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Paula Puppi: “Transformação evita a destruição de valor”

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Paula Puppi: “Transformação evita a destruição de valor”

Chief transformation officer da WPP no Brasil, executiva encara processos de integração nas holdings de agências como resposta a complexidade do mercado e defende modularidade


9 de outubro de 2024 - 6h00

Paula Puppi

Paula Puppi: “Somos realmente defensores do modelo brasileiro” (Crédito: Arthur Nobre)

Em agosto, o WPP reportou queda de 3,6% na receita orgânica do primeiro semestre de 2024. Diante do resultado, a holding reajustou para baixo a previsão anual e espera que a receita orgânica se mantenha inalterada ou sofra recuo de 1%. Os resultados acompanham um movimento de integração por parte do grupo.

Na América Latina, a consolidação mais recente foi a fusão entre Ideal e Axicom. A holding ainda uniu Grey e AKQA em cinco países e concretizou a fusão entre Wunderman Thompson e VMLY&R. Chief transformation officer da WPP no Brasil, Paula Puppi lista criatividade, tecnologia e mídia como pilares estratégicos do grupo e enxerga a integração como um caminho para acompanhar a escalada da complexidade no mercado.

Enquanto as operações digitais já representam 60% do resultado da companhia no Brasil e a holding investe massivamente em inteligência artificial, Puppi defende que as agências dependem cada vez mais da criatividade e que é preciso garantir a transformação de valor.

Meio & Mensagem — O WPP vem passando por um processo de integração, com fusões em marcas significativas. Da perspectiva de tecnologia e transformação, quais têm sido os principais desafios desse processo?

Paula Puppi — Vou falar do Brasil, que é onde eu estou com a mão mais no pulso das integrações. O grande desafio é o cultural. Você tem diversas empresas com culturas diferentes. Estamos falando de um grupo com mais de 20 agências no País, mais de sete mil pessoas. Um grupo de prestação de serviço. Nós somos sobre pessoas. Então, você tem culturas bastante diversas e a dificuldade da integração, normalmente, mora em cultura. Uma coisa que estamos fazendo para amenizar um pouco esses choques é a construção do Campus. Acho que o Campus vai ser um grande integrador. Na nossa visão, o Campus não é só importante pela presença física, mas exatamente por essa estratégia de integração. Como somos sobre pessoas, eu vejo essa mágica no dia a dia. Quando estamos em uma concorrência ou entrega para um cliente, eu começo a ver as empresas trabalhando juntas. É uma mágica porque, no fundo, você tem pessoas brilhantes, de diversos backgrounds e diversas disciplinas, com culturas muito diferentes. Mas, quando você as coloca na mesma mesa, na mesma sala, acaba qualquer tipo de diferença e a mágica acontece. Dito isso, tem uma coisa que é importante. Falamos que o WPP é muito grande e que – “será que eu, como cliente, vou ficar perdido?” – Nós criamos um ecossistema e estamos trabalhando nisso, nos últimos quatro anos, de modularidade. Apesar de ser grande e tentar realmente buscar uma integração, ainda somos muito modulares. Se você tem uma demanda específica, também conseguimos entregar. Até porque, por mais que haja integração, existe um nível de profundidade, de especialidade, que não conseguimos em uma operação única. As pessoas não falam o mesmo idioma. É muito legal trabalhar essa mágica da integração com pessoas diferentes, mas preservando a profundidade técnica, de conhecimento de cada uma das empresas. É importante essa mensagem do modular. Você continua tendo a profundidade, continua tendo um especialista, mas cria processos que facilitem trabalhar a integração.

M&M — Outras holdings, como o Publicis Groupe e, mais recentemente, o Omnicom, também vem fazendo movimentos de consolidação. O que isso sinaliza sobre o momento das holdings de comunicação de publicidade?

Paula — É um mercado que ficou muito complexo. Eu estou nele há 15 anos e, quando comecei, estava iniciando essa complexidade com o digital. Mas a verdade é que você ainda tinha um grande filme de 30 segundos, que se você produzisse, resolvia grande parte do problema de comunicação dos clientes. Hoje em dia, a comunicação está muito mais à disposição do resultado do cliente. Isso traz complexidade. Saímos de um universo onde a competição era só entre as agências de propaganda e entramos em um lugar que você tem desde transformação de legado de sistema para poder ter dado qualificado, para aprender a ativar dados e, aí, começar a pensar em uma comunicação. Com tanta inteligência disponível, a ideia da comunicação começa muito antes. Tem uma complexidade muito maior do que tinha no passado e, por isso, é importante ser integrado. É muito legal estar em um grupo que você tem empresas com 700 cientistas de dados e empresas com 50 criativos. Você coloca essa turma para conversar e tenta traduzir o idioma de uma disciplina para a outra. Acho que essa integração começou, talvez, por uma motivação de eficiência. Eficiência até financeira, mas, hoje, eu enxergo, pelo menos dentro do Grupo WPP, a necessidade de integração porque trouxemos para mesa disciplinas que eram completamente diferentes das tradicionais de comunicação. E, agora, precisamos trabalhar para falar a mesma língua.

