Dia Mundial do Meio Ambiente: algo a celebrar?
Greenpeace, Green Nation e SOS Mata Atlântica analisam o cenário geral e ações públicas e privadas quanto à sustentabilidade
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Roseani Rocha
5 de junho de 2020 - 6h00
Nesta sexta-feira, 5 de junho, se comemora – ou se protesta – o Dia Mundial do Meio Ambiente, data estabelecida ainda na década de 1970 pela Organização das Nações Unidas (ONU). Excetuando-se visões negacionistas da gravidade dos problemas ambientais que o mundo enfrenta – aquecimento global, emissão de poluentes, desmatamento – é consenso para a maioria das pessoas que os recursos naturais correm riscos que, em última instância, ameaçam também a própria qualidade de vida do ser humano. Nos últimos anos, muitas empresas e suas marcas têm declarado adesão a iniciativas de sustentabilidade ambiental e proteção ao meio ambiente. Mas o suficiente está sendo feito? Como levar essa bandeira sob um governo cujo Ministro do Meio Ambiente tenta aprovar anistias a desmatadores? Como continuar defendendo essa causa durante e após a pandemia?
Estas e muitas outras reflexões serão feitas ao longo desta sexta-feira, em diferentes iniciativas. O Green Nation, fundado em 2012 pelo geógrafo Marco Didonet, promoverá uma mega live – das 10 h às 16 h – com parceria do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Conservação Internacional-Brasil e Globo. Durante as seis horas de transmissões via Facebook, YouTube e site, participarão especialistas, educadores, artistas e instituições. Estão confirmados Ailton Krenak (líder indígena, ambientalista e escritor), Sônia Guajajara (líder indígena), Bela Gil (chef e apresentadora), Viviane Mosé (filósofa e psicanalista), Eliane Brum (jornalista), Fritjof Capra (doutor em física, cientista, ambientalista, educador e ativista) e Sidarta Ribeiro (neurocientista, biólogo, neurobiólogo e professor universitário), além dos atores Marcos Palmeira, Mateus Solano, Juliana Paes, Mariana Ximenes e Christiane Torloni.
Questionado sobre o que é fundamental para empresas/marcas tirarem a sustentabilidade do plano do discurso, Marco Didonet defende, por exemplo, a criação de departamentos ou coordenadorias com profissionais que entendem de economia circular, pois somente a implementação dessa prática resultará na economia da produção, com menor consumo de água, energia e insumos. “Lá na outra ponta, no pós-consumo, acontece redução drástica de resíduos jogados no ambiente, que poluem rios e mares ou comprometem os aterros sanitários, que custam fortunas”, pondera lembrando que no caso das embalagens o País já possui uma Lei da Logística Reversa, que dá poderes aos órgãos fiscalizadores de monitorar e multar empresas que não obedecem seus parâmetros.
Ele também alerta as empresas ao fato de que o consumidor, a cada nova geração, é mais atento ao “green washing” e quem insistir nessa prática tende a ter suas marcas punidas nas redes sociais e no mercado. “Portanto, a sobrevivência de uma marca é o compromisso com a verdade e com a minimização de impactos negativos tanto na saúde do organismo quanto no ambiente, de forma comprovada”, diz Didonet.
Já sobre uma polêmica recente em que diversas associações industriais de diferentes setores – em alguns casos sem conhecimento de seus próprios associados – assinaram um manifesto em apoio à política do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles de passar reformas (ou “a boiada”) enquanto a imprensa estava entretida com a Covid-19, Didonet chama a postura do governo para a área de suicida e empresas que a apoiam fazem parte de uma velha guarda do mundo empresarial, mas que ainda predomina no Brasil: “O empresariado brasileiro, com raras exceções, é talvez uma das classes mais imediatistas do planeta. O lucro rápido em primeiro lugar, que contradiz com o grande movimento já em marcha de corporações internacionais que captaram a nova tendência do consumir”. Essa tendência seria a da adequação de mecanismos de aquisição de insumos, produção e comercialização de forma a minimizar os impactos no ambiente, mantendo lucro e fidelizando consumidores.
Mariana Mota, do time de políticas públicas do Greenpeace Brasil, considera a celebração do Dia Mundial do Meio Ambiente “lamentavelmente”, uma data que tenha de funcionar como um movimento de levante da sociedade civil, pelo direito ao meio ambiente e à vida de todos, em especial agora no contexto de pandemia, em que um meio ambiente equilibrado também tem sua influência, em particular para populações indígenas tradicionais.
