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Após sair do Cenp, ABA propõe nova autorregulação

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Comunicação

Após sair do Cenp, ABA propõe nova autorregulação

Associação Brasileira de Anunciantes lança documento com propostas como o fim das certificações de agências e das tabelas de desconto-padrão


15 de março de 2021 - 8h00

Sandra Martinelli, da ABA: “Não queremos falar sobre remuneração, pois acreditamos na livre negociação”

A Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) lança nesta semana um documento no qual propõe que o mercado estabeleça uma nova autorregulação, diferente das regras que atualmente regem a atuação do Conselho Executivo das Normas-Padrão (Cenp), órgão criado há 22 anos para mediar as relações comerciais entre anunciantes, agências e veículos. Para estimular o debate, a ABA apresenta cinco propostas iniciais: mais transparência e livre negociação nas relações comerciais; não obrigatoriedade de certificações de agências e de tabelas fixas de desconto-padrão; valorização à segurança das marcas e ao combate às fraudes no ambiente digital; garantia de mídia visível, confiável e amigável ao consumidor, incluindo o correto trato aos dados dos consumidores; e auditoria e medição de audiência e efetividade da mídia por terceiros imparciais (leia a íntegra do documento da ABA nesta página, mais abaixo). “Trata-se de um chamamento público a todos os membros do nosso ecossistema, para que, efetivamente juntos, a gente aprofunde essa empreitada desafiadora que é atualizar e evoluir a autorregulamentação do nosso setor”, frisa a presidente-executiva da ABA, Sandra Martinelli. “Os anunciantes pensam que poderia ser por esse caminho, mas queremos ouvir todo o mercado e estamos dispostos a olhar juntos todas as possibilidades. Queremos um diálogo coerente e aprofundado de todas essas tensões, como transparência e livre negociação, a desnecessidade de certificações e de tabelas fixas de desconto. Não queremos falar sobre remuneração, pois acreditamos na livre negociação. Os anunciantes não pretendem mexer em tabelas para baixar preços, não é isso. Acreditamos que temos uma boa proposta para iniciar o debate. É o ponto de partida”, reforça Sandra Martinelli.

Uma das principais propostas da ABA vai contra o pilar da autorregulação comercial expressa nas regras do Cenp, no tocante à remuneração das agências de publicidade. O Cenp se baseia no princípio de que as agências devem ser certificadas quanto à sua capacidade de atendimento e institui tabelas para determinar faixas de desconto-padrão, que são o percentual que determina a remuneração da agência a partir do investimento em mídia feito pelos anunciantes. Já o documento da ABA diz que a qualidade da publicidade não pode ser dependente “de certificações formais” e/ou de “tabelas fixas de taxas ou de descontos”, classificando essas práticas como prejudiciais às relações comerciais.

A iniciativa da ABA de pautar o debate em torno de uma nova autorregulação acontece menos de dois meses após a associação dos anunciantes comunicar o seu desligamento do Cenp, o que ocorreu no dia 22 de janeiro e representou a maior ruptura institucional do mercado publicitário brasileiro nas últimas décadas. A saída da ABA do Cenp evidencia a discordância em relação a práticas e regras que, na visão de muitos anunciantes, já não fazem mais sentido. Além disso, a ABA considera que não tinha seus interesses representados pelo Cenp e enfrentava descontentamento de algumas empresas anunciantes que não conseguiam se manter em conformidade com as normas-padrão, num tempo em que as áreas de compliance ganham poder no mundo corporativo. “A desfiliação da ABA do Cenp, onde éramos sócios fundadores, aconteceu após muitos anos de discussão. Sempre víamos uma real necessidade de evolução. Aspectos como o avanço do digital como espaço importante de comunicação publicitária, a transparência nas relações do mercado e a livre concorrência não estavam sendo tratados, apesar de nós termos colocado isso várias vezes”, justifica Sandra Martinelli.

Embora não cite o Cenp, o novo documento da ABA faz referência direta ao órgão de autorregulação: “É consenso que o setor precisa modernizar as bases de sua forma de relacionamento. Ao longo das últimas duas décadas nos organizamos por meio de uma autorregulamentação. Virtuosa na origem, demanda mais do que nunca urgente discussão em torno de sua atualização”. A ABA ainda cobra “equilíbrio e transparência” nessa revisão.

