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Opinião

Como as marcas podem sobreviver à Covid-19 e ao tempo

É preciso uma sólida estratégia de proteção, pois é necessário pensar no longo prazo e na sua reputação


3 de abril de 2020 - 18h55

(Crédito: Yulia Sutyagina/iStock)

Assim como no Brasil, o ano de 2020 começou para muitos países trazendo a sensação de que o crescimento econômico e o desenvolvimento social deixariam de ser uma promessa para se tornarem realidade! Mas, passados poucos meses, vimos a China, um país em pleno vapor, quase colapsar. Mal sabíamos que o monstro que ela estava enfrentando, oficialmente denominada Covid-19, viria a assolar outras diversas nações.

O mundo já presenciou algo semelhante, vide SARS, H1N1, gripe aviária, ebola, mas a velocidade com que o novo vírus se espalha é incomparável. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), já atingimos a pandemia. A recomendação para impedirmos a disseminação do vírus é o isolamento/distanciamento social, de modo a evitarmos a saturação do sistema de saúde e, consequentemente, protegermos aqueles inseridos no grupo de risco.

O sistema de quarentena foi implantado no país – foi declarado o estado de calamidade pública e adotado o lockdown. As empresas que não foram consideradas essenciais tiveram suas atividades praticamente paralisadas. Muitas empresas prestadoras de serviço e do varejo, em especial, tiveram que se adaptar mudando a lógica operacional dos seus respectivos negócios, e mandaram seus funcionários/colaboradores trabalharem em sistema home office. Shoppings e lojas foram fechados, ainda que todo canal de distribuição e logística no País estivesse funcionando. Não há dúvida de que a redução no fluxo de pessoas impacta positivamente o combate à doença, mas também impactará – e já impactou – nas micro, pequenas, médias e grandes empresas, seja financeira, economicamente ou na dinâmica com que conduzem os seus negócios.

Com efeito, por um lado, há empresas que já estão criando soluções disruptivas para o segmento em que estão inseridas, as quais podem mudar completamente a forma com a qual o consumidor interage com as marcas, a relação de trabalho ou com a qual o business é estruturado, principalmente com o e-commerce, podendo, por exemplo, transformar todo o sistema de franquias. Outras, ainda, devido ao tipo de serviços/produto que ofertam, como aquelas empresas fornecedoras de espaços para meetings virtuais, aumentaram exponencialmente seus valores no mercado.

Mas, por outro lado, a expectativa é que o desaquecimento do comércio e de outras atividades nos levará a uma recessão similar à da crise financeira internacional de 2008. De acordo com o estudo “Impactos no Varejo – Covid-19 – Google Retail AIT”, publicado pelo Google, dentro de um curto prazo notaremos uma queda na procura por bens e serviços considerados não essenciais como, por exemplo, moda e cosméticos. A indústria do entretenimento, como, cinema, teatro, shows, concertos e a gastronomia (bares e restaurantes) já sofreram diretamente a queda na procura por seus serviços. Crescerá a demanda, entretanto, por itens de higiene e limpeza, bem como por alimentos não perecíveis, decorrentes do comportamento da sociedade em tempos de isolamento, preocupação com estoque.

Até o presente momento, não há previsão concreta de quanto tempo levará para a total contenção da doença, nem seu real impacto sobre a sociedade como um todo, apenas projeções de possíveis cenários. Por isso, enquanto aguardam por uma solução, as empresas, para sua sobrevivência, não devem apenas criar e implementar planos de gerenciamento de crise. Mais do que nunca, precisam concentrar sua atenção na responsabilidade social que carregam, a forma como interagem com o ambiente em que estão inseridas e na verdadeira, clara e transparente comunicação com seus consumidores.

Antes mesmo dessa atual pandemia que a humanidade vem enfrentando, verificamos uma mudança no significado e funções que carregam as marcas. Se antes já eram consideradas o ativo de maior valor na avaliação das empresas, atualmente passaram a ser ainda mais relevantes, uma vez que passaram a representar valores, crenças, atitudes, observados bem de perto pela sociedade, que não se deixa mais levar e acreditar em propagandas bonitas e missões vazias.

As marcas passaram a ser vistas pela sociedade, não apenas como signos que identificam seus serviços e produtos, mas também como “conceitos”, que representam um negócio mais sustentável, que levam aos seus consumidores a verdade sobre as condições de trabalho dignas que submetem seus colaboradores, incentivo à inclusão, cuidados com o meio ambiente, etc. As marcas passaram a ter uma dinâmica que conversa com o aqui e o agora, que atende as necessidades de seu consumidor e ainda abraça suas causas. Empresas que conseguirem se relacionar nesse nível muito provavelmente irão sobreviver a qualquer pandemia.