M&M — Quando você assume a posição de CTO, em 2020, um dos objetivos públicos era extrair mais inteligência das agências para os clientes na área de mídia e compartilhar tecnologias globais proprietárias. O quanto esse objetivo foi atingido de lá para cá? Atualmente, quais são as principais necessidades em mídia?

Paula — Acho que WMS [WPP Media Services] é um sucesso. Nós estancamos uma perda de clientes que vínhamos sofrendo nos últimos tempos e é nítido nos pitches globais, como falamos a mesma língua de todo o grupo, hoje, no mundo. Nossa entrega de mídia, hoje, é extremamente sofisticada. Tecnicamente, conseguimos checar todos os pontinhos que tínhamos de objetivo. Em termos de ferramental, de treinamento, de processo, de metodologia, de planejamento. A visão que o GroupM tem da mídia como uma ferramenta muito mais estratégica do que tínhamos no Brasil está all over. Você vê em todas as agências. A mídia também é um grande propulsor de processos de transformação que começam com a parte digital. Já tínhamos operações digitais muito fortes. Já vínhamos trabalhando essa digitalização e era muito claro que ela estava acontecendo nas empresas digitais. As outras empresas do Grupo perdiam um pouco desse processo. Com a entrada de WMS, que centraliza essa governança, principalmente de conhecimento, conseguimos fazer com que tudo que tem de melhor dentro das operações digitais fique disponível para todas as agências. Acho que isso aconteceu de uma maneira difícil, mas aconteceu e, hoje, é muito estabelecido. Ninguém mais questiona esse valor. Dentro do Grupo, você tem a VML, Ogilvy, Grey, Fbiz, Mutato com WMS. Até empresas que nunca tiveram mídia como AKQA ganhando Cannes de mídia com WMS. Nós, internamente, brigamos bastante para sustentar o modelo de integração de criatividade com mídia perante o nosso global porque, querendo ou não, lá fora é muito separado e acreditamos no poder de trabalhar junto. A criatividade faz bem para mídia e a mídia faz bem para a criatividade. Ainda mais, em um contexto em que estamos disputando share de atenção. Você tem o canal, mas precisa da mensagem correta. Senão, não adianta nada toda a inteligência de canal. Estamos em um movimento de sustentar perante o global o nosso firme posicionamento de integração da criatividade com a mídia. Esse ainda é o grande agente provocador de WMS. Eu não vou dizer que é um obstáculo porque, no Brasil, não é. Mas internamente ainda ficamos o tempo todo convencendo o grupo. Como maior grupo de comunicação, temos que tomar muito cuidado com o lado regulatório do negócio. A WMS tem massa crítica e trabalhamos muito junto com as entidades do setor para garantir que o modelo de negócio não seja destruidor de valor e, sim, que a gente consiga construir valor usando o nosso ecossistema e o nosso modelo de negócio do Brasil em que acreditamos tanto. Somos realmente defensores do modelo brasileiro. Eu aprendi nesses quatro últimos anos que a mídia brasileira é a mídia mais transparente do mundo. Nós ainda não entendemos isso. Ficamos discutindo se existe BV, quem paga, quanto paga. Precisamos sair dessa discussão, porque todo mundo já conhece. É algo regulado. O Cenp [Fórum da Autorregulação do Mercado Publicitário] cada vez mais atuando para mostrar a clareza desse ecossistema, mas a mídia é completamente transparente. É um dos poucos lugares do mundo onde 100% do inventário que compramos é cobrado diretamente do anunciante e esquecemos desse pedaço que também é algo muito legal do nosso mercado. Acho que a WMS está fazendo um pouco esse papel também por causa da massa crítica, de poder garantir que o mercado não tenha destruição de valor.

M&M — A mídia é protagonista da receita global do WPP há algum tempo, assim como de outras holdings. Qual é sua análise sobre a entrega criativa nesse cenário?

Paula — Eu venho de áreas técnicas. Então, quando vejo o poder da criatividade, chego a me emocionar porque você consegue capturar atenção e dar resultado para o cliente por um lado completamente diferente. Eu vejo que a criatividade deixou de ser exclusiva das áreas de criação das agências. E ganharam as agências que aprenderam a lidar com essa criatividade de uma maneira mais pulverizada. Uma grande ideia pode vir tanto da área de criação, quanto de um creator ou da inteligência artificial. O que temos visto é essa transformação também dentro dos departamentos de criação das agências. Como você vai conseguir chegar, atingir e emocionar um consumidor. Isso não mudou. Continua igual. O que mudou talvez seja o como. Agora, tem um desafio – e não só o WPP, mas todo o mercado – de medir a atenção. Mesmo os KPIs que tínhamos, que eram tão óbvios, talvez precisemos melhorar um pouquinho para ter certeza que estamos capturando a atenção completa. Tem, aí, um desafio grande de share de atenção. Dito isso, os grandes formatos de TV conectada, out-of-home acabam conseguindo trafegar em locais menos complexos e temos que saber usar esses meios da melhor maneira possível. Mas, a verdade é que temos que entrar na conversa. Estamos em um lugar onde tudo e todos são publishers. Fui encher o tanque de gasolina do meu carro, nos Estados Unidos, e na bomba de gasolina tinha uma propaganda. Então, a bomba de gasolina é um publisher; o creator é um publisher; um canal de TV é um publisher; o Google é um publisher. O grande desafio da criatividade e também o legal da nova criatividade é como você cria para cada um desses lugares e se mantém relevante em cada uma dessas plataformas. E, por isso, que a agência é tão importante nesse ecossistema todo, porque não adianta só você reconhecer essa quantidade de publishers. Você precisa se comunicar com o consumidor em cada uma dessas plataformas.

