Representatividade ainda é superficial na propaganda
Novo estudo do Think Eva, ressalta a necessidade de marcas encararem a questão como mais do que uma onda passageira
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Isabella Lessa
25 de julho de 2017 - 8h15
Os últimos dois anos e meio foram marcados por diversas transformações nas estratégias de comunicação e marketing das marcas. À medida em que o feminismo e os debates sobre gênero e raça se alastraram pela internet e pelas ruas, as marcas fizeram esforços para acompanhar essas conversas e, naturalmente, esse percurso foi pontuado por avanços e erros. Anunciantes cuja publicidade foi historicamente marcada por mulheres estereotipadas, como os do segmento de cerveja, revisaram suas peças. E, ao perceberem que a mudança deveria acontecer primeiro de dentro das corporações, o mercado começou a tomar medidas para que as equipes fossem mais diversas.
Esse período também vem sendo marcado por mudanças de pensamento e contestações por parte das lideranças de grandes grupos de comunicação. Um dos casos emblemáticos foi a renúncia de Kevin Roberts, então chairman da Saatchi & Saatchi, após uma entrevista em que afirmou que a questão de igualdade de gênero já havia se encerrado. O ex-CEO da J. Walter Thompson, Gustavo Martinez, foi acusado de racismo e assédio sexual no ano passado e também terminou deixando o cargo. Nesta segunda-feira, 24, Washington, Olivetto, chairman da WMcCann, concedeu uma entrevista à BBC em que diz que o empoderamento feminino é um clichê e fez um comparativo entre mulheres e um Porsche ao citar o exemplo de uma peça publicitária. As declarações geraram controvérsias e debates entre os profissionais de comunicação.Segundo o Think Eva, a associação das marcas a questões de gênero é algo que apenas começou e que não tem mais volta. No estudo #CompromissoInegociável, o núcleo de inteligência, cuja proposta é conectar marcas à realidade das mulheres, afirma que ainda falta profundidade por parte do mercado ao lidar com o tema.
Embora a empresa reconheça que a retratação da mulher, de raça e de gênero tenha entrado no radar de anunciantes e agências, a abordagem ainda é rasa e pontual, o que acaba esvaziando o discurso de quem luta por essas causas. “Em vez de olhar para essa questão como realmente é, o mercado olha para a causa como uma onda a ser surfada, como algo legal, seguro”, diz Maíra Liguori, uma das sócias do Think Eva. Para comprovar essa percepção, o núcleo iniciou um levantamento de cases e dados do Brasil e de outros países e traçou uma linha do tempo desde o nascimento do marketing, no século 19, e a relacionou com o movimento feminista, com o intuito de evidenciar a discrepância entre as conquistas das mulheres na sociedade e a leitura do marketing sobre elas.
Da conversa fiada à ação
O estudo estará disponível na íntegra na quinta-feira, 27, no site do Think Eva. Maíra Liguori comenta os pontos principais da pesquisa nessa entrevista:
M&M – Qual a motivação por trás do estudo #CompromissoInegociável?
Maíra Liguori – Nos deparamos com dados e cases que mostravam que o movimento feminista coloca os debates na boca das próprias mulheres, mas é cooptado pelos clientes e usado convenientemente. E não só no Brasil. Muitas das marcas, em vez de entender isso, acham que tudo bem se desvincular desse assunto, depois de amanhã falam sobre meio ambiente, sobre crianças. O objetivo é provocar o mercado. Algumas abordagens de marcas à Think Eva foram muito cause-washing, apresentam campanhas à prova de feminista. Mas não é sobre tomar pau na internet, mas garantir seu lugar no futuro. Uma vez que as mulheres estão conscientes, não dá mais para voltar atrás com campanhas sexistas, em posições que não aceitam mais.
M&M – Desde que a Think Eva começou a existir, há dois anos e meio, até então, houveram avanços por parte das marcas ao abordar esse tema?
Maíra – Teve um avanço enorme, mas ainda estamos arranhando a superfície. A gente ainda não começou a falar de feminismo como ele merece. Há movimentos de marca que prometem não objetificar a mulher. Já são avanços, mas isso é o mínimo. Não estamos pedindo nada revolucionário. O mínimo é o ponto de partida. O caminho está cheio de oceanos azuis. Quando se amplia o olhar, se passa a encarar o produto e o consumidor de forma diferente. A partir da contextualização vem muita novidade. Mas isso não vem sozinho, não e só a comunicação e marketing que vão resolver essa questão sozinhos, mas algo que tem que acontecer em todas as frentes. Existe intenção maravilhosa por trás, mas muita inabilidade em fazer isso acontecer na prática.
M&M – Na maioria das vezes, o que se vê são campanhas oportunistas e passageiras?
Maíra – Existe a sensação de que é uma modinha. E que vai passar. Mas esse é um olhar machista e de esvaziamento. Não tem volta. A questão é entender que a questão é maior e mais importante do que se pinta, entender que é uma oportunidade de conexão com próximas gerações. Se não olhar para isso, a marca vai envelhecer e se tornar irrelevante. Há também o impacto em desempenho de vendas e sustentabilidade de negócio. Finalmente esse ciclo está sendo quebrado. Estamos vivendo um momento muito importante. As marcas têm de assumir esse compromisso. Não pela conveniência de ser uma causa fofinha, porque se não der um passo à frente, isso vai depor contra você e vai esvaziar o discurso das feministas e não vai ter retorno nem para a marca, nem para o mundo.
M&M – A melhor maneira de convencer uma marca sobre a importância de se dirigir às mulheres de maneira realista é justificando o benefício para as vendas?
Maíra – É um jeito de capturar pessoas com olhos fechados para a questão. Para aquela pessoa que nem quer ouvir é um gancho para chamar atenção. Nosso papel como Eva tem sido educar, mostrar a real profundidade, porque o mundo do jeito que está não está funcionando e é responsabilidade da marca também. A gente está acostumado a olhar a publicidade como espelho da cultura, quando na verdade é parte da cultura, ela não reflete, ela forma também. Vamos parar de nos abster do compromisso e construir um futuro melhor.
Marcas e diversidade: como ir além?
Maíra – A gente tem a sorte de trabalhar com pessoas corajosas. Quando a empresa procura a gente, já entendem o potencial e a necessidade disso. Tem uma questão geracional, quem toma decisões são pessoas que não enxergam essa questão, mas é muito difícil mudar. Com 70 anos talvez a gente não esteja tão conectado com o que acontece com a geração mais jovem. De gênero, é claro, porque o poder de decisão está exclusivamente na mão dos homens ainda. E as mulheres que ousam chegar lá para se fazerem ouvir têm de trabalhar o triplo. Mudanças culturais demoram anos, às vezes décadas. A gente não tem a ambição de resolver isso sozinhas, tem muita gente boa no mercado remando na mesma direção e isso é um alívio. Não é uma corrida, é uma maratona.
M&M – Na sua opinião, quais segmentos da indústria estão mais abertos à mudança?
Maíra – A indústria da beleza está puxando muito para essa questão, pois já está voltado para a mulher, todo mundo já estava exausto de buscar insights nos mesmos terrenos e isso se desenha como oportunidade de diferenciação. Era uma área problemática por causa da opressão e tiveram a esperteza de que se reforçassem o mesmo padrão inatingível, iriam perder a cliente para sempre. O resto da indústria está fazendo o básico. Estamos no mínimo necessário.
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