Caio Barsotti diz que o Cenp está “aberto para contribuir na discussão de tudo o que interessa ao mercado”

À reportagem de Meio & Mensagem, o presidente do Cenp, Caio Barsotti, disse que prefere que as entidades que compõem o Conselho se manifestem à respeito do teor do documento da ABA. “O Cenp sempre apoiou e apoiará a liberdade e qualquer debate sobre iniciativas ou objetivos do mercado publicitário. Está aberto para contribuir na discussão de tudo o que interessa ao mercado e ao País a qualquer momento”, frisou. Já o presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), Mario D’Andrea, criticou a atitude da ABA: “Quem quer debater os rumos do mercado não sai da mesa” (leia aqui a entrevista com D´Andrea). Ele frisou que o Cenp é o ambiente correto para o mercado tratar a autorregulação comercial e que as discussões para sua modernização já estão em curso.

No final do ano passado, com a anuência da ABA, o Cenp contratou a consultoria ToF – Traduzindo o Futuro, que tem como sócios o psicanalista e escritor Jorge Forbes e o ex-presidente do Grupo Estado, da Oracle e ex-diretor da Accenture Silvio Genesini. A ToF tem feito diversas entrevistas com funcionários do Cenp e líderes do mercado, inclusive com anunciantes, sobre os atuais estatutos e normas, para sugerir estratégias para o futuro da entidade.

Bodes na sala
Segundo Sandra Martinelli, o conteúdo do documento que propõe nova autorregulação do mercado foi redigido nos últimos 40 dias com a participação de cerca de 15 altos executivos de marketing e comunicação, representando associados da entidade, sob coordenação do primeiro vice-presidente Frank Pflaumer (VP de marketing e comunicação da Nestlé) e envolvimento direto da presidente Nelcina Tropardi (VP e cofundadora Arcamais, organização sem fins lucrativos voltada à inclusão social), que ficou responsável pelas conversas com outras lideranças não-anunciantes. Dois comitês internos da ABA também se envolveram para contribuir com pontos de vistas técnicos: o de Mídia, liderado por Denis Onishi (gerente sênior de mídia da Fiat-FCA) e Marco Frade (head of media, digital e CRM da Diageo), e o de Sourcing, presidido por Sheila Vieira (gerente de suprimentos indiretos, marketing e varejo do Grupo Boticário).

Cris Camargo, do IAB: “Acreditamos na autorregulamentação, mas a governança do Cenp se mostrou obsoleta”

Chegou-se a cogitar que o documento divulgado nesta semana fosse assinado também pelo Interact Advertising Bureau – IAB Brasil, mas a entidade preferiu aderir ao movimento somente após a manifestação pública inicial da ABA. “Nós achamos que, se assinássemos o documento junto com a ABA, poderia haver a falsa percepção de que o IAB está apoiando os anunciantes, unilateralmente. O ponto mais difícil para nós é sempre o de chegar a um mínimo denominador comum, a alguns pontos de concordância entre os players que compõe o IAB, onde estão anunciantes, agências, veículos produtores de conteúdo e plataformas” diz Cris Camargo, CEO do IAB Brasil. Ela lembra que os principais pontos do documento da Aba estão em consonância com o que defende globalmente a World Federation of Advertisers (WFA) e já são tratados em comitês internos do IAB. “A parte mais difícil desse imbróglio do que seria uma nova autorregulamentação para a publicidade é que algumas coisas que funcionaram muito bem para os meios tradicionais, não funcionam para a mídia digital. O movimento da ABA por conversas francas, que coloquem os bodes na sala, é super saudável. Mas, agora, temos que ouvir agências, plataformas, ad techs, veículos produtores de conteúdo. Não dá para privilegiar a opinião dos anunciantes frente às agências, por exemplo, que estão sofrendo muito com uma remuneração que elas não acham justa. O ponto com o qual o IAB concorda é que é preciso conversar, sabendo que não vamos concordar em tudo, mas que podemos chegar, em algum tempo, a acordos mais transparentes”, frisa Cris Camargo.

