Por que o mercado questiona a Lei das Fake News?
Plataformas, organizações de publicidade e de direito consideram que PL 2.630/2020 causaria prejuízos à pequenas e médias empresas e à liberdade da internet
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Thaís Monteiro
25 de fevereiro de 2022 - 14h14
Proposto em 2020, o Projeto de Lei 2.630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, tem ganhado manifestações contrárias no últimos meses, quando uma nova versão, mais especificamente o artigo nº 7, impôs maiores restrições ao compartilhamento de dados dos usuários, o que, segundo alguns players do mercado, tornaria dificultosa a entrega de publicidade direcionada.
Nesta quinta-feira, 24, plataformas como Facebook, Google, Instagram e Twitter, além da empresa de comércio eletrônico Mercado Livre, divulgaram uma carta manifestando que o projeto desvirtou de seu objetivo, que seria combater a desinformação e responsabilizar plataformas, para tornar os custos operacionais maiores e prejudicar anunciantes, principalmente as pequenas e médias empresas. Antes disso, em dezembro de 2021, o IAB Brasil (Interactive Advertising Bureau) lançou um manifesto pedindo a revisão de alguns pontos considerados pela instituição como críticos à economia.
A Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet visa estabelecer normas, diretrizes e mecanismos de transparência para provedores de redes sociais, ferramentas de busca e de serviços de mensageria instantânea através da internet, cujo número de usuários registrados no País seja superior a 10 milhões, assim como estabelecer diretrizes para seu uso.Patrícia Peck, sócia do Peck Advogados e membro titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais (CNPD), indica que a PL cumpre um papel importante na instituição de um regime de responsabilidade e transparência para as plataformas digitais, já que isso não foi estabelecido pelo Marco Civil da Internet e que, atualmente, é clara a influência desses espaços para a comunicação e cumprimento de leis.
Porém, ela afirma, os requisitos sugeridos, de fato, podem prejudicar as próprias plataformas, que terão impactos de custos, já que deverão criar procedimentos extras e alterar estruturas internas para cumprir às ordens, e os parceiros que dependem delas para dialogar com o público. Alguns dos artigos impõem que os provedores de redes sociais e de mensageria tenham representantes legais no Brasil e acesso aos bancos de dados; a produção de relatórios trimestrais de transparência, informando as medidas tomadas para cumprimento da lei; e adverte que o descumprimento dessas ordens estará sujeito a advertências e multas de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil.
“A primeira pergunta que todos estão tentando responder é: Como extirpar a fake news do modelo de negócios das plataformas? O pesadelo de todo inventor é justamente ver o desvio de uso da sua invenção para propósitos maléficos. Infelizmente, qualquer medida para combater a desinformação vai trazer mudanças”, diz Patricia. “Qualquer plataforma onde, de algum modo, existe a distorção na qual o uso de fake news faz parte de um modelo para aumentar engajamento e tráfego será afetada. Isso vai exigir reeducar os próprios algoritmos”, complementa.De acordo com Cris Camargo, CEO do IAB Brasil, desde suas primeiras versões, a PL já indicava riscos para a industria da comunicação. A organização listou alterações que propõe em 11 dos 42 artigos. No entanto, o artigo 7 é aquele mais questionado. Nas palavras da executiva, ele “torna praticamente ilegal a publicidade direcionada.” Ele diz: “Para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos nesta Lei, os provedores devem elaborar suas regras próprias respeitando a legislação nacional e aplicá-las com equidade, consistência e respeito ao direito de acesso à informação, à liberdade de expressão e à livre concorrência: 1º Fica vedada a combinação do tratamento de dados
pessoais dos serviços essenciais dos provedores com os de serviços prestados por terceiros, quando tiverem como objetivo exclusivo a exploração direta e indireta no mercado em que atua ou em outros mercados; 2º O provedor que armazenar e utilizar dados de qualquer natureza em desacordo com o disposto no § 1º, incorrerá em infração prevista no disposto no art. 36 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011”.
Segundo Peck, a exploração direta pode se referir a algum tipo de verificação realizada pelo provedor para permitir o uso de um app, e a exploração indireta ocorre, por exemplo, no compartilhamento das informações com empresas parceiras.
