soma de esforços com o objetivo final de informar com qualidade, independente do interesse de cada uma das partes. Considerando que, segundo o Edelman Trust Barometer 2021, as Empresas são a instituição mais confiável globalmente, à frente do Governo, da Mídia e de ONGs, uma parceria entre as instituições certamente traria resultados muito mais positivos.
M&M – Em tempos de polarização política e do avanço de discursos negacionistas, qual é a melhor abordagem para falar da pandemia e da vacinação em campanhas publicitárias?
Ana – Uma abordagem informativa, que engaje ao compartilhar fatos a respeito da vacina e que possa elucidar questões sobre eficácia e segurança, além de questões práticas relativas às fases, datas e locais de imunização. A opinião está ocupando o lugar da informação e vamos pagar um preço caro por isso. Conseguir uma adesão generalizada à campanha exigirá um grande esforço de comunicação, que precisa incluir uma ampla gama de porta-vozes críveis e “próximos das pessoas” em diferentes públicos. De acordo com os dados globais do estudo Edelman Trust Barometer 2021, a confiança tem se tornado mais local, com as pessoas confiando mais em quem está mais perto, caso de “pessoas da minha comunidade local” (62 pontos, numa escala de 0 a 100), “CEO da empresa para a qual trabalho” (63 pontos) e dos cientistas (73), à frente de lideranças políticas (41) e líderes religiosos (42), por exemplo. Na Indonésia, por exemplo, influenciadores digitais estão entre os primeiros da fila para vacinação contra Covid-19, pois o governo local acredita que os artistas “transmitirão influências e mensagens positivas” sobre as vacinas, especialmente para os jovens. No Brasil, um jornal noticiou que a campanha do Governo Federal contaria com influenciadores digitais, mas que os planos mudaram. Em São Paulo, o MC Fioti gravou clipe com nova versão de Bum bum tam tam, no Instituto Butantan, recebeu ligação de agradecimento do governador e teve sua música compartilhada pelo próprio Instituto. Sem dúvida, uma maneira assertiva para alcançar muitos jovens.
M&M – O nome das empresas farmacêuticas que desenvolveram vacinas contra Covid-19 está em evidência na mídia. Essa visibilidade e reconhecimento podem, de alguma maneira, se refletir em outros medicamentos e marcas dessas companhias? Há uma transferência de valor?
Ana – Sim, pode haver sim transferência de valor, à medida que comunicações contribuem para a geração de confiança e construção de reputação.
Crédito da imagem do alto: reprodução
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