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Mídia

Luciano do Valle: agregador e entusiasta

Narrador e homem de negócios ajudou a revolucionar a relação da mídia com o esporte


22 de abril de 2014 - 6h32

Colaboraram Bárbara Sacchitiello e Fernando Murad

O impacto de Luciano do Valle (1947-2014) na relação das marcas com as propriedades esportivas é tão marcante quanto a voz que narrou por cinquenta anos as grandes conquistas e derrotas dos atletas brasileiros. O narrador e empreendedor do esporte morreu em Uberlândia, no sábado, 19, aos 66 anos.

Visionário, antecipou tendências como a TV paga. Agregador, fez empresas enxergarem o retorno que um saque como o jornada nas estrelas traria para seu investimento. Entusiasta, correu riscos, perdeu algum dinheiro, mas pensou em esportes no longo prazo e ajudou a potencializar a paixão do brasileiro por novas modalidades. Era, acima de tudo, um empreendedor.

“Ele sempre teve credibilidade, porque prometia e entregava aos patrocinadores”, relembra José Estevão Cocco, presidente da agência de marketing esportivo J. Cocco, amigo e parceiro de negócios de Luciano do Valle desde os anos 1970, quando trabalhava na Caloi e na house agency Novo Ciclo. “O Luciano era narrador de rádio em Campinas e, desde aquela época, já pensava em empreendimentos em prol do esporte. Nós chegamos a patrocinar algumas iniciativas de ciclismo na época. Assim, nos tornamos amigos, eu, ele, e o Quico Leal, que também era da Caloi”, relembra Cocco.

Já com nome feito no mercado, Luciano deixou a Globo, onde fez longa carreira que incluiu cobertura de Copa do Mundo e de Jogos Olímpicos, para lançar a Promoação, com os amigos, em 1981. “Era uma empresa de marketing esportivo, sem que o termo existisse na época, voltada para TV. Inicialmente, tivemos duas horas na Rede Record e, depois, a tarde inteira na Band”, afirma, sobre o formato Show do Esporte. Durante anos, Luciano teve o espaço para aplicar características pessoais e profissionais que transformaram a relação entre a mídia e o esporte no Brasil.

Planejamento estratégico
Uma delas, foi a capacidade de pensar o esporte de forma estratégica. A ligação de Luciano com as modalidades como vôlei e basquete é menos aventureira e mais planejada do que se imagina. “Era um empreendedor e percebíamos na agência que ele não tinha discurso vazio. Era um comunicador expressivo na forma de contar história, convincente, e tinha uma visão de planejamento estratégico que não era comum no mercado. Havia poucos dados sobre consumo de esporte na mídia, e ele já aplicava técnicas para isso, além de ter o compromisso do espaço na Bandeirantes”, relembra Flávio Rezende, diretor nacional de mídia da DPZ. “Nós, na área de mídia, começamos a mensurar o resultado de vôlei, basquete e outros esportes graças a ele. Aprendemos a dividir cotas, a fazer avaliações corretas de oportunidades. Não havia muita experiência nisso, porque só naquela época o futebol começava a ter patrocínios grandes. Ele nos fez correr atrás de informações sobre o impacto do esporte e nos fez medir o retorno. E quem apostou no esporte, o tempo provou, obteve ótimos resultados”, analisa.

“Luciano foi um dos maiores articuladores do esporte. Ele dinamizou uma série de oportunidades que atenderam os objetivos de comunicação, por um lado, e começaram a revelar modalidades alternativas, por outro”, confirma Ângelo Franzão Neto, que por mais de 30 anos esteve na mídia da McCann Erickson, atual WMcCann. “Todo mundo gosta de esportes, mas ele se resumia a futebol no Brasil. E esse era um produto proibitivo, porque era para as grandes audiências e nem toda marca podia se envolver. Com disposição de criar alternativas na área, e com grandes parceiros, ele foi bem recebido nas agências e nos desafiava a ir além”, reforça Franzão.

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Inovação em mídia

O “ir além” se refletia, por exemplo, na liberdade para as agências pensarem em formatos inovadores. “Surgiu a ideia maluca na agência de colocarmos placas luminosas que trariam a mensagem do patrocinador, que era Quaker, em um jogo no Ginásio do Ibirapuera entre Brasil e União Soviética. Ficamos receosos de isso atrapalhar os jogadores, mas o Luciano deu espaço e criamos um novo formato de mídia”, diz Franzão. “Posteriormente, fizemos o jogo de despedida do Ademir da Guia, em que somente ele usou a marca Quaker na camiseta. O Luciano foi entusiasta de mais essa ideia”, afirma.

Vôlei: projeto com base

Um exemplo de como Luciano tinha visão estratégica é o vôlei. Muitos pensam que o jogo entre Brasil e União Soviética no Maracanã lotado, em 1983, foi um projeto arriscado. De fato, foi, mas a base já vinha sendo construída há algum tempo.

