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Todos jogam

A indústria do videogame faz girar centenas de bilhões de dólares anualmente, superando música e audiovisual somados, e atrai multidões a arenas de e-sports e plataformas de streaming: um público diversificado, curioso e aberto a se relacionar com marcas que o entenda.


8 de outubro de 2019 - 11h54

A indústria de videogame já tem mais de 50 anos, numa conta que varia conforme o ponto de partida. Entre as diversas fases dessa trajetória, três são decisivas para entender a popularidade crescente desse tipo de entretenimento. A primeira foi o nascimento do console doméstico, que tornou possível colocar no televisor de casa jogos que só eram possíveis em grandes equipamentos como os famosos arcades dos anos 1970. No fim da década seguinte, a possibilidade de jogar em PCs deu novo impulso ao videogame, enquanto a “batalha dos consoles” entre Nintendo e Sega atraia a atenção e o investimento de pais e adolescentes. Nada se compara, porém, à fase atual. Além dos jogos por computador e de consoles seguirem sendo grandes aceleradores desse mercado, a internet e o smartphone transformaram quase todo mundo num potencial jogador. Na verdade, a maioria já joga.

Para quem acompanha, os números já são conhecidos: cerca de 66% dos brasileiros jogam em algum tipo de tela, segundo a Pesquisa Game Brasil 2019, realizada por Sioux Group, Blend New Research e ESPM. Globalmente, 2,3 bilhões de pessoas se consideram jogadores de videogames, segundo estudo da Newzoo, especializada no mercado gamer. É desta consultoria outro dado revelador: a indústria gerou US$ 137,9 bilhões em 2018 e é previsto que termine 2019 com US$ 152,1 bilhões, superando o mercado global de audiovisual e música, somados. Por comparação, o lançamento de franquias de jogos como Grand Theft Auto e FIFA rivalizam, em faturamento, com produções hollywoodianas como Vingadores e Star Wars (que não raro são superadas).

“Quando você conecta o videogame à internet, tudo muda”, diz Roberto Fabri, diretor de marketing da Omelete Company e curador da Game XP. “Você começa jogar, mas também a socializar, a transmitir ao vivo o que você está fazendo para milhares de pessoas.” Não por acaso o grupo investiu num parque de diversões voltado a esse universo, em parceria com o Rock in Rio e o Grupo Globo. A Game XP reuniu 95 mil pessoas em julho, no Rio de Janeiro. A terceira edição do evento — segunda solo, já que o lançamento em 2017 foi dentro do Rock in Rio —, gerou um impacto econômico de R$ 82,3 milhões e colaborou na criação de 10 mil empregos, segundo estimativa da FGV.

Alfredo Souza: inovações como o 5G vão impulsionar aplicações no universo gamer

O smartphone tem sido protagonista dessa indústria. Segundo dados divulgados em junho pela Newzoo, o mercado global de jogos em celular vale US$ 54,9 bilhões, num crescimento de 11,6% na comparação com 2018, maior valor entre todas as categorias. Somado à tablets, tem 45% do share de jogos, seguido por consoles (32%), jogos de PC baixados ou comprados (21%) e jogos de PC online em navegadores (2%). “Diferentemente dos consoles e computadores, o celular possui uma característica poderosa e única: está na mão de todos. Dos gamers e dos que ainda não são gamers”, destaca Alfredo Souza, diretor de produto da Claro. “O crescimento do mercado não se dá mais somente pelo consumo do gamer ativo ou competitivo, mas também pelos gamers casuais, de jogos de estratégia, raciocínio, aventura, cooperativos.”

Renato Voltarelli, diretor geral da Webedia Gaming, lembra que o interesse crescente de multinacionais no mercado gamer brasileiro é motivado principalmente pelos jogos mobile. “Quase que a totalidade dos telefones vendidos hoje no País são smartphones e garantem acesso a todos a chance de jogar (ou voltar a jogar) seu jogo preferido, aprender um novo desafio jogando, fazer parte de comunidades de jogadores que curtem o mesmo conteúdo… E não estamos falando somente de jovens e crianças, já que muitos adultos são jogadores assíduos de alguns games e investem mensalmente alguma quantia para evoluir seus personagens e crescer dentro do jogo”, destaca Renato.

