Cris Guterres: uma mulher na liderança precisa de resiliência
A jornalista conta sobre suas inspirações cotidianas e o que considera fundamental para ser mulher em posição de destaque
Cris Guterres: uma mulher na liderança precisa de resiliência
BuscarA jornalista conta sobre suas inspirações cotidianas e o que considera fundamental para ser mulher em posição de destaque
Michelle Borborema
25 de março de 2022 - 0h45
Com a pandemia, diante de momentos de incerteza e da transformação digital, a resiliência se transformou em uma prioridade emocional e virou pauta em diferentes setores da sociedade. Da Organização Mundial da Saúde (OMS), que trouxe o tema para sua política de 2020, às escolas primárias dos Estados Unidos, Índia, China e Reino Unido, que passaram a ministrar aulas sobre o assunto, o conceito tem sido muito abordado globalmente, inclusive do ponto de vista das lideranças corporativas.
Para a jornalista Cris Guterres, embora a palavra esteja batida, a resiliência é mesmo imprescindível ao longo da construção de uma carreira enquanto liderança, sobretudo para negras ou mulheres trans, que são mais questionadas e impelidas com ainda mais violência a se calarem. Além disso, não criar a expectativa de que é possível acabar facilmente com o comportamento de autossabotagem também é uma dica de Cris, que prioriza não alimentar o sentimento, mas ao mesmo tempo não o rejeitar.
Confira abaixo a entrevista com a jornalista e apresentadora do Estação Livre, programa da TV Cultura vencedor do Troféu Mulher Imprensa em 2021 na categoria melhor programa com temática de diversidade da televisão brasileira. Cris também é fundadora da Amora, empresa de curadoria de conhecimento e produção de conteúdo.
Que características ou habilidades você considera essenciais em uma mulher na liderança? Como você as desenvolve e as alimenta regularmente?
Resiliência é, pra mim, uma das características necessárias a uma mulher na liderança. Embora seja uma palavra batida após tanto uso em tempos de pandemia, a resiliência é imprescindível ao longo de toda a nossa construção enquanto líderes, pois a todo momento seremos questionadas quanto à nossa capacidade para ocupar o cargo. Se formos negras ou mulheres trans, seremos questionadas e impelidas a nos calar com ainda mais violência. Penso que uma líder eficiente é humanizada, todo o seu trabalho coloca as pessoas no centro de qualquer construção e a generosidade para compartilhar conhecimento é vista como ponto forte pela equipe.
Você já teve algum tipo de sentimento de autossabotagem? Como lida com essa situação e que dicas dá para mulheres que se sentem assim nos projetos, áreas e lugares em que atuam?
A sabotadora vive em mim. Ela mora aqui dentro, é uma presença indesejada, como uma pedra nos rins que só serve pra provocar dor e nada mais.
Pra você ter uma ideia, há alguns anos atrás a Helena Crescia, do Tedx São Paulo, me convidou para palestrar. Era um dos grandes desejos da minha vida. Eu sempre vi o Ted como uma consagração profissional, um carimbo no currículo contemporâneo. Fiquei emocionada com o convite, aceitei, e comecei a me preparar.
Mas eu ouvia uma voz dentro de mim dizer que eu não merecia, que eu não tinha capacidade e que a Helena havia ligado para a pessoa errada. Aos poucos, a sabotadora foi tomando o lugar da excepcional Cristiane e eu me sentava em frente ao papel para escrever o esboço e nada saía. Me sabotei, não palestrei, dei uma desculpa qualquer e sofri amargamente a dor desta pedra.
Na minha vida, a sabotadora é incansável e se alimenta de medo. Cada vez que sente cheiro de medo em meus pensamentos, ela ressurge, predestinada a me convencer de que sou uma fraude e que todas as minhas façanhas são meras sacadas de sorte de alguém que nasceu com o bumbum virado para lua e a cabeça abençoada pela água benta de um padre iluminado.
