Como lidar com a dependência do Facebook?
A alteração no feed de notícias da plataforma preocupa o mercado, mas poderá eliminar conteúdo de má qualidade e forçar marcas e publishers a diversificarem
A alteração no feed de notícias da plataforma preocupa o mercado, mas poderá eliminar conteúdo de má qualidade e forçar marcas e publishers a diversificarem
Luiz Gustavo Pacete
15 de janeiro de 2018 - 7h47
Será que o novo feed do Facebook anuncia o fim de uma era? O que será das estratégias digitais ancoradas na plataforma? A leitura inicial da notícia de que a rede vai privilegiar conteúdo de amigos em detrimento de marcas e publishers sempre causa reações acaloradas. No entanto, a que foi feita na quinta-feira, 11, por Mark Zuckerberg, já era esperada.
De acordo com o fundador da rede social, o feedback dos usuários mostrou que o conteúdo de “empresas, marcas e mídia” têm tirado o espaço de publicações de pessoas que se conectam. Com a notícia, as ações do Facebook caíram 4,47% na Bolsa de Nova York na sexta-feira, 12. Na B3, antiga Bovespa, em São Paulo, as ações negociadas do Facebook caíram 4,71%.
Mesmo com a repercussão entre os investidores, a consultoria eMarketer, em relatório divulgado neste domingo, 14, manteve a expectativa de que as receitas publicitárias dos EUA no Facebook cheguem a US$ 21,5 bilhões em 2018, o dobro do investimento em publicidade nos jornais: US$ 10,74 bilhões.
Com a alteração no feed, o Facebook avança naquilo que começou em 2016 quando mudou os algoritmos para privilegiar conteúdo de amigos. O argumento de Zuckerberg é a redução da presença de “conteúdo de baixa qualidade e sensacionalista”. Publishers e marcas que basearam suas estratégias no alcance orgânico do Facebook passam, com as mudanças, a depender mais da promoção paga para estar entre o que as pessoas buscam.
Diante da repercussão, Meio & Mensagem ouviu 15 profissionais de agências e empresas relacionadas ao ambiente digital, para entender o impacto de curto a longo prazo. Mentor Muniz Neto, CCO da agência Bullet, vê duas consequências imediatas na decisão do Facebook: “de um lado, reforça a ideia de polarização, já que vamos ver mais posts de gente que — a princípio — pensa parecido com a gente. Ou seja, um reforço no equívoco de se imaginar que a grande maioria pensa parecido conosco. Uma ilusão criada e agora reforçada pelo algoritmo. Por outro lado, o fato de reduzir a presença do que Zuckerberg chamou de ‘posts passivos’, leia-se publicidade, faz pensar que o Facebook deve ter se dado conta de que o volume de posts anunciando bugigangas foi longe demais. E o que importa, em última análise, é a interação”, diz Neto.
Apesar do ajuste inicial, sobretudo de marcas e produtores de conteúdo mais dependentes do alcance orgânico, há quem enxergue nesse novo momento algo que vá beneficiar a produção do conteúdo de qualidade. “Um dos efeitos dessa medida é incentivar as marcas que produzem conteúdo a depender menos do engajamento orgânico. Isso, indiretamente, vai elevar a qualidade do que vem sendo produzido já que, é somente conteúdo de qualidade, mensagens ou assuntos relevantes e pertinentes, que têm potencial para engajar nessa nova realidade”, diz Guilherme Jahara, chief creative office (CCO) da Fbiz.
Carlinha Gagliardi, VP de canais & engajamento da BETC/Havas, enxerga também a necessidade de que marcas sejam mais estratégicas na forma como lidam com o Facebook. “A qualidade do conteúdo e a assertividade na segmentação serão fundamentais para uma comunicação eficaz”, diz Carlinha. Neto, da Bullet, reforça que, para marcas e agências, a mudança afeta apenas quem ainda trata o Facebook como um veículo tradicional, uma plataforma de mídia. “Para quem soube criar um diálogo consistente e relevante com seu público a mudança deve até ser positiva”, diz Mentor.
Mentor: “Zuckerberg deve ter se dado conta de que o volume de posts anunciando bugigangas foi longe demais”
Há quem defenda que a atitude da plataforma contradiz com o que ela vinha sinalizando recentemente. Rafael Grostein, sócio-fundador do Canal Desimpedidos, alerta para isso. “Com as mudanças anunciadas pelo Facebook, memes, vídeos e virais devem perder alcance. O que é surpreendente, pois o vídeo, grande aposta da plataforma nos últimos anos, vai perder a relevância”, diz Grostein reforçando que para as empresas de conteúdo ficará ainda mais difícil conseguir exposição na plataforma. “Será um grande desafio para quem aposta no Facebook para geração de tráfego. Porém, é uma oportunidade para promover discussões com significado e relevância”, afirma.