“O crescimento do mercado não se dá mais somente pelo consumo do gamer ativo ou competitivo, mas também pelos gamers casuais, de jogos de estratégia, raciocínio, aventura, cooperativos” – Alfredo Souza

Alguns dos jogos mais populares do mundo hoje nasceram mobile, sendo Candy Crush o mais famoso, acompanhado de perto por títulos como Angry Birds e Pokémon Go. Este em especial é considerado um ícone na utilização de tecnologia de realidade aumentada integrada ao videogame e já faturou mais de US$ 2,6 bilhões desde seu lançamento, em 2016, segundo dados da Sensor Tower.

Galvão Bueno multiplicado

Apesar da facilidade de acesso promovida pelo mobile, cada vez mais títulos são multiplataforma, com versões para celular, console e PC. Um dos que têm tido sucesso nessa estratégia é o Fortnite, que tem uma base de mais de 200 milhões de jogadores. Sua criadora, a Epic Games, reportou lucro de US$ 3 bilhões no ano passado, sendo que o jogo sozinho fez girar US$ 2,4 bilhões em microtransações na plataforma, um recorde entre games gratuitos — os jogadores não pagam para baixar, só para adquirir itens e melhorar os personagens.

Não por acaso, Fortnite se tornou também um sucesso de streaming e de conteúdo relacionado à marca. Os vídeos do jogo têm mais de 2 bilhões de views no YouTube. Em termos de tempo, foram investidas, em agosto, 26,8 milhões de horas na plataforma do Google em audiência do Fortnite, primeira posição que ocupa já há muitos meses na pesquisa da Newzoo. No Twitch, plataforma dedicada a vídeos de games, foram 68,7 milhões de horas, segundo lugar depois de League of Legends, com 69,7 milhões de horas em agosto.

A transmissão de conteúdo gamer tem sido outro fator de popularização da indústria. Com cada vez mais plataformas de vídeo e live streaming disponíveis, o e-sport cresce como fenômeno de audiência. “O mesmo impacto emocional que eu tive quando fui ao estádio ver um São Paulo X Flamengo pela primeira vez na vida, uma criança hoje tem quando vai à GameXP assistir a uma final de Rainbow Six”, descreve Roberto, do Omelete “A diferença é que não temos mais apenas um Galvão Bueno. Temos centenas deles, que são os streamers que no e-sport têm um papel quase tão relevante quanto o jogo em si.”

O UOL, que lançou este ano uma plataforma específica para conteúdo gamer, o Start, tem dedicado especial atenção a e-sports. “Inovamos ao fazer não só a leitura de torneios e resultados, mas de todo o universo que cerca os times, os jogadores, os streamers, os comentaristas e os fãs, com uma abordagem mais humana, focada em contar as boas histórias que nascem com essa modalidade e que ainda são pouco exploradas pelo mercado”, explica Murilo Garavello, diretor de conteúdo da empresa.

A Claro também enxergou potencial no segmento. Segundo Alfredo, durante um dos processos da empresa em busca de novos mercados, e-sports apareceu como uma força que não poderia ser desprezada. “Games movimentam mais de US$ 138 bilhões no mundo, com crescimento de aproximadamente 15% ao ano. Se recortarmos essa fatia financeira somente para o valor no Brasil, o segmento movimentou mais de US$ 1,5 bilhão só em 2018”, comenta o diretor de produto. Há pouco mais de um ano, a empresa incrementou seus investimentos em eventos do setor e já participou de 19 competições. “Focamos bastante nos torneios de entrada, como ligas universitárias e escolares. O intuito desde sempre foi auxiliar no desenvolvimento do ecossistema”, conta Alfredo. Com o amadurecimento da estratégia, a marca passou a estar em eventos maiores, como a liga de acesso ao Campeonato Brasileiro de League of Legends. O passo seguinte foi o anúncio, em agosto, da Claro Gaming, em parceria com a BBL, holding de conteúdo e eventos dirigida ao setor, que também produz torneios. A plataforma nascida da união oferece serviços de conectividade fixa e móvel e atendimento especializado para jogadores e fãs, contando com marcas como GamersClub, Ubisoft e Razer e jogos como Fortnite, Rainbow Six Siege e Counter Strike CS:GO.