No atual cenário, há alguns exemplos de ações que demonstram essa mudança de paradigma. O Mercado Livre, tendo em vista as recomendações para se evitar contato, com um claro fim educacional, mudou sua emblemática marca com a figura de um aperto de mãos para dois cotovelos se encostando, acompanhado da frase “Juntos. De mãos dadas, ou não”. Outras marcas, seguindo essa mesma linha de “isolamento social” criaram campanhas afastando as letras que compõem suas marcas e alguns casos até mesmo as figuras que as compõem.

A Amazon, que pode ser considerada uma das empresas mais preparadas para atender a grande procura por compras online, já comunicou aos seus clientes que a curto prazo dará prioridade para o envio de suprimentos médicos e outros produtos de alta demanda e necessidade. Além disso, implementou uma opção de “No-Rush Shipping” a ser sinalizada pelos clientes no momento da compra de produtos de baixa prioridade para que possam desafogar o sistema e ajudar aqueles mais necessitados. A empresa também está bloqueando a venda de produtos que tenham sofrido o aumento de preço por conta da forte demanda e foi transparente sobre as medidas que têm adotado quanto à limpeza das suas instalações, saúde e bem-estar de seus funcionários, dentre outras.

Com a forte migração nesses últimos dias para o consumo online, aquelas empresas que já operavam em formato e-commerce terão uma chance de mitigar a falta de consumidores em suas lojas físicas. Entretanto, tendo em mente que o vírus permanece nas superfícies em que tem contato, há, ainda, uma preocupação dos consumidores quanto a forma com a qual os produtos estão sendo manuseados no momento de seu envio, ponto que deve ser bem comunicado pelas marcas.

Outra questão de comunicação a ser trabalhada, oriunda dessa interação virtual massiva, é como os embaixadores/representantes, no caso, os nano, micro ou macro influencers digitais das marcas, sejam pessoas comuns, atores, atletas, músicos, etc., deverão continuar se comunicando com o público sem parecer que as marcas estão alheias à situação enfrentada. Deve haver um equilíbrio entre ativação da marca e a informação sobre o que está acontecendo, por exemplo, continuar com o conteúdo fashion, mas reforçar as melhores práticas a serem adotadas para evitar a contaminação.

Com efeito, nessa época de quarentena e incertezas, o emocional de muitos está sendo afetado e, por isso, ainda procuram conteúdos mais leves para se distraírem. Pensando nisso, muitos players do entretenimento e até do ramo fitness, têm liberado conteúdos gratuitos, visando a saúde mental e física da população. Músicos e grupos musicais, tem disponibilizado shows online nas mais diversas plataformas.

Outras empresas, como do setor hoteleiro e de aviação, adotaram condições flexíveis para cancelamentos ou remarcações, assim como estão atualizando continuamente suas equipes sobre práticas para garantir a segurança de seus hóspedes e funcionários. Alguns hotéis encontraram soluções criativas para sobreviverem a esse momento, onde alguns deles, na forma de ajudar o sistema de saúde, acolheram pessoas que precisam trabalhar, por fazer parte daquele grupo de pessoas que prestam serviços essenciais e/ou que não podem voltar às suas casas, seja para evitar a transmissão para seus familiares ou para não conviver com outros que fazem parte do grupo de risco, foram para hotéis que se disponibilizaram a reduzir seus preços de diárias. Já salões de beleza, seguindo as rigorosas diretrizes de segurança da OMS, estão levando seus serviços para o lar de seus clientes.

Há grupos, como Ambev e LVMH, que estão direcionando parte de suas operações para a produção de álcool gel com o intuito de ajudar o reabastecimento de hospitais. Além de outros players que fizeram generosas doações para instituições de saúde. O fato é que com toda tecnologia à disposição e com mentes criativas, levando em conta valores, missões e padrões éticos e morais claros e determinados, essas marcas estarão sempre na mente dos consumidores como Top of Mind de seus respectivos setores. Os desafios são grandes e as marcas devem “conversar” com seus consumidores sobre eles de maneira franca e aberta. Essas atitudes geram empatia, solidificam o relacionamento com a marca, gerando mais respeito e fortalecendo a sua reputação.

Esses são apenas alguns dos diversos exemplos de boas práticas que temos visto ultimamente de empresas e marcas que sobrevivem aos efeitos do tempo. Marcas que geram impactos positivos e fazem o bem são apoiadas pelo seu público, pois há uma compatibilidade de valores que transcende o material. E, justamente pelos valores que transmitem, as marcas precisam ser preservadas como bens intangíveis, por meio de uma sólida estratégia de proteção, pois, além do aqui e agora, também é necessário pensar no longo prazo e na sua reputação.

**Crédito da imagem no topo: 4X Image/istock

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