Flavio Leite, diretor de mídia e performance da Tribal acredita que, em mudanças anteriores, o Facebook já havia acabado com o “almoço grátis”. “Em um primeiro momento, a estratégia de comunicação dos grandes anunciantes não muda muito, pois eles já haviam passado por uma grande mudança lá atrás”, diz Leite. Para Luca Lima, diretor de mídia da Talent Marcel, é preciso apenas entender como isso afetará as próprias recomendações do Facebook. “Quanto aos KPIs de mídia e recall de mensagens: como essa menor exposição afetará as métricas? E o conteúdo? Todo o ecossistema precisará de um tempo para perceber o real impacto que isso terá no dia a dia das marcas”, diz Lima.
Edmardo Galli: “estamos vendo uma proposta de comunicação mais individualizada e potencialmente controlada”
“Olhando sob a ótica do negócio de marketing de influência, essa medida não altera a forma de trabalhar; mas sim a importância de influenciadores e pessoas públicas criarem conteúdo relevante para seus seguidores (lembrando que no comunicado Mark Zuckerberg reforça a possibilidade do usuário configurar sua página para seguir recebendo conteúdo de figuras públicas que lhe interessam), e das marcas e agências investirem tempo na estratégia e criatividade das ações para ter eficácia em inserir mensagens de marca no discurso dessas pessoas”, diz Rafael Coca, socio-diretor da Spark.
Apesar da reação, quem trabalha com o Facebook já vinha se preparando para a aceleração desse processo anunciado em 2016. “O algoritmo já tem priorizado conteúdos ‘pessoais’ aos de marcas há tempos e sempre houve indícios que isso seria — e será — cada vez mais forte. Sem investimento em mídia, é quase impossível aparecer para o público-alvo. O anúncio também reforça a importância de criatividade, ou seja, fazer com que as pessoas compartilhem suas publicações é ainda mais relevante. Finalmente, é importante ver o Facebook como parte de uma estratégia digital e nunca como o único ator”, diz Daniela Giuntini, gerente de mídias sociais do Grupo RMA.
Volta às raízes do Facebook
Criado em 2004, em um ambiente universitário, o Facebook tinha como foco, inicialmente, o compartilhamento de informações entre amigos. E a decisão de agora remete a sua função original. “É uma volta às raízes da plataforma. Eles estão sempre testando mudanças no algoritmo para que o newsfeed seja relevante. E a essência do Facebook são as conversas entre conhecidos e não o que uma marca está dizendo”, diz Marcelo Tripoli, vice-presidente de digital marketing da McKinsey & Company.
Para Tripoli, marcas e veículos que dependem do alcance orgânico vão perder para posts de gatos e bebês. “Acreditamos que a mudança pode ser positiva, principalmente para quem produz conteúdo em vídeo e, como resultado, temos a identificação/engajamento por parte dos nossos usuários, já que reproduzimos com humor situações do dia a dia do público”, diz Luther Peczan, CEO de Massiv, produtora digital da Webedia.
Rafael Grostein: “o vídeo, grande aposta da plataforma nos últimos anos, vai perder a relevância”
Para Flávio Waiteman, sócio e CCO da agência Tech and Soul, com a decisão, o Facebook reorganiza sua grade de programação e aumenta o valor do espaço publicitário. “Vai impactar na tabela de veiculação. Em relação ao fake news, acredito que vai piorar. A checagem vai ser mais demorada. Um grande WhatsApp”. Edmardo Galli, CEO Latam da IgnitionOne, aponta que as mudanças indicam a intenção do Facebook de resgatar o que sempre foi a proposta da plataforma. “Os grandes varejistas, que utilizam a ferramenta para estratégias de impacto frequente por meio de ofertas e retargeting, poderão sofrer com a restrição. As agências, por sua vez, terão dificuldades para otimizar custos e o alcance das campanhas, uma vez que serão obrigadas a redefinir suas estratégias e táticas de mídia na plataforma”, afirma.
Davi Reis, sócio-diretor da WorldSense, acredita que a atitude do Facebook foi corajosa e positiva. “Assim como as redes de publicidade digital, as redes sociais buscavam maximizar a taxa de cliques, independentemente da qualidade da interação. A publicidade evoluiu, buscando comunicação de qualidade e engajamentos mais ricos. Assim, é chegada a hora de as redes sociais também retirarem os incentivos para chamadas enganosas e produtores mal-intencionados que sequestram o tempo dos usuários”, diz Reis.
“O Facebook se tornou uma grande ‘homepage’, pela qual seus usuários acompanham as publicações de amigos e familiares e também acessam notícias — tanto que, a rede social chega a representar até 30% do tráfego de alguns portais. O anúncio é muito recente para traçarmos com exatidão um cenário, porém, colocar o consumidor no centro das decisões é fundamental e resgata sobretudo o fator relevância”, diz Fabricio Proti, diretor executivo da Teads Brasil. Para Andre Passamani, sócio e COO da Mutato, o cerco se fechou para a mensagem pasteurizada. “Essa possibilidade anunciada também vai exigir, no nosso contexto, um papel ainda mais crucial para as estratégias de mídia. Vamos ter de repensar as melhores maneiras de atingir as pessoas em situações e contextos nos quais elas queiram engajar com determinado momento de marca”, diz Passamani.
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