Os bastidores da chegada do Afropunk ao Brasil
Matthew Morgan, fundador da plataforma, fala sobre Salvador como cidade do festival e aposta em conteúdo
Os bastidores da chegada do Afropunk ao Brasil
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Karina Balan Julio
5 de novembro de 2019 - 7h37
Senso de comunidade, ativismo, empoderamento pela estética e troca de culturas são alguns dos princípios que regem o Afropunk, festival que nasceu em 2005, em Nova York, e se tornou uma das principais plataformas de cultura negra no mundo. O festival nasceu inspirado pelo movimento Afropunk, que ganhou força na década de 90 e preconizava o protagonismo negro na cena punk e alternativa. Com o passar dos anos, o festival que une música, arte e moda ganhou edições também em Paris, Londres, Atlanta e Joanesburgo.
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A ideia de trazer o Afropunk ao Brasil, contudo, já existe há bastante tempo. Matthew Morgan, cofundador e CEO do festival, conta que a expansão do movimento aconteceu paralelamente à globalização e à maior conexão da comunidade negra. Ao Meio & Mensagem, ele compartilhou sua visão sobre a evolução do Afropunk, o envolvimento com marcas e os planos de intensificar a produção de conteúdo.
Meio & Mensagem – O Afropunk está presente em cinco países, e o Brasil será o sexto a receber a plataforma. Desde quando planejavam trazer o festival para cá? E por quê este era o melhor momento?
Matthew – Já queríamos ter vindo para o Brasil há muito tempo. Gostaria de ter vindo antes de qualquer outro país depois dos Estados Unidos. O motivo pelo qual não viemos antes foi porque ficamos presos em uma disputa pelo registro da marca e nos levou entre três ou quatro anos para resolver a questão. Venho de uma família guianense, passei meus primeiros anos de vida na Guiana e sempre senti afinidade com o Brasil, mesmo antes de ir ao país. Sempre foi um sonho de infância ir para o Brasil, e quando fiquei mais velho e o Afropunk começou, tivemos um feedback muito positivo dos brasileiros, então era muito importante que nos conectássemos com eles.
Considerando as mudanças nos formatos de comunicação e a evolução nas discussões sobre representatividade, como avalia a evolução do Afropunk desde 2005?
Vimos mudanças muito significativas. Mudei de Londres para os Estados Unidos há vinte anos e lembro que no começo tive bastante dificuldade em falar sobre raça, algo que acontece todos os dias nos EUA. No Reino Unido há uma ilusão de integração, particularmente nos bairros onde eu cresci, onde era tudo muito misturado. Nunca houve um movimento black power e instituições negras da mesma forma como nos Estados Unidos, então foi uma mudança muito interessante para mim. De repente, eu tinha mais pontos de referência e mais acesso à comunidade, e acredito que isso teve um impacto muito grande no jeito que penso. A internet também mudou muito a forma como a cultura é consumida entre pessoas negras ao redor do mundo. Acho que somo mais poderosos quando estamos globalmente conectados do que quando estamos isolados. Muitas vezes, não nos conhecemos tão bem quanto achamos que conhecemos, e é essa troca cultural entre a audiência que está no centro da nossa expansão.
“O Rio tem o Rock in Rio, São Paulo tem o Lollapalooza, e Salvador terá o Afropunk. A Bahia é um lugar tão especial culturalmente, que acho que vai ser incrível compartilhá-la com pessoas e criativos do mundo inteiro” – Matthew Morgan
A edição brasileira do festival será realizada em Salvador, na Bahia. De onde partiu a decisão de fazer o festival na cidade?
Durante muitos anos, quando falávamos sobre onde deveríamos levar o festival, as pessoas da indústria diziam que deveríamos fazer em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Então, quando perguntava onde está a maioria das pessoas negras no Brasil, a resposta estava na Bahia. As pessoas diziam que não conseguiríamos fazer o festival lá porque não haveria infraestrutura. Acontece que tenho uma personalidade um pouco teimosa: quando me dizem que não posso fazer algo em um lugar, é lá que vou querer fazer. Acabei visitando São Paulo e Salvador e entendi que o que haviam dito não era verdade. Senti uma conexão muito forte com a Bahia e as pessoas de lá, e então decidimos fazer em Salvador. E acho que faz sentido. O Rio tem o Rock in Rio, São Paulo tem o Lollapalooza, e Salvador terá o Afropunk. Em cada festival nosso, entre 40% e 60% dos visitantes são de fora do país. A Bahia é um lugar tão especial culturalmente que acho que vai ser incrível compartilhá-la com pessoas e criativos do mundo inteiro.
Como tem sido o processo de encontrar parceiros locais e fazer a curadoria do festival no Brasil?Estamos há muito tempo na estrada e por isso conhecemos muito brasileiros que vão ao Afropunk em Paris ou Nova York. A Karol Conká, por exemplo, foi a primeira brasileira a performar no Afropunk há cinco anos, em Paris. Uma das minhas pessoas favoritas no mundo, a Magá Moura, vem criando uma relação conosco e já foi para todos os países onde fazemos os festivais. Entrar em um novo mercado é um processo de evolução, onde seu contato e conexão com as pessoas cresce, e por isso sua compreensão daquele mercado também cresce. O que estamos fazendo diferente no Brasil é ter um board local, com representantes do festival no país. Não serão estrangeiros, mas brasileiros tocando o Afropunk Brasil e fazendo o diálogo com os escritórios de fora. Também tivemos a sorte de, desde o início, conhecer ótimos artistas, músicos e diretores de filmes por aqui, então esse movimento só vai crescer.
“Se pudermos ajudar a desenvolver uma estrutura que exponha as pessoas negras mais frequentemente a oportunidades, esse é o trabalho que faremos”
Estão abertos a trabalhar com marcas para a edição brasileira do Afropunk? E como vê a tentativa de marcas de se aproximar mais de consumidores negros?
Viemos de uma cena Do It Yourself e com background punk, e por isso sempre fui muito resistente a marcas, de maneira geral. Tivemos algumas parcerias muito boas, e penso que talvez elas sejam interessantes em um país como Brasil, onde as marcas são muito presentes no tecido cultural. Mas não é algo em que acredito com todo o meu coração. Se conseguirmos trabalhar com marcas que querem criar interações e oportunidades significativas para a nossa audiência, ótimo, mas é delicado. Sempre deixamos muito clara qual é a nossa missão e com quem falamos. Em muitas empresas onde vamos ao redor do mundo, é comum que elas encontrem as únicas três ou quatro pessoas negras do escritório e as tragam para a reunião conosco. Se pudermos ajudar a desenvolver uma estrutura que exponha as pessoas negras mais frequentemente a oportunidades, esse é o trabalho que faremos. Na verdade, visitei uma agência no Brasil, a Mutato, e acredito que foi um dos melhores dias da minha vida. Nunca tinha visto tanto jovens negros incríveis em uma única agência, o que é muito encorajador. Esse é o tipo de empresa com a qual queremos desenvolver relações.
Quais são os próximos passos da expansão do Afropunk pelo mundo?
Atualmente, estamos em seis cidades e, para nós, os próximos passos são na direção do storytelling, branded content e conteúdo. Construímos uma audiência de 46 milhões de pessoas que nos acompanham semanalmente nas nossas redes, então achamos importante focar na produção de conteúdo para nossa comunidade, feito pela nossa comunidade.
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