Cinco lições do varejo para a propaganda
Ou os publicitários se sacodem e percebem quais devem ser, de fato, os assuntos em pauta, ou morreremos de um veneno que nós mesmos estamos produzindo na arrogância e lentidão das mudanças necessárias
Ou os publicitários se sacodem e percebem quais devem ser, de fato, os assuntos em pauta, ou morreremos de um veneno que nós mesmos estamos produzindo na arrogância e lentidão das mudanças necessárias
21 de fevereiro de 2019 - 18h40
Estive na NRF, a maior e mais importante feira de varejo do mundo, e voltei de Nova York ainda mais incomodado do que costumeiramente me sinto. Sempre imaginei estar empreendendo e trabalhando numa indústria referência em tudo, a da propaganda: do modo de pensar e agir à diversidade e criatividade. Mas não é mais bem assim quando comparo o universo da propaganda com o universo do varejo.
E o que um big show e o varejo têm com este incômodo e constatações? Deliciosamente muito. Mesmo com o enorme esforço nos meus estudos sobre o segmento, mesmo com a performance criativa necessária que de modo intrínseco trago aos projetos e, consequentemente, ótimos resultados e reflexos positivos de venda, não é raro ouvir que “você precisa entender que o varejo é muito dinâmico”. Eu concordo.
Para questionarmos comparativamente:
1) Big data versus big idea.
Big data e desenhos estratégicos potentes sobre o que fazer com todas as infos coletadas e enriquecidas permanentemente. Macro e micro jornada do consumidor. CRM e neuromarketing aplicados. O varejo sabe como captar dados e convertê-los em vendas. Na propaganda, a subjetividade e criatividade, tão poderosas e de valor atemporal, poderiam conter mais lastros de razões estatísticas e até científicas (o que querem, onde querem e como querem) e menos de repertório subjetivo e achismos bem fundamentados. Mais dedo no pulso, teste A/B, mensurar e corrigir. “Data bits opinion.” Ou não?
2) Experiência do usuário. Experiência do cliente.
Uma busca incessante do varejo por encontrar o que entende como experiência do usuário ou cliente. Transformar espaços antes destinados apenas a prateleiras ou balcões de produtos em locais de interação e integração, momentos de aprendizado, diálogos e experimentações físicas ou digitais. Nas agências, o máximo de experiência que promovemos em nosso negócio está atrelada a apresentar Keynotes bem bacanas? Salas de reunião bonitas e bem equipadas? Quais experiências dos clientes, de fato, levamos ao apresentar um projeto e ideia? Mas o que fazemos é para ser transformado depois. A experiência virá com a campanha ou ação na rua para os clientes de nossos clientes. É mesmo?
3) Cuidado permanente. Always on the briefing.
Chega a ser curioso eu não ter ouvido nada durante a NRF sobre pós-venda, porque no varejo talvez isso não exista. O varejo é intenso, o cuidado e a relação com o consumidor é ininterrupta, próxima. Não tem espaço para ser pós. É sempre agora. Talvez pudéssemos ser mais intensos e transformar todos em atendimento na agência. Enquanto a campanha se desenrola, outro problema ou oportunidade é discutido, intensamente, de perto, com feedbacks saindo do forno e que nos tornam capazes de corrigir ou alterar o que for preciso baseados neste envolvimento e compreensão sistêmicos das necessidades do cliente. Em tempo e vida real. Para isto, as equipes de atendimento deveriam ser compostas de modo diferente. Talvez todos na agência devessem atuar também, além de atendimento, como gestores de projetos e negócios criativos. Todos. Talvez?
4) Tecnologia e human touch.
O varejo já sacou que assim como a importância de um drone de ruptura de gôndola, um push promocional no celular ou qualquer outra funcionalidade tecnológica ou digital, também o “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”, quando ditos de forma genuína, são extremamente poderosos. Se nada substitui as relações humanas, como pude ouvir na palestra do Brian Cornell, CEO da Target, a tecnologia é fundamental e determinante para atrair e encantar clientes, para otimizar processos, diminuir distâncias, proporcionar agilidade, redução de custos, comodidade e onipresença, mas o contato humano, a afetividade terá sempre papel relevante nas relações. Quase óbvio, certo? Quantas vezes são criadas campanhas, ações sem vivenciar o dia a dia de uma loja ou mercado, sem conhecer sequer a equipe de vendas? Quantas vezes deixamos de estar pessoalmente com nossos clientes para resolver assuntos por call, e-mails e mensagens de WhatsApp. Não?
Estas reflexões, provocações, ou, quem sabe, lições, se bem assimiladas nos afastam do comodismo. Já nossas atitudes e nossos velhos conceitos são a estricnina que devemos isolar, nos distanciar, eliminar. Ou a gente se sacode e percebe quais podem e devem ser, de fato, os assuntos em pauta na nossa indústria da propaganda e comunicação, ou morreremos de um veneno que nós mesmos estamos produzindo na arrogância e lentidão das mudanças necessárias.
Obrigado, varejo, por suas lições. Sejamos nós, publicitários, bons alunos para retomarmos o protagonismo nos negócios.“Retail reinvention. Disrupt yourself or be disrupted.” Este foi o título tema de uma apresentação do Nicholas Goad, do Boston Consulting Group, o BCG, aos varejistas presentes no main stage da NRF. Correlacionando: propaganda reinventada. Sejamos disruptivos ou seremos engolidos, na minha interpretação livre.
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