O caminho sem volta da diversidade e transparencia
Casos recentes no universo das agências reforçam a necessidade de adaptações na cultura e no comportamento dos líderes das empresas nos temas latentes da diversidade e da transparência
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Isabella Lessa
30 de agosto de 2016 - 11h31
Existe um abismo entre a recente declaração a um site norte-americano de Kevin Roberts, que lhe custou o posto de chairman da Saatchi & Saatchi, e o resultado de uma pesquisa da 4A’s, a Associação das Agências de Publicidade dos Estados Unidos. No final do mês passado, o executivo afirmou ao Business Insider que o debate sobre igualdade de gênero havia terminado e que não dedicava parte alguma de seu tempo ao tema nas agências que até então comandava, alegando que a questão seria muito pior em outros setores, como o financeiro. Dias depois, a 4A’s divulgou um levantamento com um índice alarmante: mais da metade das mulheres que trabalham em agências nos Estados Unidos já sofreu assédio sexual pelo menos uma vez.
O resultado da pesquisa e a decisão do Publicis Groupe de afastar Kevin Roberts de suas funções — o executivo renunciou ao cargo pouco depois do pronunciamento da holding — seriam suficientes para comprovar que a questão de gênero merece espaço e deve ser amplamente discutida na sociedade, sobretudo no meio corporativo, no qual as agências estão inseridas. Mas outros dois casos recentes — ambos nos Estados Unidos — evidenciam ainda mais a necessidade por transparência dos tempos atuais.
Em maio, Greg Andersen, ex-presidente da Rapp no país, abriu processo contra Alexei Orlov, CEO global da rede, alegando comportamento discriminatório por parte do executivo. Um mês depois, Orlov deixou seu posto, ainda que a agência tenha emitido um comunicado questionando as acusações. Dois meses antes, o CEO global da J. Walter Thompson, Gustavo Martinez, foi afastado após ser alvo de processo por acusações de ofensas racistas e sexistas a seus funcionários. Para substituí-lo, o Grupo WPP tomou uma decisão emblemática: escolheu uma mulher, a inglesa Tamara Ingram. Um dos primeiros feitos da gestão da executiva foi, inclusive, a abertura de um conselho global de diversidade e inclusão na J. Walter Thompson.
A Russell Reynolds, empresa de executive search, possui um núcleo de diversidade e inclusão liderado pela consultora Tatyana Freitas, criado a partir de um mapeamento de assuntos relevantes para o segmento. “Chamamos essas tendências de ‘big bets’. As empresas não estão necessariamente preparadas para lidar com essas questões, ainda que tenham projetos de gênero. No caso do recrutamento, mais do que buscar profissionais que tragam diversidade para os comitês e posições executivas, deve-se garantir que condições sejam ofertadas e que quadros diversos se desenvolvam dentro das empresas”, salienta. Segundo ela, essa é uma tendência que o próprio mercado impõe, pois quanto maior o nível de transparência e mais diverso o board em termos de pensamento, mais definidos serão os valores das ações da companhia.
Para Marcos Caetano,sócio global da Brunswick Group, essa preocupação com a transparência e questões éticas estão ligadas também à missão de atrair millennials para a empresa. “Para essa geração, não basta acordar e ir trabalhar, tem que existir um objetivo maior. Então, a adoção desse caminho vai aparecer cada vez mais. E é normal que as grandes empresas digam como seus fornecedores devem trabalhar”, afirma. Um estudo divulgado no segundo semestre de 2015 pela Deloitte e pela Billie Jean King Leadership (BJKLI) diz que os millennials encaram a diversidade como uma mistura de diferentes backgrounds, experiência e perspectivas, e, portanto, necessária para inovação e trabalho em equipe. Esses valores são muito distantes do ambiente predominante nas agências, algumas ainda guiadas pelo estilo “self-made men” de seus fundadores. “De fato, muita gente que vem do mundo criativo não tem o cuidado para filtrar o que fala, muitas vezes. No passado, a postura do típico presidente de agência ‘doidão’, que fala o que quer, deu certo, foi assim até os anos 1990, mas o mundo mudou.As perguntas são outras e as repostas precisam ser diferentes”, analisa.
Olho na pressão
Como é trabalhar aí?
Nos últimos dias, a questão do ambiente interno das agências brasileiras foi um dos assuntos mais comentados por profissionais do mercado. O que reacendeu a discussão foi uma pesquisa aberta publicada no dia 17, que pedia que as pessoas contassem, de forma anônima, em que agência estão e descrevessem como é trabalhar no local.
O formulário criado por Caio Andrade, palestrante e facilitador na Hyper Island, com a intenção de ajudar um amigo que gostaria de saber qual a melhor agência para procurar um estágio, recebeu quase mil respostas — a maior parte negativa, reclamando sobre a postura dos líderes e das condições de trabalho.
“Meu amigo acaba de se mudar para São Paulo, está no primeiro semestre de publicidade e propaganda e me perguntou se eu poderia indicar uma agência para ele procurar estágio. Eu não me sentia qualificado para responder, então fiz essa pergunta para as pessoas na internet. O objetivo era ter uma análise superficial. Independentemente da quantidade de comentários e do fato de alguns deles não serem construtivos, acho que o ponto é refletir sobre como o mercado pode melhorar. Se o problema é um profissional específico ou se é da cadeia inteira. Tudo fica tão corrido dentro e fora do trabalho que paramos de refletir sobre o dia a dia. É um movimento valioso fazer essa reflexão, cabe a todos nós. Ninguém ainda tem uma resposta”, diz Andrade, que decidiu tirar a lista do ar poucos dias depois ao perceber que certas respostas não tinham sentido e estariam prejudicando pessoas e empresas específicas. No entanto, a lista tem sido reproduzida em uma série de blogs, ganhando, inclusive, novos comentários.
A íntegra desta matéria está publicada na edição 1725 do Meio & Mensagem, de 29 de agosto de 2016, exclusivamente para assinantes nas versões impressa e para tablets Android e iOS.
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