Por que as pessoas querem sair de seus empregos?
No Brasil, no terceiro trimestre de 2021, 51% das demissões de profissionais qualificados já aconteceram a partir do desejo dos próprios colaboradores
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Taís Farias
29 de março de 2022 - 6h01
Dentre os seus inúmeros efeitos colaterais, a pandemia da Covid-19 levou o mundo a pensar mais sobre a saúde. Entre o recorte do privilegiado grupo que adotou os modelos de trabalho à distância, flexibilidade, bem-estar e propósito se tornaram pautas, cada vez mais, frequentes. O que os dados mostram é que esse movimento vem levando mais pessoas a escolherem, voluntariamente, deixar seus trabalhos e ir em busca de oportunidades que atendam melhor às suas necessidades. Nos Estados Unidos, esse fenômeno ficou evidente a partir de julho de 2020.
Segundo dados do Departamento do Trabalho dos EUA, divulgados pela CNBC, em janeiro deste ano, quase 4,3 milhões de pessoas deixaram seus empregos. Isso significa que o índice de demissões continua 23% acima dos níveis pré-pandemia. Em 2021, os EUA atingiram um recorde com 48 milhões de pessoas deixando os seus empregos. O movimento ficou conhecido como Great Resignation ou Big Quit, em inglês, o que pode ser traduzido como Grande Demissão. Êxodo de Talentos e Fuga de Talentos são outros termos usados para denominar a onda de demissões em massa que começou no último ano.
Vale destacar que o movimento não foi linear e nem guarda uma relação diretamente proporcional com a pandemia. Segundo informações do Instituto de Política Econômica dos EUA, nos estágios iniciais da crise sanitária, as taxas de demissão despencaram. No entanto, em julho de 2020, voltaram aos níveis pré-pandêmicos e passaram a atingir números recordes a partir de abril de 2021. Em outubro, o Big Quit virou tema de pesquisa da McKinsey. A análise foi categórica: os executivos que acreditam que a evasão de profissionais está diminuindo ou que está restrita a alguns setores específicos estão enganados.
Na análise, 40% dos funcionários afirmaram haver, no mínimo, uma probabilidade moderada de deixarem seus empregos nos próximos três a seis meses. Já para 18% a possibilidade de demissão varia entre provável e quase certa. Os resultados se mantêm nos cinco países pesquisados – Austrália, Canadá, Singapura, Reino Unido e Estados Unidos – provando que a questão não é uma exclusividade norte-americana. 53% das empresas ouvidas afirmaram estar enfrentando uma rotatividade voluntária de funcionários maior do que nos anos anteriores e 6$% acreditavam que o problema ia continuar ou até se agravar nos seis meses seguintes.
Diferente do que se pode imaginar, as demissões não estão necessariamente relacionadas à conquista ou possibilidade de um novo emprego.
Entre os funcionários ouvidos na pesquisa da McKinsey, 36% dos que haviam pedido desligamento nos últimos seis meses o fizeram sem ter um novo emprego em vista.
De olho nesse movimento, em janeiro, a Robert Half, empresa de recrutamento especializado, iniciou uma pesquisa a partir da tese de que a tendência da fuga de talentos também pode estar se desenvolvendo no Brasil, com o recorte dos profissionais qualificados de mais de 25 anos. Para isso, entre 3 e 30 de novembro do ano passado, a empresa ouviu mais de 1.100 profissionais, igualmente divididos entre recrutadores, empregados e desempregados. No estudo, 49% dos empregados disseram que pretendem buscar novas oportunidades em 2022. Ao serem questionados sobre a motivação, 61% querem mudar de empresa, mas permanecer na mesma área. Os outros 39% afirmam ter interesse em uma nova área, segmento ou profissão.
Com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a consultoria ainda concluiu que 51% das demissões dos profissionais qualificados no terceiro trimestre de 2021 ocorreram a pedido dos próprios profissionais. Por profissionais qualificados, são consideradas as pessoas acima de 25 anos, que possuem curso superior completo e atuam no mercado de trabalho privado.
Emprego no Brasil
Há, no entanto, uma série de delicadezas e complexidades ao transpor qualquer tendência norte-americana para o cenário brasileiro, especialmente, quando considerado o contexto de uma pandemia que se arrasta há dois anos, gerando aumento sensível das desigualdades, e um período eleitoral que se aproxima.
Na metade de março, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentou a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua, a Pnad Contínua. Nela, a taxa de desemprego no País ficou em 11,2% no trimestre encerrado em janeiro. O número representa um recuo de 0,9 ponto percentual na comparação com o trimestre anterior. É a menor taxa para o período desde 2016, quando registrou 9,6%. O índice de desocupação teve uma queda de 6,6%, chegando a 12 milhões de pessoas.
Apesar do aparente avanço, a renda média do brasileiro (rendimento real habitual) voltou a cair – menos 1,1% em relação ao último trimestre e menos 9,7% na comparação com o mesmo período de 2021. Com isso, a renda média do brasileiro ficou em R$ 2.489. Também de acordo com dados do IBGE, no terceiro trimestre de 2021, a taxa de desemprego de profissionais qualificados no Brasil foi de 6,3%. Segundo especialistas, números próximos a 5% são indicativos de pleno emprego.
Para o professor Marco Túlio Zanini, da FGV Ebape, essa disparidade não é incomum e é uma marca da estrutura brasileira. Ele conta que o desemprego afeta toda a cadeia de empregos, mas tem um efeito imediato nos profissionais menos qualificados. “Se você reduz o consumo, afeta diretamente a expansão das empresas”, explica Zanini. Isso leva aos profissionais que trabalham na operação – o chamado “chão de fábrica”.
Em paralelo, o professor entende, que em momentos de alta complexidade, aumenta a demanda por profissionais mais qualificados. “Há sempre uma busca por essas características necessárias em momentos de crise”, defende. A partir da explicação do professor, se torna mais plausível entender por que, em meio a um momento de crise e índices altos de desemprego, ainda exista espaço para que uma seleta camada da população repense sua concepção de trabalho e se sinta motivada a aderir ao Big Quit.
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