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Opinião

De qual futuro você está falando?

Hábitos saudáveis numa era de mudanças rápidas são questionar as previsões, perguntar  de quem é o interesse, escolher poucas coisas para acreditar, adaptar-se rápido e  procurar um valor de verdade a entregar em cada reviravolta real do mundo


29 de janeiro de 2018 - 13h55

O governo do Império Alemão anunciou ontem que seus territórios americanos de Nova Baviera, Novo Ruhr e Hitlerandia devem fechar suas fronteiras com os territórios japoneses do leste, incluindo Alaska, Okinawa do Leste (antigo Oregon) e Meiji (antiga Columbia Britânica). A decisão radical se deve à descoberta de planos japoneses de anexar os estados sulistas americanos pertencentes ao México desde 1945, ano da rendição dos Estados Unidos às forças do eixo.

Lidamos o tempo todo com diversos futuros possíveis. Lidamos o tempo todo com a incerteza do que virá pela frente. O bizarro cenário da notícia acima foi altamente possível no ano de 1940, momento em que Japão e Alemanha, apoiados pela Itália, perceberam que poderiam partilhar os Estados Unidos (e, portanto, o poder global) se tivessem sucesso em suas investidas pelo leste, pelo oeste e, com a ajuda do México, pelo sul. O plano era maturado em mentes ambiciosas enquanto os Estados Unidos se mantinham alheios por força de sua recém-criada Política de Neutralidade. Só deixou de prosperar porque a maior potência do mundo acordou — na verdade foi acordada por um bombardeio e um telegrama — a tempo.

A todo momento, nos vemos diante de muitas possibilidades e, para piorar, as previsões demonstram má vontade em acontecer. Algumas possibilidades são mesmo tão aparentes que, ao não acontecerem, ganham ar de tragédia, possivelmente porque nossas mentes já trabalhavam arduamente se adaptando àquele cenário previsto.

Nassim Taleb descreve no seu conhecido livro Black Swan sobre o poder do inusitado, o papel do imprevisto, a capacidade disruptiva de tudo o que não pede autorização nem senso para acontecer. Assisti uma vez a um desses economistas famosos, ao vivo, demonstrando com farto volume de dados o que iria acontecer com o dólar, juros, emprego, renda e taxas, para descobrir depois, na dura existência, que tudo iria acontecer mais ou menos ao contrário, por conta da crise do subprime, que mergulhou o mundo em grave crise.

Hoje mesmo, traçamos cenários para a Presidência da República, sem saber qual outro cisne negro pode aparecer no mês que vem para bagunçar todas as nossas previsões. Pense bem, o trapalhão do Trump entrou em cena como piada e tirou a Presidência da boca de Hillary Clinton. No Brasil de 2018, uma versão do Alckmin comunicativa e carismática mudaria tudo. Um João Amoêdo surpreendente e visceral mudaria tudo. Uma candidatura do Meirelles mudaria tudo. Todas as análises hoje consideram impossível uma candidatura do Moro, mas e se ele mudasse de ideia? Sim, mudaria tudo.

A tentativa de antecipar os futuros possíveis desafia os matemáticos, os pesquisadores, os filósofos e os investidores, porque o inusitado está sempre à espreita. Na nossa profissão, os pré-testes procuram prever o efeito de uma campanha, mas têm dificuldade em calcular o valor do carisma, da produção e da autenticidade. Daí o fato de, algumas vezes, campanhas que foram mal em pré-testes serem sucesso e campanhas que foram bem em pré-testes sucumbirem na previsibilidade.

Nassim Taleb não fala com todas as palavras, mas deixa claro nas entrelinhas que uma das formas de se garantir no amanhã é confiar desconfiando dos cenários visíveis e, ao mesmo tempo, tratar de ser, você mesmo, um black swan, um determinante não identificado do que está por vir. Recorrendo ao game Mechanics: imagine poder ser um inimigo que volta em todas as fases, com uma arma, habilidade ou poder diferentes.

O talento, a energia, a qualidade, a felicidade e a velocidade com que você faz suas ideias acontecerem serão sempre fatores de disrupção, desde que representem valor e possam significar suas validade e importância em vários possíveis cenários, senão em todos. Uma política de neutralidade perante aos fatos que estão ocorrendo em sua volta, por outro lado, pode conduzi-lo à extinção. Hábitos saudáveis numa era de mudanças rápidas são questionar as previsões, perguntar de quem é o interesse, escolher poucas coisas para acreditar, adaptar-se rápido e procurar um valor de verdade a entregar em cada reviravolta real do mundo.

Deve-se lidar, ainda, com o esforço de identificar em nós mesmos o que são valores e o que são apegos, pois os últimos devem ser esquecidos e, os primeiros, mantidos a qualquer custo.

Muitos dos futuros possíveis neste exato momento são mais sombrios do que luminosos. A humanidade não caminha só para a frente.

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