Contos de fadas ou algoritmos?
Com a internet, temos acesso a uma base de dados e informação imensa, mas para que isso se transforme em conhecimento, é necessário tecnologia, curadoria e muito senso crítico
Com a internet, temos acesso a uma base de dados e informação imensa, mas para que isso se transforme em conhecimento, é necessário tecnologia, curadoria e muito senso crítico
“Você quer ouvir a verdade ou a história que contaram pra gente?” Com essa pergunta, um professor, há muitos anos, me abriu uma janela para que eu me interessasse em estudar comunicação. Desde então, eu sempre soube que a história acaba sendo contada pelos vencedores em sua versão. Mais do que isso, acredito que as histórias que prevalecem são aquelas que foram mais bem estruturadas e acabaram se tornando a narrativa dominante de cada período. Tanto que o revisionismo histórico, geralmente, nos apresenta outros finais para as narrativas que aprendemos quando mais jovens.
Com o advento da internet, passamos a viver um paradoxo na comunicação das narrativas. Se, por um lado, dispomos de acesso a uma base de dados e informação imensa, por outro, para que isso se transforme em conhecimento, é necessário ter tecnologia, curadoria e muito senso crítico. Em nossos smartphones, por exemplo, temos a condição de visualizar e checar qualquer informação em diversas fontes e, mesmo assim, encontramos dificuldade em navegar em meio a uma verdadeira guerra de narrativas, na qual cada um pode construir a sua verdade e defendê-la utilizando-se de ferramentas como fake news e distorção de dados.
Em 2013, David Brooks, do jornal The New York Times, criou o termo “dataísmo” para descrever um novo modo de pensar com o advento do big data. Recentemente, Yuval Noah Harari, em seu livro Homo Deus, expandiu o conceito, inserindo o termo em um novo contexto, no qual ele assumiria uma forma de religião, ao permitir, por meio da Internet das Coisas (IoT), um fluxo de informação total, que atenderia aos chamados e preces dos seres humanos, similar ao que as religiões e filosofias oferecem.
Se você acha que isso parece roteiro de filme futurista, eu me arrisco a dizer que o dataísmo já está presente na vida de todos nós e os algoritmos são os seus “sacerdotes”. Todas as vezes que buscamos por um produto ou serviço em lojas online, curtimos uma publicação nas redes sociais ou assistimos a uma série nos provedores globais de streaming, estamos dizendo para eles do que precisamos, o que pensamos, desejamos, gostamos ou não apreciamos.
Além disso, a Internet das Coisas, com os equipamentos vestíveis (wearables), por exemplo, pode coletar dados relacionados à nossa saúde, contribuindo ainda mais para que os algoritmos nos conheçam melhor do que nós mesmos. Segundo o Gartner, neste ano de 2021, já atingimos a marca de 6,2 bilhões de dispositivos inteligentes, entre os quais estão computadores, smartphones e wearables. Já o IDC aponta que temos mais de 50 bilhões de dispositivos conectados em todo o mundo. São muitas fontes de captação conectadas para ler dados de mais de 7,8 bilhões de habitantes.
Esse contexto mostra um cenário onde a guerra das narrativas vai se acirrar, pois nunca tivemos tantos dados à disposição. Vale lembrar que as narrativas dos acontecimentos sempre foram cruciais para sedimentar ou derrubar governos, democracias, regimes e sistemas. Vide a Primavera Árabe, na qual o Twitter foi o principal canal de mobilização. Recentemente, vivenciamos as eleições em que o WhatsApp teve papel similar na disseminação de informações e no engajamento dos eleitores. Isso reforça o poder da comunicação para movimentar as pessoas em torno de uma causa ou alguma coisa.
Transpondo para o mundo corporativo e das marcas, a construção de boas narrativas é essencial para o sucesso ou não de um produto ou serviço. Agora, imagine um cenário onde todos os dados podem ser tratados e endereçados em uma narrativa única para cada indivíduo. Como diria o Tio Ben do Homem-Aranha: “Com grande poder vem grande responsabilidade”. Será que estamos preparados para um mundo regido pelos dados? Isso implica regulamentações, adequação à LGPD e outros mecanismos inspirados no sistema de pesos e contrapesos, por exemplo. O que eu posso fazer na pessoa física? Que possamos ter consciência desse cenário e a coragem de questionar narrativas e checar a fonte das informações que recebemos. Nenhum algoritmo é melhor do que o nosso senso crítico.
*Crédito da foto no topo: iStock
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