Para a ambientalista, o apoio de associações empresariais à fala de Ricardo Salles além de desrespeitar as famílias de mortos pela Covid-19, mostrou incoerências e que não tinha bases tão sólidas quanto pretendia mostrar, pois muitas empresas ligadas a essas associações não sabiam do anúncio. Na campanha que batizou “Nome aos bois”, o Greenpeace foi até empresas associadas a tais instituições para cobrar um posicionamento. Houve desde casos de associações que voltaram atrás (caso da Abihpec) ao de empresas que saíram da respectiva associação. “Embora tenha havido empresas que não soubessem, elas tiveram que ser cutucadas para se manifestar sobre aquilo. Têm que ter responsabilidade, não dá para passar ao largo da questão, participar de políticas que destroem o meio ambiente”, afirma Mariana.
Outro problema é a declaração de intenções e sua colocação em prática. E este é um problema em especial na indústria de carne, ainda uma das mais prejudiciais ao meio ambiente, segundo o Greenpeace, por utilizar extensas áreas e envolver uma disputa violenta de terras. Empresas como JBS e Marfrig têm declarado ter políticas ambientais, mas ainda não conseguem, segundo ela, garantir a boa conduta de toda a cadeia de fornecimento, (nesta 5ª-feira, 04, o Greenpeace soltou uma denúncia sobre invasões ao parque estadual da Serra Ricardo Franco, numa região entre Cerrado, Pantanal e Amazônia).Ela pontua que as empresas já sabem que o consumidor quer empresas mais responsáveis ambientalmente e que não bastam palavras. Por outro lado, considera, hoje, o governo federal como principal inimigo do meio ambiente no País e, por isso, cobra que o setor privado assuma uma postura mais ativa na proteção ambiental. Inclusive porque a situação tem chegado a um ponto em que mercados internacionais mais exigentes no tema não querem “arriscar” estabelecer negócios com o Brasil, o que também afasta investimentos e empregos – caso da União Europeia que tem ameaçado cortar laços com o Mercosul.
A SOS Mata Atlântica, que celebrou em 27/05 também o Dia da Mata Atlântica, divulgou recentemente o vídeo manifesto “Continuam tirando o verde da nossa Terra”, uma petição no portal Avaaz, pelo respeito à integridade do que resta desse bioma e divulgou dados atualizados que apontaram aumento de quase 30% no desmatamento entre 2018 e 2019. Carlos Abras, coordenador de Negócios e Mobilização de Recursos da Fundação SOS Mata Atlântica, pontua que diante da pandemia que vivemos e envolve, inclusive, questões ambientais, “a solidariedade precisa ser global e a responsabilidade pelo ‘novo normal’, que que ainda desconhecemos, compartilhada”, nesse cenário do qual fazem parte empresas e consumidores.
Abras defende que as marcas incluam, definitivamente, a agenda da sustentabilidade em suas estratégias de negócios, uma vez que o próprio relatório do Fórum Econômico Mundial de 2020 apontou as mudanças climáticas como o principal fator de risco global aos negócios. Além disso, consumidores mais atentos e cientes de seu poder de influência, também darão preferência a itens com produção mais ética e limpa. “Recente estudo da BlackRock, maior gestora de recursos financeiros do mundo, aponta para essa direção – as empresas resilientes, com sólido posicionamento em temas de sustentabilidade, estão posicionadas para obter um melhor desempenho e devem ter melhores condições de enfrentar situações adversas. Portanto, evidências não faltam”, diz.
Ele também alerta ao fato de que mesmo as ONGs não estão imunes ao escrutínio das pessoas hoje em dia e nessa era do marketing 4.0, com a tecnologia permeando a vida de todos e se transformando em meio necessário para conectar marcas e consumidores, a transparência se tornou um valor e influenciará o “brand equity”.
Ao analisar a postura das marcas e empresariado brasileiro em relação a outros países, Carlos Abras avalia que há por aqui uma falta de conexão resultante do processo histórico de educação a que fomos submetidos, de não vincularmos meio ambiente a qualidade de vida e prosperidade dos negócios. Por isso, diz ele, é preciso mudar a cultura de quem toma as decisões nas empresas. Lembra, ainda, que todos os principais ciclos econômicos da história do País seguiram um modelo ultrapassado de desenvolvimento sustentado no mito da abundância, mas algumas empresas já perceberam que isso não pode mais ser considerado.
“Os gestores das empresas, principalmente das grandes, precisam entender que os consumidores sabem de tudo e o teto é de vidro. Não adianta divulgarem que apoiam causas como meio ambiente e no Congresso financiarem o enfraquecimento da legislação ambiental ou pressionarem os governos para afrouxarem as normas. A sociedade civil está atenta e irá cobrar”, lembra o coordenador da SOS Mata Atlântica.
(*) Crédito da imagem no topo: AvigatorPhotographer-iStock
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