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Fan service: metodologia, resultados e contra-indicações

Fazer uma referência a história da marca e aos fãs auxilia na manutenção do relacionamento com o cliente, na construção de experiências e gera awareness e engajamento


22 de dezembro de 2021 - 6h02

 

Terceiro filme do Homem-Aranha estrelado por Tom Holland tem uma série de elementos que celebram os fãs e a história do personagem nos quadrinhos, animações e em outros longa-metragens (Crédito: Divulgação/Sony Pictures)

Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, nova produção da franquia do herói criada pela Sony Pictures e a Marvel Studios, se tornou o filme com a maior abertura no Brasil neste ano. Até a segunda-feira, 20, o longa-metragem, cuja pré-estreia teve início em 16 de dezembro, já levou 5,2 milhões de pessoas ao cinema e faturou R$ 105 milhões, número apenas 2% abaixo de toda a bilheteria de Homem-Aranha: Longe de Casa, que é o filme antecessor ao que está em cartaz hoje. De acordo com a Sony Pictures, o filme também é considerado o que obteve mais público nessa retomada.

Boa parte do apelo do filme é a quantidade de fan service criado para o longa-metragem, uma série de referências a quadrinhos e outros filmes do super-heróis que fazem uma reverência à história do personagem e aos fãs. Considerado um dos filmes com a maior quantidade de fan service, competindo com Vingadores: Ultimato, a produção traz atores de outras franquias de filmes do Homem-Aranha e, com eles, vilões já conhecidos pelos fãs, assim como outros personagens não revelados nesta matéria para evitar spoilers e preservar a experiência. Tratando os estúdios como empresas e os heróis como marcas, resta saber: o fan service é um conceito aplicável ao marketing?

Para dar início à narrativa que responde essa pergunta, é necessário contextualizar o termo fan service. De acordo com Andreza Delgado, apresentadora e sócia da Perifacon, Perifa Gamer e do campeonato Copa das Favelas, o termo teve origens nos mangás e HQs para se referir a elementos incluídos na trama sem grandes propósitos narrativos, mas que foram inseridos para divertir a audiência. Por muitas vezes, esses elementos ou ações tiveram conotação erótica. Conforme o avanço das histórias para outras mídias, o termo foi ganhando mais sentidos. Hoje, ele é considerado a transposição de elementos originais de quadrinhos de super-heróis ou animações dos mesmos que são repetidos no filme live-action. “O fan service tem a ver com a paixão do público e, pessoalmente, aciona lugares de nostalgia, coisas e épocas que você viveu”, conta.

Atualmente, com a extensão das histórias em múltiplos filmes ou séries tem feito com que o fan service ganhe escalas. Para Érico Borgo, sócio da produtora Huuro Entretenimento, há a possibilidade de distinguir o fan service entre macro, como aqueles que aludem a outros filmes anteriores ou atendam um pedido dos fãs, e micro, que apenas o fã voraz é capaz de distinguir, como o ângulo de uma câmera que imita os quadrinhos. O encontro entre alguns personagens no filme Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa faz parte do desejo coletivo dos fãs a partir do conhecimento de que o multiverso existia, mesmo que nos quadrinhos haja a narrativa do Aranhaverso.

Conexão forte
Segundo o executivo, para o fan service acontecer, ele precisa de uma conexão entre os realizadores e fãs – ou que o realizador seja fã, porque ele acontece no detalhe; é quase uma finalização para fazer aquele carinho ao fã de longa data. Esse agrado faz com que a audiência se sinta valorizada por seus anos de dedicação ao universo retratado em tela e é um dos resultados que contribui para a construção de um relacionamento profundo com o cliente.

“Ele faz o fã se sentir ouvido. Eu tenho 46 anos e desde os 10 anos de idade eu leio os quadrinhos do Homem-Aranha. Eu tenho uma relação de 36 anos com eles. Quando eu vejo algo que faz alusão a algo que eu li, que fez parte da minha vida, me sinto valorizado. Não é diferente de uma marca valorizar seu consumidor. Você se dedicou tantos anos a algo e curtindo e se preocupando com algo que, quando a coisa vai para o mainstream, você não quer que ela se transforme em outra coisa, quer que ela seja fiel ao que te cativou durante anos”, pontua.

Fora a construção desse relacionamento, que de início é mais benéfico para o cliente do que para a marca ou estúdio, há outras consequências de curto a longo prazo que podem ser valiosas em termos de repercussão e resultados. Andreza pontua três: engajamento, awareness e frequência. Mesmo que os fãs especulem virtualmente sobre o que esperar do filme, o que já gera uma antecipação, assim que o longa é lançado, a discussão continua. “Se você abre o YouTube, há vídeos com mais de milhões de visualizações falando sobre cada pedacinho de fan service do filme. É uma tsunami que toma as pessoas pelo sentimento de nostalgia e elas querem o tempo todo conversar. O resultado é um nível de engajamento absurdo”, avalia.

