As estratégias de marca de Stan Lee
Publisher soube fazer da Marvel uma poderosa plataforma de negócios e foi um mestre do marketing pessoal
Publisher soube fazer da Marvel uma poderosa plataforma de negócios e foi um mestre do marketing pessoal
Igor Ribeiro
13 de novembro de 2018 - 18h26
Além do legado de Stan Lee (1922-2018) como publisher, roteirista e cocriador de alguns dos mais icônicos personagens do universo Marvel, ele também ficará na memória por seu tino para negócios e seu apelo pop. Afinal, ele foi o responsável por soluções que ajudaram a criar um conjunto de marcas poderosas, colocando-se muito publicamente à frente dessas iniciativas, e investindo boa parte de seu tempo em marketing pessoal.
“Ele sempre foi uma figura muito pop, não se escondia, colocava o rosto… No início da editora, escrevia ele mesmo a seção de cartas”, lembra Ivan Costa, diretor da agência de talentos e produtora de eventos Chiaroscuro e sócio-fundador da Comic Con Experience. “Com a notícia de seu falecimento, vieram à tona várias repostas dele a leitores em que há 40, 50 anos ele já tinha um discurso anti-racismo, pela igualdade e liberdade… Para ele, histórias em quadrinhos não eram um espaço para preconceito e sempre defendia muito esses e outros temas.”
Sua visão dos efervescentes anos 1960 — quando ganhavam corpo os movimentos civis por igualdade racial, o feminismo e a geração hippie — era de que esses debates deveriam ter reflexo também nas HQs. “A Marvel ficou por décadas na frente das vendas, e boa parte do motivo foi o fato de estar engatada aos acontecimentos da época. Até os cenários passaram a ser cidades reais, como Nova York e Los Angeles, próximas dos leitores, e não lugares inventados como Gotham City e Metropolis”, fala Ivan, citando as cidades protegidas por Batman e Super-Homem, heróis da editora rival DC.
“Stan tinha essa essência do profissional de comunicação de entender o ambiente em sua volta, observar tendências e criar conteúdos em consonância com a sociedade”
Benchmark e branding
O público se encontrou geográfica e emocionalmente na Marvel, pois seus heróis tinham problemas como seus fãs. Os personagens de outras editoras eram considerados imbatíveis e mitológicos. Mas Stan percebeu que, para atrair mais leitores, eles deveriam se enxergar nos heróis. Assim, Peter Parker, o alter ego do Homem-Aranha, era um órfão que morava com a tia, apaixonado pela menina para a qual não conseguia se declarar. O Quarteto Fantástico era uma família disfuncional, com brigas internas. Stan também criou os primeiros heróis negros na indústria de HQ americana, como Luke Cage e Pantera Negra, e o primeiro deficiente físico, o Demolidor.
Morre Stan Lee, ícone da Marvel
Para Ivan, que antes de se dedicar a quadrinhos trabalhou na área de marketing de grandes empresas como Ibmec e Ericsson, Stan tinha “essa essência do profissional de comunicação de entender o ambiente em sua volta, observar tendências e criar conteúdos em consonância com a sociedade”. Ele lembra que o publisher teve um benchmark para criar o Quarteto Fantástico: a Liga da Justiça, da rival DC, que teve algum sucesso ao reunir heróis num supergrupo. Além disso, Stan Lee teve insights de branding que construíram um portfólio muito forte. “Se reparar, todos heróis tem um adjetivo grande e eloquente atrelado a ele: O Incrível Hulk, The Amazing Spiderman, o Poderoso Thor… Ele criou marcas que já imbuíam slogan e vendia tudo num pacote só. Qualificava o personagem já no nome, na capa de revista”, conta Ivan.
“Certamente, esses heróis popularizaram mais os quadrinhos”, afirma João Paulo. “O Capitão América, por exemplo, era um personagem da 2ª Guerra Mundial, surgido como uma resposta à depressão americana das décadas anteriores e como um ícone de patriotismo e superação. As pessoas buscavam isso naquela época, mas quando Stan começou a ser um profissional com mais responsabilidades, um editor, ele quis levar essa ideia ao público adulto, por isso a humanização dos personagens.” Para Ivan Costa, esses movimentos ajudaram a puxar até mesmo a indústria de quadrinhos como um todo que, após experimentar algum sucesso no pós-guerra, entrou em queda poucos anos depois.
Cinema e cameo
Apesar do sucesso nos quadrinhos, os executivos da Marvel, Stan incluso, sempre tiveram interesse em levar seus personagens às telas. Alguns personagens, como Hulk e Homem-Aranha, acabaram ganhando séries de TV, com efeitos especiais bastante rudimentares, assim como alguns filmes que vieram posteriormente. O sucesso de Superman com o ator Christopher Reeve alimentou esperanças, mas se o papel aceitava tudo que saísse da imaginação, os efeitos especiais não conseguiam, na época, traduzir superpoderes com confiança. Novamente, a DC saiu na frente com o Batman com Michael Keaton no papel principal, em 1989. Mas o detetive mascarado, um dos mais terrenos dos super-heróis, exigiu mais da inventividade do diretor Tim Burton do que computação gráfica. Foi somente com os X-Men, em 2000, que a Marvel deu o tom do que poderia fazer no cinema. Hoje, suas franquias são recorde de público ano após ano — não raro também ganham elogios da crítica.
Apesar disso, Stan Lee fez pontas em todos os filmes da Marvel, geralmente com humor, não raro ironizando a si mesmo. “Você sabe que ele estava sendo um personagem quando aparecia e não levava as coisas muito a sério”, diz o editor da Panini. Nessas atuações, Stan fez uma variedade de papeis, desde penetra de festa a segurança privado. Os chamados “cameo”, ou “aparição”, fizeram sucesso e o próprio Stan protagonizou um branded content para a Audi, dirigido por Kevin Smith, em que dava aulas de cameo. Foi ao ar em 2015 e contou ainda com os atores Lou Ferrigno, Tara Reid e Michael Rooker (veja a seguir). “Sem dúvida ele entendia de marketing, tanto dos produtos, como pessoal”, diz Bernardo.
Stan Lee soube se utilizar tão bem da própria imagem que muitos atribuem unicamente a ele a invenção de personagens dos quais foi, na verdade, cocriador. Steven Dikto, por exemplo, ajudou a conceber a arte de Homem-Aranha. Seu falecimento, também neste ano, foi lamentado pelos fãs do personagem, artistas, desenhistas e outros que conheciam a história do herói aracnídeo e seu primeiro desenhista. Mas a comoção gerada em torno de Stan Lee foi muito mais ampla — consequência direta de sua exposição. “O Jack Kirby (com quem criou era Hulk e Quarteto Fantástico, entre outros) faleceu em 1994 e Dikto era absolutamente recluso. Ainda fazia HQs autorais, mas não ia a eventos, não autografava nada”, diz o sócio do Chiaroscuro. “O Stan percebeu que também era um personagem, aparecia nas histórias, nas séries, nos filmes e nos eventos. Assumiu muito espertamente o manto de criador, apesar de ser cocriador do universo Marvel, ele surfou isso muito bem”.
Alguns desses itens autografados estarão na exposição Quadrinhos, que o MIS de São Paulo abre nesta quarta-feira, 14, e fica em cartaz até março do ano que vem, com curadoria de Ivan Costa. Além de fazer um retrospecto da história da arte sequencial em mais de 600 itens, há uma área dedicada à Marvel, com exemplares raros de Quarteto Fantástico, Doutor Estranho e Homem-Aranha assinados por Stan Lee.Compartilhe
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