 No começo dos anos 1980, antes mesmo de estabelecerem a Promoação, eles estudaram profundamente o público do vôlei – que era um esporte segmentado – e detectaram que ele poderia ganhar as massas. Em 1981, foi realizado o Sul-americano Feminino em Santo André, quando o Brasil venceu o Peru após 11 anos de tabu. “Nós não vendemos produtos que ainda não existiam. Criamos um produto antes. Foi muito estudado. A Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) havia preparado as seleções para enfrentar os grandes. E escolhemos Santo André pelo potencial identificado em pesquisas. No final das contas, o ginásio ficou lotado e conseguimos vender o projeto. A Globo nos pagou um valor que nem imaginávamos. Na época do ciclismo, tínhamos que pagar pelo espaço na mídia”, relembra Cocco, sobre o projeto tocado quando Luciano ainda estava na Globo. “Depois do sucesso, não deixamos mais a bola do vôlei cair”, resume.

“O Luciano era o grande nome do projeto do vôlei. Porque além do levantamento sobre o público e do trabalho de operacionalização que fazíamos, ele ainda acrescentava o poder de convencimento para mostrar aos patrocinadores e ao público que o vôlei era um grande negócio. Nós não vendíamos um jogo ou outro, mas o calendário completo, coisa que poucas modalidades têm até hoje”, diz.

Segmentação na TV aberta
Com a visão de criar um espaço na grande para o esporte, Luciano antecipou o que seria a TV paga no Brasil, como afirma Rezende, da DPZ. “Ele fez TV fechada na TV aberta sem saber”, concorda Franzão. “Ele alocou o horário de domingo da Band sem saber o que iria transmitir. As coisas foram acontecendo no ar já. Para atender a essa necessidade de transmissão, acabou revelando o vôlei, que era uma modalidade segmentada e resgatou a autoestima de uma geração de atletas com os torneios da seleção máster”, afirma, relembrando uma história curiosa: “O futebol americano não era conhecido de ninguém. O Luciano resolveu transmitir, mas não tinha comentaristas. Então, ligou na McCann, porque éramos uma multinacional, e pediu ajuda. Arrumamos o diretor de atendimento, Dorian Sutherland, sul-africano”, diverte-se.
 

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 Outro esporte “gringo”, o basquete, também ganhou espaço no Brasil por causa de Luciano. “A NBA ocorreu quando ele estava na Record. Fui para os Estados Unidos buscar fitas de jogos para passar na TV. Assim, a NBA teve visibilidade no Brasil e ajudou, inclusive, a elevar nosso basquete”, relembra Cocco.

Também preencheram as tardes da Band esportes como boxe, sinuca, kart e Fórmula Indy, esta, até hoje na grade. “O golfe é chato, mas tem audiência e o jogo dura até cinco horas. Com a sinuca era assim também”, conta Cocco. Já o boxe começou na Record, com o pugilista Chiquinho de Jesus como astro. “O empresário dele, o Caleb Cury, nos falou que tinha um cara que podia fazer ainda mais sucesso. E já até tinha arrumado um nome para ele. Maguila”, diverte-se. “Fizemos também hóquei sobre patins, que era um problema porque não havia câmera boa para acompanhar a bolinha, super kart, Fórmula Indy… foi uma época vibrante. Muito boa para esporte e aquilo que começou a ser chamado de marketing esportivo”, afirma.

Esse legado ajudou a construir o que é a Bandeirantes hoje, um canal ainda muito identificado com o esporte. "A importância do Luciano é enorme para a Band, é enorme para o esporte e enorme para o Brasil. O que o Luciano fez a gente não tem dimensão. A gente tem esse mal costume de não avaliar bem a obra das pessoas que estão vivas. Com a ausência dele nós vamos sentir e vamos perceber o tamanho da obra dele”, diz Marcelo Meira, vice-presidente de Televisão e Digital da Band.

Apesar de lamentar a perda do comandante das transmissões da Copa do Mundo, a Band reforça o compromisso de levar ao espectador uma cobertura pertinente à grandiosidade do evento – e, agora, ao talento de Luciano do Valle. O torneio da Fifa, inclusive, foi usado como mote para a emissora homenagear o locutor.

Há pouco mais de uma semana, a Band havia lançado sua campanha oficial da Copa de 2014, com alguns nomes de seu elenco vibrando e torcendo pelo Brasil. Luciano do Valle aparecia em destaque na peça, que foi publicada em diversos jornais e revistas. Nesta terça-feira, 22, a Band usou uma outra foto do narrador, tirada para a campanha e ilustrou-a com as frases “Luciano do Valle, pra sempre Brasil. Com carinho, Band”.

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