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Os dados vão pagar a conta?

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Opinião

Os dados vão pagar a conta?

Assim como qualquer outro fator, só vão pagar contas da indústria criativa se gerarem valor para os anunciantes ou para os consumidores


4 de outubro de 2018 - 15h46

Crédito: reprodução

Dados já foram chamados de o novo petróleo, o new black, e, recentemente, ganhei uma camiseta com os dizeres “Data is the new bacon” (dado é o novo bacon). Fato é que nunca se falou tanto em dados e sua importância. Até para uma profissional como eu, que trabalho há mais de 15 anos nesta área de análise de dados e insights em empresas de mídia e consultoria, é surpreendente. Pessoas de diferentes áreas, incluindo criação e desenvolvimento de conteúdo, me abordam quase diariamente para saber mais sobre o assunto.

Porém, o enorme volume de dados disponíveis se tornou diretamente proporcional ao desconhecimento sobre o que fazer com eles — principalmente na indústria criativa. E foi exatamente o entendimento de que havia uma questão maior a ser tratada que me estimulou a dedicar meus últimos meses à análise da pergunta que se tornou minha tese na Berlin School of Creative Leadership: “Can data pay the bill? – Os dados vão pagar as contas?”.

Esse empoderamento da palavra dados é consequência das mudanças do mundo e da sociedade, bastante impactados por tecnologias como a internet das coisas (IoT) e big data. Como afirma o Fórum Econômico Mundial em seu relatório, “The future of jobs”, setores econômicos como os conhecemos irão mudar. Como resultado, modelos de negócios deverão ser reformulados, novas características profissionais serão exigidas e posições existentes no mercado de trabalho irão desaparecer.

Algumas indústrias já sentiram na pele, e no bolso, essas mudanças. A indústria criativa, que incluí mídia e agências de publicidade, é uma delas. A era digital, e o tsunami de informações que promove, colocou em xeque o bem-sucedido modelo de negócios, baseado na negociação de pontos de audiência bruta (gross rating points – GRPs) e impactos, que por anos funcionou muito bem na indústria criativa. Portanto, entender se os dados têm essa capacidade de pagar a conta é bastante relevante.

O principal objetivo da pergunta, aparentemente genérica, “os dados vão pagar as contas?” é entender qual o valor que os dados agregam para os serviços prestados pela indústria criativa aos seus clientes. Baseei-me nos conceitos de valor criado (value creation) e valor capitalizado (value capture) desenvolvidos por Paul Verdin. Neles, o autor afirma que, para ter sucesso sustentável, uma empresa ou indústria precisa criar valor para seus clientes e consumidores e, posteriormente, ser capaz de monetizá-lo. O que evidencia é que, sem valor criado, não existe monetização. Portanto, para mim, o dado assim como qualquer outro fator, só vai pagar contas da indústria criativa se ele gerar valor para os anunciantes ou para os consumidores.

Pois bem. Na pesquisa (baseada em estudos de caso), descobri que os dados têm o potencial de pagar as contas, mas tudo depende de uma combinação de fatores que vai levar ou não, à criação de valor.

Por exemplo, dados puros, sem análise, não pagam a conta. Os dados só fazem sentido se forem contextualizados, considerando o entendimento e emoção de quem os produziu: as pessoas. Quanto maior o nível de contextualização dos dados (análise não apenas dos números, mas também do comportamento do consumidor, por exemplo), mais valiosos e com maior poder de monetização serão.

Performance, por si só, também não é suficiente para pagar a conta. Monitorar a performance de uma campanha ou o desempenho de um programa contribui, sim, para otimizar investimentos, mas não paga a conta toda. Hoje, com o fácil acesso aos dados, as agências estão enfrentando a chamada comoditização dos dados e um relatório de performance deixou de ter valor, pois tornou-se um serviço operacional. Para que performance possa gerar valor e ser monetizado pelas agências, os dados precisam ser transformados em conhecimento. O time de business intelligence tem que ser capaz de não apenas extrair os números e colocá-los em um dashboard bonito, mas também e, principalmente, ter a capacidade de transformar dados em insights e insights em ação para o negócio e para o cliente.

Outro insight é que os melhores resultados e tomadas de decisões envolvendo dados vem da combinação dos algoritmos de processamento de dados com a ação e talento humanos. Isso porque o valor dos dados está na sua utilização ágil e entendimento fácil. A tecnologia contribui para rapidez da coleta dos dados, mas é fundamental saber qual é a história que eles nos contam. Ou seja, a mente humana e a criatividade continuam fundamentais na indústria criativa.

Existem outras questões que precisam ser debatidas para que os dados possam efetivamente gerar valor na indústria criativa e consequentemente gerar receita. O papel da liderança nesse processo é um deles, assim como a questão ética em relação a privacidade dos dados.

Porém, acredito que, na publicidade brasileira, a discussão deve começar com o questionamento sobre qual é o entendimento que se tem sobre dados e qual é a moeda de negociação utilizada nos modelos de publicidade.

Até hoje, os dados são encarados por essa indústria como material de suporte e performance. Audiência, GRPs, impactos, visualizações, downloads e alcance são variáveis — ou seja, dados — utilizados para dar suporte às negociações de mídia (das mais tradicionais como TV às mais modernas como os influenciadores). No entanto, a contagem dos eye balls, como falam os americanos, já não é o único dado disponível e, em tempos digitais, deixaram de ser os mais relevantes. Isso porque, além do número de impactos, é possível e necessário entender o reflexo do consumo do conteúdo de mídia na jornada ou no comportamento do consumidor para que se possa produzir conhecimento. E insights. Só assim o dado terá valor, pois tornará a comunicação com o consumidor mais efetiva e engajadora.

Portanto, é preciso encarar a necessidade de uma quebra de paradigma. Se as negociações continuarem a utilizar os dados exclusivamente como moedas de troca de mídia, nunca irão, por si só, pagar conta alguma. O pagamento continuará sendo da forma mais tradicional e antiga de negócios e a questão recai sobre a sustentabilidade do modelo de negócio em longo prazo. Entretanto, se os dados forem encarados como parte de um projeto de inovação ou comunicação capaz de gerar conhecimento, expertise ou engajamento, aí sim, poderão não apenas pagar contas, mas contribuir de maneira efetiva para um novo modelo de negócios em uma indústria em transformação.

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