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Por que comprar – e vender – roupas usadas está na moda?

Reavaliação dos hábitos de consumo e crescimento do debate ambiental no Brasil impulsionam os negócios de plataformas como Enjoei, Repassa e Cansei, Vendi


17 de fevereiro de 2022 - 6h02

Embora os brechós existam há muito anos, adquirir – e usar – peças de roupas usadas nem sempre foi algo visto com bons olhos pela maior parte das pessoas. Em uma sociedade que estimula o consumo, e com opções de peças dos mais variados preços, no momento em que procuram alguma roupa ou acessório, olhar as vitrines de uma loja ou acessar plataformas de e-commerce que comercializem peças novas acabam sendo os caminhos mais naturais.

 

Plataformas como o Repassa oferecem roupas, calçados e acessórios seminovos (Crédito: Reprodução/Facebook)

Um novo movimento global, que nos últimos anos começou também a dar sinais de presença no Brasil, já faz com que algumas pessoas olhem para o seu guarda-roupa (e para o bolso) com um pouco mais de atenção. Em vez de partir diretamente para a compra de camisetas, vestidos, blusas e tênis novos, por que não procurar esses itens nos armários de pessoas que já fizeram tais compras e que pouco utilizaram as peças?

É esse apelo que as plataformas de roupas e acessórios usados ou seminovos vêm utilizando para convidar o público a reavaliarem suas decisões de consumo. Originadas no meio digital, e, por isso, desfrutando da agilidade e do poder de alcance da internet, essas empresas vêm fortalecendo seu propósito em um momento em que a indústria da moda – e também os consumidores – começam a encarar as consequências de sua atuação também do ponto de vista ambiental.

“O consumidor está abrindo os olhos para o impacto ambiental e percebendo os benefícios desse modelo. Em média, usamos só sete vezes uma peça de roupa antes de descartá-la, então, há um apelo muito grande em tornar a moda mais consciente”, acredita Tadeu Almeida, CEO e fundador do Repassa. A plataforma de e-commerce. que no ano passado foi adquirida pela Lojas Renner S.A, negocia itens de roupas, calçados e acessórios usados e seminovos para todo o Brasil. A própria empresa faz a curadoria das peças junto aos vendedores, precifica os itens e realiza os processos de logística e entrega.

Recentemente, a empresa firmou uma parceria com a Levi’s com a proposta de disseminar seu conceito de moda sustentável. A cada R$ 500 em compras nas lojas da marca, os consumidores ganham uma “sacola do bem”, na qual podem colocar suas peças de roupas usadas e em bom estado, que poderão ser aproveitadas pela plataforma. Em contrapartida, essas pessoas ganhamo descontos em suas próximas compras na Levi’s. O Repassa já firmou parcerias para esse projeto com Havaianas, Aliansce Sonae, Shoulder, Dudalina, Malwee e Instituto Muda.

O criador da plataforma cita o mercado dos Estados Unidos como exemplo de crescimento do conceito de reaproveitamento da moda. Segundo ele, que cita dados da plataforma de revenda ThredUP, 74% dos consumidores de 18 a 29 daquele país preferem comprar peças de marcas sustentáveis e conscientes. Além disso, 40% da geração Z e 30% dos millenials já são consumidores de sites e plataformas de peças usadas. “No Brasil, esse mercado vem crescendo. Ainda que incipiente por aqui, a compra em brechós online tem se tornado tendência de consumo entre as gerações Y e Z. Para quem vende, as plataformas são uma fonte de renda extra e, para quem compra, uma oportunidade de renovar o guarda-roupa com peças muito mais baratas do que nas lojas tradicionais”, aponta.

 

Criado em 2013, como um blog, Enjoei acabou se tornando fenômeno de plataforma de compra e venda de itens usados (Crédito: Reprodução/Facebook)

Conceito fora de moda
Em 2012, os termos ESG e moda sustentável estavam bem longe de fazer parte das conversas das pessoas e das empresas. Mas, naquela época, a publicitária Ana Lu McLaren achou que seria bom desapegar dos itens que tinha parados em seu guarda-roupa e colocá-los à venda em seu blog, o Enjoei. Desde então, a empresa cresceu, passou a fazer parte dos negócios da Globo (a empresa se tornou sócia da marca em 2019) e acabou se tornando símbolo de plataforma de reaproveitamento de moda.

Ao longo desses anos, a conotação do uso de roupas e acessórios usados mudou bastante, na visão de Ana Lu. “Há pouco tempo, brechó era sinônimo de roupas antigas, algo de outra geração. O tema da circularidade na moda é relativamente novo. Há dez anos, quase não ouvíamos falar sobre isso mas, nos últimos dois anos, principalmente, esse assunto começou a aparecer de forma mais forte. O vento do mundo todo está soprando nessa direção e o planeta implora por um comportamento de consumo diferente”, diz a cofundadora do Enjoei.

Essa nova onda comportamental citada por Ana Lu passa, primeiramente, por um ressignificado do antigo conceito de brechó. A executiva explica que o Enjoei preferiu nunca usar esse termo em sua comunicação para transmitir uma roupagem diferente à ideia do reaproveitamento de roupas. “Não queremos levar o usuário a esse lugar mental associado ao brechó, e sim ajudá-lo a lidar de forma eficiente com as coisas que tem”, resume a executiva. Ana Lu também avalia que o hábito de vender e comprar roupas usadas pela internet está mais amadurecido nos mercados internacionais, onde essa proposta foi apresentada ao público há mais tempo. Com o avanço dos debates sobre sustentabilidade e consciência de consumo, é natural, em sua opinião, que o segmento cresça no Brasil.

