Lei contra diversidade na publicidade sai da pauta da Alesp
Emenda apresentada no plenário da Assembleia consegue assinaturas suficientes para que a proposta seja rediscutida nas comissões parlamentares
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Alexandre Zaghi Lemos
28 de abril de 2021 - 19h11
O plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) decidiu nesta quarta-feira, 28, que o Projeto de Lei 504/2020 que tenta barrar a diversidade na publicidade deve voltar às comissões, nas quais já havia sido aprovado anteriormente. A emenda que retrocedeu o tramite da proposta conseguiu a adesão de mais de 25 deputados, quando o mínimo necessário para retirá-la da pauta do plenário eram 19.
O Projeto de Lei 504 tramitava em regime de urgência e pretendia proibir mensagens publicitárias com “alusão a a gênero e orientação sexual, ou a movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças”. O projeto, apresentado na assembleia paulista em agosto do ano passado, é de autoria da deputada Marta Costa, do PSD. A autora alega que “o uso indiscriminado deste tipo de divulgação traria real desconforto emocional a inúmeras famílias”, por “estabelecer prática não adequada a crianças que, ainda, sequer possuem, em razão da questão de aprimoramento da leitura (5 a 10 anos), capacidade de discernimento de tais questões”. A proposta da deputada considera, ainda, que a lei é necessária para evitar a “inadequada influência” da publicidade na formação de jovens e crianças.
Ascensão da insanidade
Ainda em agosto do ano passado, o projeto recebeu uma emenda da deputada Janaina Paschoal, do PSL, que deu a ele a redação atual, trocando a expressão original “preferências sexuais”, usada pela deputada Marta Costa, por “gênero e orientação sexual”.
No mês passado, o projeto de lei teve aprovado o seu Requerimento de Urgência e foi aprovado em reunião conjunta das Comissões de Constituição, Justiça e Redação, de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais, e de Finanças, Orçamento e Planejamento. O voto vencedor foi o do relator deputado Gilmaci Santos, do Republicanos, favorável ao projeto da deputada Marca Costa e à emenda da deputada Janaina Paschoal. Dos presentes, 14 deputados seguiram o voto do relator e sete se manifestaram em apoio ao voto em separado da deputada Erica Malunguinho, do Psol, para quem “associar a violação dos direitos das crianças e adolescentes às diversidades sexuais e de gênero é desumanizador e cruel”. O argumento da deputada Erica Malunguinho é o de que o Projeto de Lei “expõe uma intenção absolutamente danosa e negativa, ferindo princípios básicos de cidadania e luta contra discriminação em decorrência de gênero ou orientação sexual”. Por fim, a deputada do Psol propôs a redação do texto fosse para vedar a publicidade “que contenha alusão a drogas, sexo e violências explícitas, relacionados a crianças”.
Nas últimas semanas, a Assembleia recebeu cerca de 50 moções de repúdio de entidades da sociedade civil, movimentos sociais e empresas. Um dos pareceres contrários é do Procurador-Geral de Justiça Mário Luiz Sarrubbo, que aponta inconstitucionalidade, entre outras razões, pelo fato do Projeto de Lei estadual interferir na atividade de propaganda comercial “sem respeitar a competência exclusiva da União, ainda que tente dissimular esse desiderato ao evocar razões ligadas à proteção de crianças e adolescentes”. Segundo Sarrubbo, o projeto “viola, a um só tempo, os direitos de dignidade, respeito e igualdade da pessoa LGBTQIA+, os direitos de desenvolvimento sadio e livre das crianças e adolescentes e o direito à liberdade de expressão”. Ele conclui dizendo que “a existência desse Projeto de Lei, por si só, tem seus efeitos psicológicos devastadores para a comunidade LGBTQIA+ e para as crianças e adolescentes que têm o direito de crescer em um pluriverso de valores, com plena liberdade de desenvolver suas subjetividades e possibilidades de existência. Por essa razão, necessário que, no exercício de sua missão institucional, e para não macular o processo civilizatório percorrido até o momento, o Ministério Público do Estado de São Paulo, fundamentado em princípios claros de direito internacional, na Constituição Federal e em diversos ditames legislativos não se furte, desde logo, ao posicionamento de que o Projeto de Lei 504 não seja acolhido, sob pena de se sujeitar a imediato e necessário questionamento de sua constitucionalidade”.
Lideranças de agências, anunciantes, veículos e produtoras se juntaram em um movimento que pretende aumentar os espaços de diversidade na indústria. Capitaneada pela Mutato, através de seu Comitê de Diversidade, a iniciativa visa não somente convencer os deputados paulistas a recusarem o projeto, mas, principalmente, avançar no comprometimento das empresas com metas concretas de inclusão e diversidade. A lista de apoiadores tem mais de cem nomes de lideranças do mercado publicitário.
“Nós precisamos aproveitar esse momento para criar iniciativas que sejam permanentes dentro e fora da indústria”, aponta Eduardo Camargo, fundador e co-CEO da Mutato. “É preciso garantir que nós tenhamos gente LGBTQIAP+ o suficiente dentro das agências, anunciantes, produtoras, por que aí fica mais difícil que atitudes retrógradas como essas aconteçam”, diz.
Para Felipe Simi, fundador, CEO e CCO da Soko e ativista pela causa LGBTQIAP+, as agências têm de reconhecer seu papel político. “O mercado precisa entender que isso só acontece porque a diversidade é ainda tratada na estetização de um produto criativo ou no máximo como um programa do RH. As empresas de comunicação precisam assumir seu papel político nessa e em outras pautas sociais ou não haverá avanço real. Além da humanidade ganhar com isso, ganha também o nosso negócio”, aponta, reforçando que agências e marcas alinhadas ao discurso da diversidade precisam cumprir, de fato, seu papel como agentes de mudança na sociedade para além dos produtos da comunicação. “Não estamos lutando aqui contra a censura ou pela liberdade das agências e anunciantes retratarem ‘a diversidade’ em suas campanhas. É muito mais sério que isso. Estamos lutando pelo nosso direito de existir. Quando os autores do projeto nos colocam como ‘figura danosa’, não querem somente nos eliminar da publicidade, querem nos eliminar da sociedade. A representatividade na propaganda ajuda, claro, a combater estigmas e desinformação. Mas, no País que mais mata LGBTs no mundo, no País em que a expectativa de vida de uma pessoa trans é estimada em 35 anos, no País que tem um membro da comunidade agredido a cada hora, a pauta prioritária segue sendo uma só: sobreviver. A equação é simples: quanto mais retrocessos, mais violências autorizadas, mais mortes”, defende Simi.
Na semana passada, a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap) divulgou comunicado assinado por seu presidente, Mario D’Andrea, no qual classificou a proposta como inconstitucional. “É importante destacar que a publicidade reflete a sociedade em que está inserida, e a vedação proposta pelo PL caracteriza-se por censura de conteúdo, abrindo um precedente perigosíssimo para a liberdade de expressão e aos direitos de minorias”, escreveu o presidente da Abap.
Nelcina Tropardi, presidente da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), também se manifestou publicamente: “A publicidade deve fazer a representação justa da realidade da sociedade que, por essência, é completamente diversa e, sem dúvida, um importante passo no combate a preconceitos de todos os tipos. Tal projeto de lei, contudo, segue na contramão criando estereótipos e discriminando pessoas”.
Colaborou Taís Farias
**Crédito da imagem no topo: Mercedes Mehling/Unsplash
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