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Adeus titulão sapatão

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Opinião

Adeus titulão sapatão

Propaganda não é mais argumento embalado para presente; é vida propagada e sentida de modo verdadeiro, pertinente e com criatividade


8 de janeiro de 2019 - 15h15

Saem de cena os títulos criativos e as imagens incríveis. Entram em cena as pessoas, as imagens toscas, o texto falado nas ruas sem edição e não mais apenas a precisão contextual e gramatical dos manuais de redação e estilo ou do dicionário. O mestre Francesc Petit dizia — ou melhor, eu interpretei assim — que propaganda simples e poderosa deveria conter um título grande e incrível (um titulão) e uma imagem linda e em destaque (o sapatão). Pronto. Petit, claro, sabia o poder contido no título e na imagem quando a revista, o jornal e o outdoor, junto com a TV e o rádio na cobertura e na frequência corretos, eram os meios predominantes para conquistar corações e mentes de consumidores.

 

Anúncio “Igualzinho sexo: tudo é válido, desde que você não use meias”, de Eugênio Mohallem para Havaianas é exemplo de campanha com título inovador (Crédito: Reprodução/Eugênio)

Estamos desconstruindo e construindo tudo. Acompanhamos e protagonizamos o mundo em transformação. Não seria diferente na propaganda, mais até. A propaganda é um almanaque de história do mundo. Seja professor para extraterrestres que acabam de chegar ao planeta e seu desafio será explicar a eles a civilização contemporânea. Apresente, mostre na sua aula a propaganda das últimas décadas, não precisa ser da Revolução Francesa até hoje. Propaganda do século 20.

Durante os meus anos de faculdade e frequentador de Fest Up, na Faap, aprender e ser um cara capaz de escrever títulos incríveis e compor imagens poderosas era quase o Jardim do Éden a ser alcançado. Era “pra lá” que todos queriam ir. Hoje, me delicio ao ler títulos criativos e observar imagens compostas incríveis, mas essa dupla criativa — imagem e texto —  perdeu o poder e a relevância. Continuo assinando Archive mesmo assim.

Entraram em cena, poderosamente, o receptor da mensagem e outros protagonistas verbais ou não verbais, visuais ou não visuais. Colin Kaepernick e Nike talvez sejam o grande caso do ano nas matérias de retrospectivas 2018 da propaganda. Baita caso corajoso e baseado numa causa de marca, genuíno. Propaganda pura, sem título criativo e imagem construída. Apenas a verdade brilhantemente transformada em comunicação. Digite aí: Colin Kaepernick + Nike e veja a quantidade e informação, predominantemente positiva, sobre essa ação. Mesmo a polêmica é ótima.

Depois, digita aí também: “igualzinho sexo: tudo é válido, desde que você não use meias”. Esse título brilhante para Havaianas é um entre as centenas de títulos maravilhosos, pensados e escritos por Eugênio Mohallem para grandes marcas brasileiras e internacionais em sua carreira. Eu queria ser o Eugênio Mohallem e o Tomás Lorente numa única pessoa.  Agora, confira na busca do Google o resultado para título do Mohallem. Vai lá. Tic tac, tic tac. Desencana.

Em ordem inversa, entre os títulos de Eugênio e os atos de Kaepernick, a propaganda se reconfigurou no tempo e nos meios. Quer ser um marketing influencer para você mesmo? Anote aí:

Arremate a maior quantidade possível de livros de arte da extinta Cosac Naify e compre Amoras, escrito por Emicida e ilustrado por Aldo Fabrini. Troque ideias com um bêbado pensador e um professor de filosofia. Lúcido. Vá para fora do Brasil e conheça o nosso país intimamente. De Londres a Londrina. Aceite opiniões de quem votou no Bolsonaro e no #elenao. Tome chopp e champanhe, não ao mesmo tempo. Pratique mais esporte e contemple o sedentarismo sem culpa. Medite e ouça Slayer depois. Programe-se para ir ao SXSW e para a quermesse em comemoração à padroeira de sua cidade. Tome suplemento alimentar sem deixar de comer pastel. Pastel de palmito, fica a dica. Suco detox e Coca-Cola. Entenda como funciona a inteligência artificial e a emocional. Seja curioso (obrigado, João). Desligue o celular às vezes. Sorria. Chore. Vá viver.

Isto é fazer e pensar a propaganda. E isto em nada mudou desde sempre, de Petit a Zuckerberg. Viver tudo o que pode ser vivido. Ter repertório. Serão essas experiências e sua capacidade de conectá-las a marcas e a empresas que farão você conversar, encantar sua audiência, ser criativo e relevante ao fazer um filme ou um post, produzir conteúdo de marca, inventar um gadget ou criar um case incrível de comunicação. Propaganda não é mais argumento embalado para presente. É vida propagada e sentida de modo verdadeiro, pertinente e com criatividade.

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