Há, porém, alguns desafios que fazem parte desse tipo de negócio e que não podem deixar de ser considerados pelos players que já atuam ou que pensam em entrar no cenário de moda reciclável. O principal, segundo a cofundadora do Enjoei, é a complexidade da operação. “É muito difícil fazer com que as mercadorias saiam de um lugar e cheguem a outro gerando rentabilidade. São itens únicos e que, por isso, trazem grandes desafios em termos de logística. Além disso, é preciso que a operação gere lucratividade para o vendedor, para a plataforma e que o comprador também veja vantagem naquela transação”, detalha a executiva. Segundo Ana Lu, o fato de o Enjoei estar nesse segmento há dez anos fez com que a empresa adquirisse musculatura e robustez para resolver essas questões e, agora, aproveitar a alta do interesse pela moda circular.

Diferentemente do caso do Repassa, que administra todas as etapas de venda, o Enjoei confere ao vendedor a missão de expor suas peças, precificá-las e acompanhar o processo de envio. A empresa, por sua vez, estruturou-se para dar suporte aos sellers nessas etapas, fazendo com que esse processo flua de forma mais fácil. “Fomos aprendendo como melhorar nossa atuação ao longo dos anos. No início, chegávamos a ir à casa dos clientes para buscar os produtos. Foi um processo muito trabalhoso, mas que foi evoluindo. Para que uma operação desse segmento faça sentido, é fundamental ter volume, pois é isso que vai assegurar liquidez ao vendedor”, explica Ana Lu.

 

Leilane Sabatini, fundadora da plataforma de itens de luxo Cansei, Vendi (Crédito: Divulgação)

Luxo reaproveitado
Até mesmo o mercado de luxo vem ressignificando o conceito e o destino das peças usadas. Em uma noite de 2013, Leilane Sabatini olhou para o seu guarda-roupa e, em meio aos cabides, enxergou um potencial de negócio. “Percebi que tinha itens de grandes designers, com valores bem expressivos, parados no meu armário e com pouquíssimo uso. Então, pensei: por que não vendê-los?”, relembra a empresária que, naquele mesmo dia, teve a ideia de criar um perfil no Instagram com o nome de Cansei, Vendi.

Hoje, a plataforma digital mantém o conceito de comercialização de itens de grife, com a preocupação primordial em relação à autenticidade das peças, como frisa a criadora do projeto. Leilane concorda que os temas de moda circular e utilização de roupas usadas estão em alta e vêm propiciando a entrada de novas empresas nesse cenário. “As pessoas estão, finalmente, mais conscientes sobre o impacto de seus hábitos de consumo e sobre as várias possibilidades que hoje existem para que elas consumam de forma mais consciente e inteligente. E o item usado é, sem dúvida, uma das formas mais inteligente possível. Além de economizar, prolonga a vida útil do item já produzido e fomenta o reuso em vez da produção”, diz a fundadora do Cansei, Vendi.

Leilani conta que a plataforma vem crescendo acima dos três dígitos a cada ano e acredita que o sucesso se deve às oportunidades de compra, de propiciar acesso a itens de alta qualidade, com preços mais acessíveis. Essa percepção, segundo ela, deve fazer com que o segmento das plataformas de moda circular se fortaleça nos próximos meses. “As empresas já identificaram que esse é o mercado do presente e não mais do futuro, então, com certeza, mais gente vai querer surfar a mesma onda. Ainda bem que estamos nela há mais tempo e com mais experiência”, celebra./

O canal principal de comunicação do Cansei, Vendi com o público é o Instagram. No começo deste ano, no entanto, a experiência online também ganhou uma versão física, com a abertura da primeira loja da marca, no bairro dos Jardins, em São Paulo. Leilane conta que está nos planos abrir uma loja no Rio de Janeiro ainda neste ano ou em 2023.

Foco no ESG
O Enjoei também tem planos de ampliar os negócios neste ano e, para isso, a empresa abordará, pela primeira vez, a temática do ESG em sua comunicação. Ana Lu McLaren explica que a plataforma nunca abordou as questões de sustentabilidade e meio-ambiente por interpretar que esses conceitos já estavam intrínsecos ao próprio modelo de negócio – e também na mentalidade de quem compra e vende no Enjoei. Agora, entretanto, a empresa está em fase de finalização de um material que procura entender como as pessoas assimilam os conceitos de preservação e sustentabilidade. Esse material também ajudará a pautar a organização interna da plataforma. “A companhia tem que ser uma empresa sustentável em vários aspectos, tanto no negócio como na governança e na emissão de carbono. Estamos trabalhando isso em um material que irá mostrar como será o posicionamento e a atuação do Enjoei pelos próximos dez anos”, antecipa Ana Lu.

Levar o conceito de moda circular para os pontos físicos é o objetivo do Repassa para 2022. O projeto, aliás, começou a ser colocado em prática no ano passado, quando a plataforma abriu dois quiosques para a retirada e entrega das sacolas do bem: um no Boulevard Shopping, em Belo Horizonte, e outro no shopping Parque Dom Pedro, em Campinas. “O plano é expandir gradualmente o modelo para outras cidades do País”, promete Tadeu.

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