Novas paixões

A BBL opera uma arena dedicada a e-sports no Brás, em São Paulo. Em breve, deverá ter como vizinho o Omelete Company, que promete um espaço multiuso para torneios, shows e cinema, inspirado nas arenas coreanas. A Webedia também possui um espaço dedicado em sua sede na capital paulista, assim como a agência de live marketing Aktuellmix. Outros hubs de reunião de gamers, e-atletas e curiosos têm despontado em cidades como Santos (SP), Rio de Janeiro e Curitiba. “O esporte competitivo para games é muito novo ainda e tem potencial pela frente”, diz Renato, da Webedia. “O Brasil tem um público muito apaixonado, fiel e engajado com as marcas e com certeza vai consumir tudo que está ligado a cultura de e-sports e seus jogos favoritos.”

“Não estamos mais falando de jovens adolescentes trancados num quarto escuro. Mas de jovens e adultos, homens e mulheres, que podem jogar a qualquer momento e em qualquer lugar” -Murilo Garavello

Muitas marcas têm se conectado a games, times de e-sports, torneios, arenas e outras ativações. Além de Claro, algumas com ações relevantes são Gillette, Fanta, Nike, Marvel, Intel, Xiaomi e Banco do Brasil. Segundo Renato, num momento de plena expansão, “ainda há espaços para marcas criarem um relacionamento com as comunidades e serem extremamente bem aceitas por todo esse público.” Mas anunciantes que não aproveitarem o momento, correm o risco de não conseguirem construir uma estratégia consistente e ficar à mercê de espaços de oportunidade. “Pode não ter a chance de se apropriarem de alguns territórios, criando engajamento correto com as comunidades e jogadores”, diz.
Murilo, do UOL, concorda que o ritmo de mudança desse universo é acelerado e isso deve ser prioritário na hora de desenhar projetos. “O que hoje é tendência pode ser atropelado por outra novidade, em ciclos muito rápidos. Por outro lado, há os jogos que se renovam ano a ano e permanecem entre os queridinhos dos jogadores — geralmente, aqueles que criam ao redor de si comunidades apaixonadas”, afirma o diretor de conteúdo. “É preciso estar muito próximo dos gamers para prever o que fica e o que logo será substituído.”

Renato Voltarelli, da Webedia: brasileiro é um público apaixonado e engajado, o que favorece o crescimento dos games como competição

Uma vantagem para estratégias locais é a alta afinidade do brasileiro por novidades. Roberto, do Omelete, lembra que “em termos de hábitos de consumo de mídia digital, o Brasil, mesmo com todas dificuldades, sempre está no topo de todos os rankings, tanto em tempo gasto quanto em volume total. Com o e-sport não é diferente: somos o terceiro no mundo em números de transmissões”. Ele destaca, ainda que esse é um segmento que constrói muitos negócios além de marketing e consumo. “A médio prazo, gera uma cadeia de valor na indústria na qual temos que ter mais especialistas capacitados, streamers, jogadores, casters, agências, anunciantes etc. Enquanto antigas profissões estão morrendo, várias novas vão surgir.” O próprio Roberto é exemplo: sua posição dentro do Omelete Company não existia anos atrás.

A transformação constante do segmento é pautada pelo desenvolvimento tecnológico. “A chegada do 5G possibilitará uma série de novas aplicações relacionadas a esse universo”, destaca Alfredo, da Claro. Murilo, do UOL, concorda: “Com o avanço da tecnologia, como a chegada do 5G, os jogos em nuvem, consoles e celulares cada vez mais sofisticados e até a disputa das operadoras por clientes baseada em ofertas de banda e planos focados em gamers, há um enorme potencial de crescimento e diversificação do público. Não estamos mais falando de jovens adolescentes trancados num quarto escuro. Mas de jovens e adultos, homens e mulheres, que podem jogar a qualquer momento e em qualquer lugar.”
Portanto, se há uma década videogame era um negócio nichado, hoje é uma indústria dinâmica, cativante, popular e cada vez mais rica. Problemas existem, como em outros mercados, e a falta de público ou de conhecimento já não é mais um deles. Hoje, alguns dos principais riscos são a competitividade crescente e o consumidor super exigente. No passado, porém, isso nunca impediu ações de marketing ousadas e parcerias de negócios que ficaram marcadas na história. Como diz Alfredo, “o importante é jogar junto”.

Outro streaming

Esta semana, o Meio & Mensagem lança o primeiro episódio da série Jornada Gamer, no YouTube. Desde o streamer até o player profissional, a série vai transitar, durante quatro capítulos, por diversos espaços e empresas que têm contribuído para a popularização do setor.

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