Em resposta ao pedido de parte da comunidade contra a divulgação de spoilers por aqueles que se adiantaram para assistir, Andreza crê que pode haver uma nova onda de discussões daqui a algumas semanas, com uma maior audiência atualizada das questões, o que gera uma cauda longa para o mesmo assunto. No caso de cases que aludem a outros, essa cauda longa se estende pros demais assuntos ou produtos referenciados. Se o fã acaba assistindo o terceiro filme do Homem-Aranha e não reconhece os momentos de fan service, ele pode buscá-lo nas produções anteriores. “Estamos vivendo a construção de mais de 10 anos do próprio MCU (Universo Cinematográfico da Marvel), então passou-se um tempo muito legal e eu acho que a tendência é cada vez mais os filmes homenagearem filmes que antecederam”, antevê Andreza.

No caso das marcas, é possível identificar fan services na alusão a campanhas anteriores em campanhas novas, como quando a Brastemp trouxe de volta a antiga dupla de garotos-propaganda que, por anos, estampou seus comerciais ou, mais recentemente, quando Danone recuperou o garoto protagonista da campanha Danoninho Ice para anunciar o relançamento do produto. Relançamentos também podem ser considerados fan services, como uma coleção de tênis antiga que ainda é desejada por fãs. Há, também, as oportunidades de colab que as marcas conseguem firmar com os estúdios para produções cinematográficas. Érico lembra que o Air Jordan, da Nike, foi o tênis usado pelo personagem Miles Morales nas animações da série de filmes Homem-Aranha no Aranhaverso e que a empresa lançou o tênis licenciado para o público.

Outra conexão feita entre marca e universo geek que serviu a uma ansiosa espera dos fãs foi a campanha “Caverna do Dragão” da Renault para o lançamento do Kwid Outsider, em maio de 2019. Na época, imagens que sugeriam a criação de um live action do desenho Caverna do Dragão vazaram. Logo, a marca divulgou o filme criado pela DPZ&T e produzido pela Saigon com um elenco interpretando os personagens da animação dos anos 1980. A campanha destaca a força do modelo num ambiente hostil e traça um paralelo à turma de amigos que, perdidos num mundo de fantasia e criaturas místicas, tentava voltar para a casa. Antes disso, para divulgar o Renault Kwid em 2017, a Neogama, que atendia a marca na época, colocou o carro lado a lado com Hulk para salvar a cidade de um meteoro.

Não obstante, a atratividade dos bons resultados podem fazer com que a busca por fan service pareça pedante e fora de contexto. Para ambos Andreza e Érico, é necessário entender se a entrega tem um sentido narrativo e não fuja do que sentimento ou clima que a cena deseja transparecer. “Quando o fan service está lá só para agradar e não está amarrado na essência, fica brega”, opina Érico. Segundo Andreza, o erro é frequente, principalmente, em adaptações de jogos ou quadrinhos cujos elementos não se encaixam na linguagem cinematográfica. “A produção de um filme ou série obviamente é um presente pro fã, mas é pro público como um todo também. E se for fazer por fazer, perde a qualidade no roteiro, na história, na apresentação”, indica.

Estratégia de marketing para Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa
Apesar de muitas especulações e alguns vazamentos, o filme Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa foi bem sucedido em esconder alguns segredos, reservando-os para a experiência do espectador no cinema ou na televisão. No período de divulgação do filme, o ator principal, Tom Holland, seguiu negando veementemente uma série de elementos e cenas que estão na trama exibida pelo mundo. Érico afirma que um dos maiores problemas da indústria cinematográfica atualmente são os vazamentos e lembra que essa prática é crime. “Hoje, existe esse movimento de querer saber tudo antes de sentar no cinema. É parte do meu trabalho tentar adivinhar, mas eu faço isso com base no conteúdo prévio, tentando pensar como produtor e tentar adivinhar os possíveis caminhos. Os fãs curtem e todos fazem junto, mas eu não quero chegar perto dos vazamentos. Eu não quero perder a experiência para um post no Reddit”, diz.

O fato do filme ter uma série de fan services também ajuda os produtores surpreenderem os fãs, mesmo que eles tenham visto alguma informação vazada, diz Andreza. “Homem-Aranha é uma experiência. Ele traz uma nova remessa de filmes, fecha ciclos e abre outros. Eu nunca gostei muito da apresentação do Tom Holland nos outros filmes e eu acho que ele conserta muitas coisas. Quando falamos do fan service, também tem a ver com ouvir as críticas do público. Parece os produtores ouviram tudo o que o público não gostava e tentaram corrigir. Isso é muito legal. Tem também a ver com a proteção da experiência do filme. Eu vi um spoiler, mas ele não atrapalhou em nada minha experiência do filme porque acontece tantas outras coisas. Tem muita informação, às vezes isso é ruim, mas para esse filme é bom, funciona”, opina.

**Crédito da imagem no topo: Divulgação/Sony Pictures

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