M&M — Em janeiro, o WPP anunciou que investirá US$317 milhões em inteligência artificial (IA) em 2024. O dobro do que a holding já vinha investindo. Como esse investimento vem sendo alocado? Quais são as prioridades?

Paula — Tem IA muito fortemente aplicado em eficiência produtiva, para produção em escala. É algo muito prático, principalmente, com tudo que estamos falando da complexidade, da quantidade de formatos. E uma coisa é você desdobrar a peça. Outra é garantir que vai desdobrar a ideia criativa para diversos ambientes. A IA está ajudando muito nisso. Esse seria um primeiro grande pilar para conseguir se manter relevante em cada propriedade e trazer eficiência criativa e de produção para dentro do ecossistema. Tem uma parte de IA que estamos construindo para melhorar a eficiência interna do Grupo, outra para os clientes. E tem uma parte que queremos que o mercado também possa usar. Eu vi uma ação, em Cannes, por exemplo, que era o CMO Command Center, que é um ambiente de IA, parceria do WPP com o LinkedIn, em que o CMO terá uma curadoria de notícias para ele dentro de um dashboard, que é desenvolvido para poder acompanhar o que está acontecendo no mercado. Até para poder monitorar a concorrência. Tem muitas aplicações.

M&M — Neste ano, o WPP ampliou sua parceria com a Nvidia para construção de paisagens 3D e lançou durante Cannes uma solução B2B com a IBM. Qual é a importância dessas parcerias para a estratégia? O que elas oferecem enquanto vantagem competitiva?

Paula — A WPP é agnóstica e tende a buscar sempre todas as tecnologias no mercado e construir em cima de tecnologias existentes. Isso vale para tudo. Não só para a inteligência artificial. Eu tenho o chapéu, aqui no Brasil, de parcerias. Se pegar um QBR [ Quarterly Business Review ou revisão trimestral de negócios, em tradução livre] meu com o Google, vai ver que, da tela, tem um terço de mídia e dois terços de tecnologia e IA. Essas parcerias são fundamentais. Nós funcionamos através delas. Nós somos agências, então, nosso papel é exatamente garantir que os clientes tenham acesso a todas as tecnologias de uma maneira agnóstica, sabendo que vamos sempre construir em cima delas. Todas as soluções de IA do Google, por exemplo, desde Smart beating para campanha até um Creative Studio, pode ter certeza que o layer que as nossas agências colocam vão anabolizar as soluções que os parceiros acessam. Se você me perguntar qual é o papel da WPP em relação a essas parcerias? Anabolizar todas as soluções de tecnologia que as empresas têm. Esse é o nosso papel. É entender profundamente todas, até porque o cliente não vai conseguir entender todas. Precisamos ter esse olhar agnóstico e trabalhar em cima das tecnologias que cada um desses parceiros trazem dentro de um ambiente seguro e regulado.

M&M —Hoje, como você analisa o papel de chief transformation officer na operação de uma holding? De que maneira essa posição mudou desde 2020, quando você assumiu o cargo?

Paula — Eu sou muito privilegiada com a minha posição. E, na minha humilde opinião, sou a pessoa certa para estar nessa cadeira, porque gosto muito de ouvir e aprender. O meu papel é entrar na agência, entendê-la, entender a entrega de valor e construir em cima. O processo de transformação é um processo que evita a destruição de valor. Estamos falando de mais de sete mil pessoas que têm um valor, uma capacidade intelectual instalada. Eu vou entrando nas agências, aprendendo as entregas que elas fazem para poder construir algo, no coletivo, que tenha mais valor. O meu papel é cada vez mais importante por causa do momento de integração. Como é que eu vou garantir, entendendo o que todas as nossas empresas entregam dentro do grupo, que o nosso cliente possa acessar tudo isso? Fizemos isso em Heineken Lab, por exemplo. O meu papel de transformação é um papel de construção de valor, de transformação de valor. De pegar a capacidade instalada que já temos dentro das nossas empresas e mudar. Ressignificar o valor da entrega de cada uma das agências. De novo, eu não faço nada sozinha. Como tenho também o chapéu de parcerias, estou ouvindo do lado das agências pelos clientes qual é a necessidade e, do lado das plataformas e das empresas de mídia, tudo o que está acontecendo de disponibilidade para comunicação junto com a necessidade de transformação do que os nossos talentos estão entregando. Eu não podia estar mais feliz com o meu papel. Fácil não é. A transformação nunca é fácil. Ela sempre dói, mas, ao mesmo tempo, você está vendo lá na frente e evitando que se destrua valor no caminho.

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