Eu não tenho expectativa de um dia viver sem este comportamento de autossabotagem. O que faço é não o alimentar mais. Com ajuda de muita terapia, hoje consigo identificar alguns movimentos que faço quando estou prestes a me sabotar, aí eu me adianto ao movimento. Por exemplo: se recebo um elogio, digo apenas “obrigada”. Antigamente, eu responderia que não ficou muito bom, que eu poderia ter feito melhor, ou que na próxima vez vou me dedicar mais. Só que eu já me dedico muito além do necessário, o que eu preciso não é me dedicar mais, e sim me acolher mais. É um esforço contínuo num processo de autoconhecimento eterno, mas que traz contemplações fabulosas como o Ted, que eu consegui realizar dois anos depois de ter me sabotado no primeiro convite.
Quais mulheres inspiradoras você segue, lê e observa? Como elas te inspiram?
Tem muitas. Sou fascinada com tudo o que nós mulheres somos capazes de produzir, principalmente juntas. Eu aprendo muito com os escritos de Toni Morrison, Sueli Carneiro, Jaqueline Gomes de Souza e Djamila Ribeiro. O pensamento dessas quatro mulheres influencia muito a minha escrita.
Entre as líderes contemporâneas, sou apaixonada por Helena Bertho. Um dos grandes presentes da minha vida foi trabalhar com ela e aprender intensamente sobre como transformar o poder de uma organização por meio da diversidade. Outra liderança que me inspira e que tem uma energia leve para conduzir pessoas a um resultado eficiente é Bárbara Soalheiro. Trabalhar com Bárbara e construir com ela é estar num universo imenso de desenvolvimento. Bárbara me faz ter fé na humanidade.
Já Luiza Brasil, Luanda Vieira e Giovana Heliodoro são minhas mentoras de conteúdo na internet. Antenadas, inteligentes e criativas.
Quais conteúdo ou ferramentas você recomendaria para uma mulher que quer dar uma turbinada na carreira?
Gosto muito de acompanhar os conteúdos da Lisiane Lemos, uma querida amiga que tem compartilhado generosamente seus conhecimentos como uma das pouquíssimas executivas negras do país. Uma coisa importante que todo mundo deve fazer é se responder quem são as pessoas que podem nos auxiliar a turbinar nossa carreira. Faça uma listinha, escreva estes nomes, acompanhe as jornadas destas pessoas nas redes sociais e tente se fazer presente. Comente os posts que achou interessantes de maneira pertinente, mande um inbox agradecendo pelo que esta pessoa te ensina e tente, de alguma maneira, se aproximar, para mostrar o que você faz bem e pode interessar a ela.
Por fim, tem dicas de séries, filmes, livros e/ou músicas que consumiu recentemente e a fizeram refletir sobre a condição e o papel das mulheres?
Acabei de assistir o documentário “Como ela faz”, da TV Cultura, produzido em 2018, que mostra a rotina de algumas mulheres que estão movendo o mundo pelas margens e o que representa o trabalho na vida delas. Lideranças femininas de diferentes grupos da sociedade como Adriana Barbosa, Djamila Ribeiro, Rosane Borges, Maite Schneider, Nina Silva e Preta Rara estão no elenco.
Uma série importante para nós repensarmos o nosso papel na atualidade é “Sociedade do cansaço”, da Globoplay. São dez episódios inspirados no livro homônimo do sul coreano Byung-Chul Han. É uma ótima oportunidade para questionarmos o nosso papel enquanto líderes numa sociedade que valoriza a uberização do ser humano e o esvazia até ele não servir mais, a produtividade o tempo todo e a qualquer custo, e outros temas relevantes para todos nós.
Por fim, o meu livro favorito é “O ano em que disse sim”, da Shonda Rymes, que é um banho de inspiração para quem está sofrendo com a bunda no sofá sem coragem de agir e correr atrás de si mesma.
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