Quase dois anos antes da saída da ABA do Cenp, a primeira entidade a romper com o Conselho Executivo das Normas-Padrão foi o IAB Brasil. Em meados de 2019, pediu sua desassociação alegando não ter direito a voto nas decisões do órgão de autorregulação, em um momento em que atualizações das regras impactavam a publicidade digital. O pedido de desfiliação ocorreu uma semana após o Cenp aprovar resolução que declara como veículos de comunicação “todo e qualquer ente jurídico individual que tenha auferido receitas decorrentes da sua capacidade de transmissão de mensagens de publicidade”, incluindo sites de busca e plataformas de mídia social, como Google e Facebook. As duas multinacionais não concordam com a decisão, não participam do Cenp e são associadas ao IAB.

Grupos de trabalho
Segundo Sandra, após o convite público feito pela ABA, os próximos passos serão conversas individuais com as demais entidades e a criação de três grupos de trabalho focados nas discussões de modelos de negócios (“visando ampliar a transparência dos atuais”), padrões de entrega de mídia e práticas de métricas e medições (“onde entraria brand safety e viewability”). “Acreditamos que esses grupos não podem ser muito grandes, para que não inviabilize o debate, mas têm que representar o mercado, com plataformas, veículos, anunciantes, agências”, frisa Sandra Martinelli.

Questionada se, após esse debate, o próprio Cenp continuaria sendo o fórum guardião da autorregulação ou se haveria a proposta de criação de uma nova entidade, Sandra disse que essa questão ainda não esteve em pauta nas discussões da ABA. “Acreditamos que esse assunto vai surgir nos grupos de trabalho. E nós, juntos, vamos resolver”. Segundo ela, retornar ao Cenp não é uma intenção da ABA neste momento, mas “ninguém sabe sobre o futuro, pois as coisas podem se transformar de muitas maneiras”.

Sandra frisa que mesmo se desligando do Cenp, a ABA continua contribuindo com o debate de modernização do Conselho: “Pelo menos uma dezena de executivos que estão na diretoria e conselho da ABA, inclusive eu, já conversamos com a consultoria ToF. Saímos do Cenp mas, como anunciantes, temos o compromisso junto ao mercado e junto a todas as entidades de manter a nossa vocação para o protagonismo colaborativo”.

Para Cris Camargo, do IAB Brasil, a questão do Cenp encampar as sugestões de mudança será determinante para essa definição. “Acreditamos na autorregulamentação, mas a governança do Cenp se mostrou obsoleta, por não ter velocidade de resposta. Agora, o Cenp está fazendo um movimento super interessante de estudar essa governança e o seu estatuto. Se existir um movimento de nova governança, de estrutura mais transparente e inclusiva, e se houver um consenso no mercado da publicidade, considerando o novo e o velho mundo, estaremos juntos”, diz. Sobre as críticas em relação ao seu estatuto, o Cenp diz que não há registro de proposta do IAB para nenhuma mudança na governança do Conselho.

Desde a saída oficial da ABA, em janeiro, o Cenp se movimenta para manter ativos na entidade as empresas anunciantes e seus executivos de marketing, ocupando vagas em comitês e grupos de trabalho, onde as cadeiras não são reservadas a entidades, mas a profissionais convidados. Ainda em janeiro, os representantes de dez associações de agências e veículos divulgaram um posicionamento conjunto em que dizem respeitar a decisão de retirada da ABA, mas que seguiriam “interagindo, debatendo e ouvindo todos os anunciantes que valorizam o modelo brasileiro”. Entretanto, nos dois conselhos principais do Cenp, o Superior e o de Ética, o estatuto prevê a nomeação de membros pelas entidades mantenedoras. Os desdobramentos jurídicos e burocráticos da saída da ABA e o destino das cadeiras por ela ocupadas ainda não foram tornados públicos pelo Cenp.

A seguir, a íntegra do documento oficial da Associação Brasileira de Anunciantes:

Convite ABA ao Mercado
Por uma Publicidade Livre, Pujante, Transparente, Ética e Responsável

O tempo passa e o mundo se transforma em ritmo cada vez mais frenético. Dia a dia são alteradas nossas formas de morar, comunicar, interagir, produzir, comprar e vender, enfim, de viver. A velocidade da mudança é o novo normal em um mundo cada vez mais volátil, complexo, cheio de incertezas e, não raro, ambíguo.

