O lado psicológico das grandes experiências
Estar satisfeito com algo não é sinônimo de se sentir encantado, e sim apenas que as expectativas foram cumpridas
Estar satisfeito com algo não é sinônimo de se sentir encantado, e sim apenas que as expectativas foram cumpridas
4 de fevereiro de 2020 - 13h54
Customer experience (UX) é um dos termos da moda. A UX é responsável por desenhar experiência incríveis para que as pessoas se sintam envolvidas, possam agir de forma intuitiva e tenham bons momentos. Hoje, para desenhar experiências incríveis, o mercado tem se baseado muito em uma das ferramentas mais populares: a jornada do consumidor. Além de entender cada ação do usuário e cada impacto que ele sofre de sua marca, serviço ou produto, a jornada do consumidor também faz uma leitura de qual tipo de reação está envolvida em cada momento.
Para desenhar grandes jornadas, é importante lembrar dos estudos de Daniel Kahneman, que mostram como o cérebro tem mais medo das perdas do que afeição pela conquista. Portanto, experiências negativas são muito mais marcantes do que as positivas. Somado a isso, o mesmo Daniel Kahneman publicou outro estudo que desmente uma das maiores máximas populares: a de que a primeira impressão é a que fica.
O que lembramos?
O que Daniel Kahneman descobriu é que nosso cérebro é incapaz de se lembrar de tudo. Durante exames de colonoscopia, foi pedido aos pacientes que avaliassem o grau de desconforto que sentiam. O estudo comparou a reação das pessoas no momento do exame (medida por equipamentos, em real time), e a memória que elas guardavam após algum tempo. E, para a surpresa de todos, as pessoas relatavam toda a sua experiência em apenas dois momentos: o maior pico de dor e os últimos momentos do
procedimento.
A grande descoberta desse estudo foi a de que o nosso cérebro não se lembra de uma experiência completa. Para criar memórias, ele usa atalhos e lembra o que é mais importante para nós. Kahneman chamou esses atalhos mentais de heurísticas.
Uma das heurísticas mais importantes são as emoções. Portanto, quando partimos do princípio de que precisamos criar memórias marcantes, as emoções e os sentidos são fundamentais! E, quanto maior for o pico, maior é a memória. Ou seja: quando criamos uma jornada em que todos os momentos são bons, as pessoas podem até se sentir bem durante o processo, mas dificilmente terão lembranças intensas.
Entendendo as emoções
Muitas das jornadas do consumidor por aí se apegam a critérios simples, como a satisfação do usuário. Mas estar satisfeito com algo não é sinônimo de se sentir encantado. Estar satisfeito quer dizer apenas que as expectativas foram cumpridas. Porém, grandes experiências precisam superar às expectativas! Mas, como posso entender profundamente as emoções do usuário do meu produto ou serviço?
O próprio Daniel Kahneman apresenta um caminho quando fala sobre vieses. Um dos mais importantes é o chamado Viés de Disponibilidade. Como dito anteriormente, nossa mente usa atalhos para gravar e acessar memórias. Portanto, em geral, fazemos julgamentos baseados nas informações que acessamos mais facilmente.
O Viés de Disponibilidade costuma nos leva a decisões ruins. Isso porque acabamos agindo de acordo com memórias rasas ou informações incompletas. Um exemplo seria se você estivesse dirigindo em uma estrada em que a velocidade limite é de 120 Km/h. De repente, você e as outras pessoas observam um acidente no outro sentido e todos reduzem a velocidade para cerca de 80 Km/h.
O fato testemunhado faz com que seu cérebro entenda que a possibilidade de um acidente é maior e isso faz todos reduzirem a velocidade. Porém, na realidade, nada mudou a possibilidade real de um acidente. Minutos depois, todos já recuperaram a velocidade. Quando você cria experiências, é necessário levar em conta o Viés de Disponibilidade que há no contexto em que você pretende trabalhar. Isso pode influenciar na emoção gerada, na decisão tomada e na expectativa que seu público tem e terá do seu produto ou serviço.
Existe também a chamada Heurística da Representatividade. Ela nos leva a tomar decisões baseadas na comparação com o comportamento dos outros, o famoso comportamento de grupo. Trabalhamos socialmente, hoje em dia, para combater uma série desses comportamentos, associados a estereótipos. Porém, nosso cérebro segue agrupando informações e procuramos por aquele grupo ou indivíduo que mais tenha a ver conosco.
A tendência inversa também é real. Quando entendemos que uma pessoa não pertence ao grupo do qual fazemos parte, há uma falta de conexão e interesse no que está acontecendo por ali. Às vezes, até repulsa. Por isso, é fundamental entender quem é o público de seu produto ou serviço e utilizar elementos cognitivos que aproximem aquele grupo. Isso faz com que a experiência desenhada tenha muito mais chance de causar impacto nas pessoas. Quando a Harley-Davidson cria uma narrativa procurando rebeldes, ou pessoas com alma rebelde, ela se conecta com o grupo desde a ambientação das lojas até à música do anúncio veiculado. Essa concisão é fundamental.
Por isso, opte pelo mínimo e evite elementos demais na sua experiência. Você corre o risco de quebrar a conexão ao invés de fortalecer um ponto de contato. Do mesmo jeito que trades-off são importantes para a estratégia de um negócio, eles também são para criar uma experiência única.
Criando experiências
Portanto, não se pode falar de experiências sem acessar as emoções humanas, o cérebro e todos os atalhos que conectam nossas memórias aos sentimentos mais fortes. Os pontos baixo e alto de uma jornada precisam mais do que provocar felicidade ou ansiedade. Eles precisam acessar aquela informação que faz do seu consumidor uma pessoa única, com experiências e história próprios, e que o conecte aos seus grupos sociais. Conhecer apenas a demografia, ou mesmo os hábitos superficiais, das pessoas, não funciona para criar estas experiências.
Alinhar o que Daniel Kahneman chamou de heurística aos elementos cognitivos que as reforçam, por meio de um trabalho de design é o caminho mais sólido para entregar estes valores. Afinal, o que você pretende é entregar uma experiência única, não é? Juntar mais do mesmo e validar estereótipos não é o caminho para ser especial. Esta é a lição que fica.
*Crédito da foto no topo: Vijay kumar/Istock
Compartilhe
Veja também