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Fase de crescimento ininterrupto das fintechs acabou

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Evento ProXXIma

Fase de crescimento ininterrupto das fintechs acabou

Fernando Miranda, copresidente da Neon, analisou impactos econômicos que influenciam o desenvolvimento desse perfil de empresa, assim como os fatores que ainda podem ser drivers de crescimento


31 de maio de 2023 - 16h06

Fernando Miranda (à esq.) diz já ter acreditado que o varejo suplantaria as fintechs, mas isso não aconteceu (Crédito: Eduardo Lopes/ Imagem Paulista)

No segundo dia de palestras do evento ProXXIma 2023, Fernando Miranda, copresidente da Neon – fintech que está em operação desde 2016 e hoje tem 23 milhões de clientes – começou dando sua visão sobre o panorama econômico brasileiro.

O cenário, disse ele, é desafiador, em especial para as fintechs, que estavam acostumadas a um ritmo de crescimento ininterrupto e isso acabou. Entrevistado por Fernando Murad, editor do M&M, Miranda ressaltou que os obstáculos do momento são um nível de endividamento que atinge 45% das famílias brasileiras, sendo que isso se torna uma dificuldade para as fintechs, na medida em que estas lidam com crédito. Além disso, a captação, ou funding, está mais difícil no mercado, uma vez que casos como o da Americanas e da Light trouxeram maior aversão ao risco e fizeram os credores fecharem a mão. E essa situação deve se prolongar pelos próximos meses.

E num cenário de mercado que é de escassez as empresas que irão se diferenciar serão as bem-posicionadas, com rentabilidade sólida e que façam boas entregas aos clientes. No caso da Neon, entre os drivers de crescimento estão a baixa bancarização e digitalização dos brasileiros (o que ainda permite à fintech trazer para sua base entre 450 e 500 mil clientes por mês). E mesmo a concentração dos grandes bancos – que diminuiu recentemente, mas ainda de 88% para 75% – também é outro ponto de oportunidade. Um terceiro aspecto destacado por Miranda é o fato de a população estar mais confortável em não ter agência física, lidar com uma instituição financeira por meio de um processo inteiramente digital.

“Temos investido no mundo do consignado privado, que tem taxas mais baixas e é um ganha-ganha com os clientes. Existem 100 milhões de brasileiros na poupança, que rende menos que inflação, então, há uma parte de educação financeira a ser feita, para mostrar como investir com mesmo nível de risco e ter rentabilidade maior. Estamos apenas no começo”, acrescentou.

Para o executivo, a propósito, a educação financeira é um dos maiores desafios da sociedade brasileira e não apenas em relação às classes CDE, mas da A à E. A falta de conhecimentos básicos financeiros é o que, segundo ele, traz inseguranças, fazendo pessoas deixarem dinheiro no colchão ou na poupança. Por outro lado, ele critica a atuação de influenciadores que propagam fórmulas que não existem, de ganhos financeiros excessivos ao mês. “Todos os players financeiros, digitais ou não, têm que ter responsabilidade digital”, pontuou.

Sobre os produtos e serviços que o Neon oferece hoje, Miranda diz que o pensamento é inovar dentro de um mundo de commodities e tomando cuidado, como conceder crédito de forma que o risco seja controlado. Há seis meses, criou o Vira Crédito, que chega até mesmo a quem está negativado. Segundo ele, o serviço de crédito é o que tem maior adesão hoje, e tem um impacto social grande.

Concorrentes diretos e indiretos

Ao ser questionado sobre o ambiente de concorrência hoje, após a fase de explosão no número de fintechs no mercado brasileiro, Fernando Miranda destacou que a época de bonança passou. Para ele, havia muitos modelos não sustentáveis e empresas com valuation fora da realidade. Agora, disse, está começando um momento grande de consolidação e muitas fintechs ainda vão ficar pelo caminho: “Não vejo espaço para mais do que quatro, cinco players. Eficiência e padrões claros de rentabilidade serão os fatores diferenciais”.

Miranda: “Não vejo espaço para mais do que quatro, cinco players” (Crédito: Eduardo Lopes/ Imagem Paulista)

E sobre a competição com players de outros segmentos, como varejistas, que começaram a ter suas próprias fintechs, Miranda contou que há quatro, cinco anos, ele acreditava que o mundo do varejo dominaria o financeiro, mas isso não aconteceu, pois dar crédito, entrar no mercado financeiro, não é fácil, uma vez que requer lidar com um arcabouço regulatório pesado. “O mercado financeiro faz concessão de crédito analisando modelos estatísticos há anos; vejo muita gente se dando mal com inadimplência, por motivos bizarros. E fazer uma plataforma boa demanda muito investimento. Não é um hobby”, acrescenta. Com todas essas peculiaridades do mercado brasileiro, Miranda disse não acreditar no modelo de super app no Brasil, cuja realidade é totalmente diferente do mercado chinês.

Inovação e comunicação

O impacto da inovação como diferenciação, na leitura de Miranda, é o de que é possível fazer muita inovação incremental (naqueles produtos/serviços nos quais não tem muito o que mudar, como um cartão de crédito), mas esse tipo de inovação não é o que leva uma empresa a vencer. Para isso, acredita, já é necessário estimular na empresa uma cultura que fomente a criação de produtos “fundamentalmente diferentes”, quase trazendo ao mercado uma nova categoria ou segmento, e não necessariamente tirando mercado de alguém, mas fazendo crescer o bolo – ele cita como exemplos, a Tesla, que é um carro, mas fundamentalmente diferente; e da Uber, que quebrou paradigma em relação ao modelo dos táxis.

Já sobre o desafio de inovar quando já se nasce como uma empresa digitalizada, ele conta que hoje não acredita no head de inovação, em ter uma área para isso, pois apenas com um departamento não se muda a empresa como um todo, se as outras áreas estiverem em outro ritmo. “Inovação precisa estar enraizada na empresa como um todo”, argumentou Miranda.

Outro ponto que contribui para a eficiência da inovação, disse, é a obsessão por dados e clientes.  E a fintech tem investido muito nisso. Sob o conceito “Neon everywhere”, garante ter estruturado um time de dados com pessoas trazidas do Vale do Silício, de empresas como o Google, que sabem tratar milhões de informações. E isso tudo ajuda em tarefas como inteligência ao cliente, análise de contratos e precificação. Com ajuda da IA, tudo isso passará por uma revolução. Ele só não se arrisca a precisar se nos próximos cinco ou 15 anos, uma vez que as coisas até ganharem corpo no Brasil levam um pouco mais de tempo do que fora daqui.

Fernando Miranda, por fim, comentou ser do tipo de CEO que se envolve muito com o marketing, desde um post a campanhas maiores. Isso por acreditar que a visão macro que o CEO colabora com um plano mais abrangente de comunicação e marca da empresa. “O marketing é uma forma de comunicação com meu cliente e aprendo muito com ele. É preciso falar a mesma língua e transmitir confiança”, argumentou.

Ele também comentou, no crescimento da marca e do negócio de uma fintech, a influência do público jovem. No caso de parte importante do seu público, que são as famílias de baixa renda, muitas vezes cabe aos jovens ajudarem a fazer o planejamento financeiro. E voltou ao ponto de que todos precisam ser conscientizados sobre as falsas promessas de dinheiro rápido: “É preciso educar que não existe dinheiro fácil”.

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