A publicidade como imediato reflexo cultural e econômico da sociedade é inexoravelmente impactada por todo esse movimento. Consumidores se mostram mais e mais exigentes e desafiam, em conteúdo e forma, a comunicação das marcas. Para além de potencializar a experiência de conhecimento e compra, a publicidade precisa mais do que nunca refletir valores e compromissos. Uma relação leal, coerente e próxima ao público, que é alcançado tanto pelos tradicionais meios de massa, como, por exemplo, rádio, televisão e mídia impressa, quanto pelas mídias digitais, como sites de busca, redes sociais, marketplaces, etc.

O Brasil sempre foi referência no mercado publicitário mundial. Louros merecidos, que, porém, não são garantia de sucesso em um ambiente tão diverso e desafiador. É consenso que o setor precisa modernizar as bases de sua forma de relacionamento. Ao longo das últimas duas décadas nos organizamos por meio de uma autorregulamentação. Virtuosa na origem, demanda mais do que nunca urgente discussão em torno de sua atualização. Menos, por vezes, é mais. Com equilíbrio e transparência, deve ser agora recalibrada para endereçar com harmonia todas as demandas do setor, que é marcado por agentes econômicos maduros e mais do que capazes de expor e debater seus pontos de vista.

Nesse contexto especial, a ABA, há 60 anos lutando pelo setor publicitário, gostaria de trazer a público um CONVITE sincero a todos os mais tradicionais e representativos membros do ecossistema publicitário para que, juntos, aprofundemos o debate sobre esta desafiadora empreitada de mudança e evolução setorial. Abertos à discussão construtiva em âmbito institucional, propomos para início de diálogo um compromisso com os seguintes princípios:

Compromisso com a transparência e livre negociação.
É legitima a busca por um modelo de negócios sustentável, com níveis de remuneração adequados pelos serviços. Acreditamos, porém, que todo arranjo deve se basear em contratos firmados com boa-fé e transparência pelos agentes, públicos ou privados, em relação à integral cadeia de suprimentos de mídia.

Não obrigatoriedade de certificações e tabelas fixas de desconto.
A busca pela qualidade total é inegociável na publicidade. Não se faz investimento sem competência e profissionalismo, que devem ser recompensados pelos seus méritos e sucesso. Na publicidade, tal compromisso deve ser diuturno e independente de certificações formais e/ou o acesso a tabelas fixas de taxas ou de descontos, que, se utilizadas como elemento obrigatório nas relações comerciais, podem prejudicar a dinâmica do mercado.

Valorização à segurança das marcas e ao combate às fraudes.
Os investimentos em mídia pelas marcas exigem segurança e compromisso de todos com o combate às fraudes na entrega do volume contratado. Qualquer investimento de mídia que esteja associado a tráfego que se revele inválido, associado a conteúdo indesejado ou a impressões não humanas, deve poder ser devidamente identificado para a discussão entre as partes sobre melhoras nos níveis de eficiência e eventual compensação.

Garantia de mídia visível, confiável e amigável ao consumidor.
A credibilidade tornou-se condição essencial à publicidade. Alcançá-la exige: transparência e responsabilidade quanto ao conteúdo e dados coletados do consumidor; correspondência entre visibilidade contratada e resultado entregue; busca constante por uma publicidade que não seja entendida como obstáculo à comunicação e à melhor experiência do consumidor. É fundamental discutirmos a adoção de ferramentas que garantam à mídia credibilidade, viewability e experiência de consumo adequada.

Valorização de autoria e medição do mercado.
Todo planejamento e estratégia de investimento publicitário pressupõe o acesso a dados críveis sobre audiência, entrega e potencial efetividade das mídias. Apoiamos a existência de cada vez mais fontes imparciais, calcadas em métricas aceitas por todos os participantes do mercado.

O conjunto de princípios apontados acima não é exaustivo e tampouco cobre todo o escopo de relacionamentos do mercado. Deve ser tomado como ponto de partida ao CONVITE da ABA para aprofundamento as discussões setoriais em prol de uma nova autorregulamentação que eleve o grau de eficiência, qualidade e credibilidade da nossa publicidade em tempos tão desafiadores. Convidamos todas as entidades representativas e agentes econômicos, públicos e privados, do ecossistema publicitário a exercerem o seu protagonismo participativo e liderança a fim de se engajarem em grupos de trabalho e debates concretos por uma publicidade livre, pujante, transparente, ética e responsável.

15/03/2021
Associação Brasileira de Anunciantes


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