20 de fevereiro de 2018 - 12h26
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“Esse foi o melhor filme que já fizemos”, afirmou categoricamente o presidente da Marvel, Kevin Feige, ao comentar o sucesso de Pantera Negra: vida longa ao Rei, que entrou em cartaz na semana passada nos principais cinemas do mundo. O filme está causando grande interesse de público e crítica, não apenas pelo ineditismo da obra (que tem um diretor jovem e negro, Ryan Coolger, e um casting de mais de 90% de atores afrodescendentes), mas, sobretudo, por trazer para o mainstream do cinema uma narrativa tão rara. Trata-se de uma história afrofuturista e que preenche a lacuna da falta de heróis negros na mídia.
Sem dar spolilers, o filme fala de uma nação africana escondida do ocidente que é altamente tecnológica e domina um mineral muito poderoso. A trama é repleta de referências à questão racial, ao feminismo negro, ao colonialismo e às consequências da escravidão. Definitivamente, trás um novo olhar sobre o continente africano e sua diáspora. Vale lembrar que a imagem que temos de África no cinema é bastante depreciativa e parcial, a despeito de existirem hoje grandes centros de inovação em países como Ruanda e Quênia, fato desconhecido por muitos.
Com um orçamento de US$ 200 milhões, Pantera Negra promete uma grande arrecadação, licenciamento de produtos e, certamente, abrir caminhos para a sequência do filme e novas produções semelhantes. Afinal é a quinta maior arrecadação de estreia de todo os temos, de acordo com a CNN. Segundo o jornal Washington Post, o longa-metragem tornou-se um “movimento cultural” em poucos dias de exibição. Salas estão lotadas e várias caravanas e “rolezinhos” de ativistas negro(a)s estão abarrotando cinemas em todo o mundo. Gente usando trajes africanos, cosplays e, claro, muita gente emocionada com essa representatividade tão importante em um universo que quase sempre tem como protagonistas homens brancos.
Para quem trabalha com o tema da diversidade, o sucesso de Pantera Negra já era esperado. A nossa tese, que ainda é encarada como “mimimi” no Brasil, é de que quanto mais as empresas investem em políticas de diversidade, compreendendo e dialogando com seu público de maneira sincera, mais elas podem inovar e lucrar. Um pressuposto simples e que precisa ser incorporado pelo mercado publicitário e pelas empresas, urgentemente. A consultoria McKinsey & Company em seu estudo “A importância da diversidade” é enfática em afirmar: “empresas com diversidade étnica são 35% mais propensas a terem um desempenho financeiro superior”.
Ao buscar novas histórias, os roteiristas podem abrir novos caminhos criativos e atrair novos consumidores. Os estúdios de Hollywood parecem que já entenderam a mensagem
A equação, a meu ver, é simples. Ao optar pela diversidade contratando mais representantes de grupos sub-representados, as empresas podem: enxergar um nicho de mercado que está fora do seu radar; atender demandas reprimidas de seus consumidores; e, finalmente, inovar mais, saindo da sua “bolha dogmática”.
Vale lembrar que Pantera Negra, que tem atores como Chadwick Boseman, Lupita Nyong’o e Michael B. Jordan, torna-se ainda mais relevante dado o momento político nos Estados Unidos (e também no Brasil), onde o tema racial ganhou força no debate público com movimentos como Black Lives Matter e a eleição do presidente Donald Trump. Segundo a instituição YouGov, 74% dos afroamericanos dizem ter interesse em assistir o filme (normalmente apenas 15% dizem ir a filmes da Marvel). Vi essa mesma empolgação em Salvador, numa sessão especial organizada pela Marvel/Disney para artistas e a comunidade local. Vi gente emocionada, muitas eufóricas e maioria dizendo que era o primeiro filme do tipo que gostavam.
Esse é um filme verdadeiramente especial e que toca em temas importantes para quem luta contra o racismo. Os Panteras Negras foram um movimento social que surgiu no final dos anos 1960 e inspirou movimentos negros ao redor do mundo, inclusive no Brasil, a exemplo de grupos como o Ilê Aiyê e o Movimento Negro Unificado.
Outro ponto importante é que a produção também tem um grande apelo com pessoas não-negras que buscam novas histórias como a do “Reino de Wakanda”, mas são obrigadas a assistirem as tradicionais lutas nas ruas de Nova Iorque. Ao buscar novas histórias, os roteiristas podem abrir novos caminhos criativos e atrair novos consumidores.
Os estúdios de Hollywood parecem que já entenderam a mensagem. A cineasta Ava DuVernay (autora do documentário Décima Terceira Emenda) conseguiu US$ 100 milhões da Disney para produzir o filme “A Wrinkle In Time”, que tem como atriz a magnata da mídia americana Oprah Winfrey. Será o maior orçamento dado a uma mulher negra na história do cinema mundial e entrará em cartaz ainda em 2018.
E no Brasil? Qual será o efeito de Pantera Negra no segregado mercado de comunicação e publicidade local? Será que finalmente teremos uma onda de investimentos em produções lideradas por afro-brasileiro(a)s com novas narrativas que não sejam as tradicionais, onde pessoas negras são invisibilizadas e estereotipadas?