Como a proposta veta o cruzamento de dados, a mesma torna a contratação de terceitos para a publicidade direcionada inviável, assim como o uso de softwares para disparo de mensagerias. Conforme cita o IAB e a carta conjunta das plataformas, as PMEs seriam uma das grandes prejudicadas, pois elas usam estratégia de disparo de mensagens e anúncios e serviços digitais.
“Quando lemos sobre o objetivo do projeto, obviamente o senso comum nos leva a concordar com todo o processo. Afinal de contas, quem não é contra a desinformação? O problema é que a forma proposta vai engessar o mercado e isolar o Brasil mundialmente, já que não há em um único país proibições que inviabilizem desta forma atividades tão fundamentais para o setor. O IAB Brasil não discorda do motivo deste projeto. Porém, acredita que a forma de mitigar e reduzir a desinformação não pode prejudicar economicamente nosso País”, argumenta a CEO.
Na questão do cruzamento e compartilhamento de dados, a PL 2.630/2020 acaba batendo de frente a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Segundo a Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB/SP a PL impõe mais regras do que a LGPD pois, ao considerar os tratos de dados pessoais por terceiros com o objetivo de explorar o mercado direta ou indiretamente uma infração, o projeto de lei impede a verificação em dois fatores, como enviar mensagens aos usuários, o uso de controladores de dados e a inovação. Para Cris, as obrigações de prestação de contas e compliance colocam em risco a confidencialidade de estratégias de planejamento de agências e anunciantes.Patrícia explica que essas medidas não estavam dispostas no texto original da PL e, portanto, não foram amplamente debatidas como os demais artigos. Na opinião da especialista, o foco do projeto de lei deve ser o de combate à desinformação e se amparar na LGPD nos temas relacionados à privacidade e segurança de dados. “De fato, temos que ter muito cuidado para que o PL 2630 não vire uma ‘colcha de retalhos’ e acabe se desviando do seu propósito original que é o combate à desinformação. Se já temos a LGPD para o tema da proteção de dados pessoais basta a legislação fazer referência a ela, devemos harmonizar as leis e evitar o uso oportunístico de ‘penduricalhos legais’ para tentar alterar o que uma lei já tratou através de outra lei que teria outra temática”, coloca.
Remuneração à veículos
Outro argumento contrário a PL é o de que ela ameaçaria internet livre, democrática e aberta, pois propõe que as plataformas remunerem os veículos jornalísticos que publicam em tais redes, o que pode favorecer as empresas de conteúdo maiores e mais tradicionais e prejudicar o jornalismo independente. ” Isso vai totalmente na contramão das demandas da sociedade pela preservação de um debate público saudável, confiável e em igualdade de condições”, diz a carta das plataformas.
A Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPublica), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Associação Brasileira de Mídia Digital (ABMD), Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Associação Profissão Jornalista (APJor), Coalizão Direitos na Rede (CDR), Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e Movimento Conteúdo Jornalístico Tem Valor também assinaram um manifesto reforçando o jornalismo como pilar democrático e questionando como se daria a remuneração, o que seria considerado jornalismo, como seria fiscalizado, entre outros pontos. “Entendemos que o debate sobre a sustentabilidade do jornalismo deve ser feito com tempo adequado e, principalmente, ouvindo organizações em defesa da liberdade de expressão e acesso a informação, empresas e profissionais do setor”, defende o manifesto.
A PL 2.630/2020 já foi aprovada pelo Senado e está em fase de revisão para votação na Câmara dos Deputados. Patrícia opina que é possível que sejam realizadas mudanças na versão para alinhar o interesse de classes que não concordam com a versão atual do texto.
Nesse meio tempo, as organizações do setor se organizam para pressionar tais alterações. O IAB diz já ter compartilhado suas preocupações com o Grupo de Trabalho responsável pelo projeto, participa das sessões na Câmara e mesas redondas com parlamentares, e está buscando chamar a atenção de profissionais e empresas. O abaixo-assinado que pede a revisão do texto criado pelo IAB já conta com a adesão de 550 profissionais do mercado, informa a CEO.
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