Políticos sabem usar a internet?
Em tempos digitais, políticos continuam pensando analogicamente
Em tempos digitais, políticos continuam pensando analogicamente
Editorial
5 de abril de 2016 - 10h30
(*) Por Marcelo Vitorino
Em conversa com alguns profissionais de marketing digital, todos bem conceituados, uma pergunta surgiu: “qual o político que melhor usa a internet?”. Um ou outro arriscou dizer um nome, mas em seguida teve a indicação rechaçada pelo grupo. A verdade é que existem poucos políticos com esse perfil.
Vamos pelos nomes citados: Romário, Bolsonaro, Jean Wyllys e ACM Neto. Todos podem ser considerados figuras midiáticas, com bastante exposição na web e nos demais meios de comunicação.
Fiz uma breve pesquisa nos sites e redes sociais de todos e a conclusão não poderia ser mais espantosa: estão completamente deslocados no uso da tecnologia e na condução da comunicação. Para não ser injusto, dentre os quatro, Romário faz um trabalho um pouco melhor, mas ainda assim desconsiderando pontos importantes.
Sendo mais claro, para que serve a internet, no caso de um político ou uma figura pública? Serve para comunicar, levar a mensagem a toda e qualquer pessoa interessada pelo político, projetos, atuação e temas coincidentes.
As pessoas querem saber basicamente três coisas: quem é o político, como pensa e o que está fazendo em defesa do seu eleitorado. Na parte do “quem é” os quatro se mostram distantes do que vem a ser uma comunicação digital. Romário, Bolsonaro e Wyllys têm, em seus sites, páginas biográficas, todas escritas em terceira pessoa. ACM nem chega a tanto: seu site, indicado na sua página no Facebook, está fora do ar.
Poucos são os políticos que entendem que a apresentação em um site pessoal deve, necessariamente, ser pessoal. Na Argentina, Macri entendeu. Aqui o deputado Efraim Filho, presidente da CPI dos Fundos de Pensão, adota o tom de primeira pessoa, uma raridade.
No quesito “como pensa”, também não há surpresa. A maioria se resume a não opinar sobre temas importantes, como violência doméstica, modelo educacional, legalização do aborto ou qualquer outro assunto que possa desagradar determinado público. Em compensação, há muitas frases de efeito e fotos de agenda.
Nenhum dos sites visitados mostrou com clareza a atividade do político de forma organizada e segmentada, por tipo de ação ou grupo beneficiado. Logo, se o visitante tem interesse em uma área qualquer, como educação ou segurança pública, não encontra uma forma rápida de chegar ao conteúdo.
Do ponto de vista tecnológico, qualquer um dos quatro exemplos é uma abominação. O eleitor só chegará a um deles caso digite seu nome, o que é prova do uso inadequado da tecnologia.
Como exemplo, faça buscas no Google com “direitos de pessoas com deficiência”, “deficiência intelectual” ou qualquer outra variável e tente encontrar o site do Romário, um dos maiores defensores da causa. Fui até a décima página de resultados sem nenhuma menção ao trabalho do parlamentar. Na prática, isso significa que quem foi beneficiado pelo trabalho acaba não tendo a conexão com os políticos envolvidos.
Esse problema acontece por dois motivos: falta de compreensão da equipe que atualiza os canais do candidato e plataformas desenvolvidas sem políticas para mecanismos de busca. Fora a questão da “encontrabilidade”, há também a da usabilidade. Nenhum dos sites mostrou serem adequados para quem está visitando a partir de um celular, que hoje representa a maior porta de entrada para o uso da internet.
Para muitos políticos, a vida digital resume-se a redes sociais, mais precisamente Facebook, Twitter e Instagram. O que é um equívoco gigantesco quando o assunto são canais de comunicação. Redes sociais funcionam basicamente como divulgação em rádio, jornal e televisão, tendo reverberação momentânea e, geralmente, patrocinada. Cerca de dois ou três dias depois que um conteúdo é disseminado no Facebook, o mesmo perde sua serventia.
O caminho para a presença constante dá-se por meio dos sites, que na grande maioria dos casos, por falta de visão de longo prazo, são considerados dispensáveis.
Sites bem construídos e atualizados com profissionalismo, servem de âncoras para toda a presença digital de um político. O site é o lugar para aprofundar discursos, publicar conteúdos que possam ser encontrados, coletar dados dos simpatizantes para contato posterior e combater ameaças.
Como se tudo o que coloquei acima fosse pouco, há ainda a proibição legal para investimento publicitário em período eleitoral, ou seja, quando o político mais precisa expandir seu discurso, suas redes sociais serão praticamente inúteis, dadas as políticas que reduzem a exposição dos conteúdos sem que sejam patrocinados.
A falta de interesse em conhecer como as coisas funcionam na web poderá custar muito caro aos políticos brasileiros.
Marcelo Vitorino é sócio da Presença Online e consultor de comunicação e marketing digital
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