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Opinião

Vírus da polarização

Movimentos recentes opõem o Cenp, apoiado pelas agências de publicidade e pela mídia tradicional, e a ABA, amparada pelo IAB e pelas plataformas digitais; no centro, a modernização da autorregulação da publicidade brasileira


22 de março de 2021 - 12h58

(Crédito: Pexels/ Pixabay)

Um dos efeitos colaterais do confinamento provocado pelo combate à Covid-19 foi o recorde de separações registrado no Brasil no ano passado. Segundo o CNB, entidade que congrega os tabeliães, foram quase 44 mil divórcios no segundo semestre de 2020, o que significa 15% mais que no mesmo período de 2019. Assim como na esfera familiar, no mundo dos negócios e nas relações institucionais, separações são momentos de tensão, nem sempre amigáveis.

É o que ocorre na publicidade brasileira desde janeiro, quando a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) decidiu desligar-se do Conselho Executivo das Normas-Padrão (Cenp). Foi a maior ruptura institucional do setor nas últimas décadas. Desde então, o Cenp se movimenta para manter ativos na entidade as empresas anunciantes e os executivos de marketing, peças fundamentais na engrenagem do mercado. Paralelamente, a ABA arquiteta a formação de um novo fórum para discutir a autorregulação publicitária. Na semana passada, a associação dos anunciantes divulgou um documento no qual apresenta suas cinco propostas iniciais, entre elas a de livre negociação nas relações comerciais e a não obrigatoriedade de certificações de agências e de tabelas fixas de desconto-padrão — premissas que estão na base das regras do Cenp.

A opinião da ABA é a de que o melhor caminho para discutir uma nova autorregulação para o mercado brasileiro é partir de um “papel em branco”, como diz ao Meio & Mensagem o primeiro vice-presidente da entidade, Frank Pflaumer, que é também vice-presidente de marketing e comunicação da Nestlé e foi o coordenador do grupo que redigiu o documento.

Após receberem mensagens oficiais da ABA por e-mail, a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap) e a Federação Nacional das Agências de Propaganda (Fenapro) responderam que consideram que o Cenp é o fórum ideal para esse diálogo. Já o Interact Advertising Bureau (IAB Brasil) aderiu à proposta da ABA e anunciou a formação de três grupos de trabalho para discutir modelos de negócios, governança responsável com transparência e ética nas relações comerciais e padrões técnicos globais para orientar as operações digitais. O Cenp reagiu mudando seus estatutos e abrindo mais espaço para a presença de profissionais de marketing em sua principal instância de decisão: o Conselho Superior .

Os movimentos recentes tornam públicas animosidades já cultivadas nos bastidores e colocam em lados opostos o Cenp, apoiado pelas agências de publicidade e pela mídia tradicional, e a ABA, amparada pelo IAB e pelas plataformas digitais. Entretanto, não há um binarismo puro, já que há executivos de marketing que apoiam a manutenção do Cenp como principal fórum de autorregulação do mercado, como os que entram agora para o Conselho Superior, e executivos de agências, especialmente as mais novas, que defendem novas bases de relacionamento com anunciantes, contrárias às expressas pelas normas-padrão vigentes — alguns, inclusive, se recusam a trabalhar com as bonificações de volume (BV), que são um dos pilares de sustentação das receitas das agências de publicidade, especialmente as maiores do País, e, neste momento, são motivo de investigação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em relação a possíveis condutas anticompetitivas da Globo.

A acomodação de anseios de todas as partes é dificultada pela grande pulverização da indústria, na qual hoje convivem players tradicionais com menos força do que tinham no passado, gigantes globais pouco dispostas a se adaptar às regras nacionais, startups relevantes na oferta de serviços antes inexistentes e empresas anunciantes de postura mais controladora, que não param de internalizar funções antes delegadas às agências e muitas vezes usam como mídia seus próprios canais digitais.

Aproveitando fragilidades do ambiente institucional mais complexo dos últimos tempos, instalou-se no mercado publicitário o vírus da polarização, que, com variantes de intensidades distintas, contaminou da política nacional ao Big Brother Brasil. Até o fechamento deste artigo, não havia vacina capaz de contê-lo.

*Crédito da foto no topo: JBKdviweXI/ Unsplash 

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