Kelly Kim: o poder de escutar e observar
A fundadora da marca de roupas Calma São Paulo fala sobre suas inspirações e o que considera importante para ser uma empreendedora criativa
A fundadora da marca de roupas Calma São Paulo fala sobre suas inspirações e o que considera importante para ser uma empreendedora criativa
Michelle Borborema
1 de abril de 2022 - 6h15
Para Kelly Kim, escutar, comunicar, estudar, ter curiosidade e saber dizer “não” é o combo ideal de uma mulher na liderança criativa. Estar de olho em tudo e em todos, observar e pesquisar são as dicas da fundadora da marca de roupas estampadas Calma São Paulo, queridinha de muitas mulheres – e homens – por trazer estampas diferentes e opções de cores e tamanhos para todos os gostos e corpos.
Seja na feira, espiando por uma janela ou observando o mix de estampas das “senhorinhas” dos bairros por onde passa, Kelly diz que tudo o que vê vira cartela de cores.
Com mais de 20 anos na indústria da moda, ela acredita que a roupa é uma mídia e nosso corpo é a maneira com que nos comunicamos com o mundo e demonstramos um pouco da nossa essência.
Filha de mãe paraguaia e pai coreano, a empresária acredita que o mix de estampas representa essa mistura potente da sua biografia com as de todas as brasileiras.
Adepta ao “maximalismo”, Kelly se considera exagerada, e isso é visível na decoração de sua casa e da loja da Calma São Paulo na Vila Madalena, na capital paulista. O nome de seu negócio foi inspirado em seu ano sabático pela Ásia. No período, fez trabalho voluntário em uma cooperativa de costura de mulheres no Vietnã, para empoderar a comunidade feminina local.
Desse aprendizado e com o ritmo zen que adquiriu na viagem, surgiu essa vontade de criar peças com muita calma, valorizando cada item do guarda-roupa. O time dela é composto por maioria de mulheres, que acompanham os bastidores do seu trabalho.
Confira abaixo a conversa com Kelly.
Que características ou habilidades você considera essenciais em uma mulher na liderança criativa? Como você as desenvolve e as alimenta regularmente?
É muito importante escutar. Sempre que preciso fazer algo, peço opinião das pessoas do meu time, mesmo que eu tenha certeza de um caminho e mesmo que eu não siga completamente o que digam. Adoro saber o que as pessoas estão pensando, sobretudo as que estão à minha volta, sem mágoas, claro. Estimula minha criatividade.
Outro ponto muito importante é comunicar. Sempre achei que me comunicava bem, mas tinha uma visão distorcida de mim mesma. Achava que todo mundo sabia o que eu estava pensando, mesmo quando estava calada, e ficava indignada de ter que explicar as coisas. Depois de muitos problemas e um pouco de terapia, tive que encarar a realidade de que ninguém mora na minha cabeça e passei a abrir a boca para explicar essa floresta que tem dentro de mim. Aplico isso da seguinte maneira: falo devagar e com clareza, repito o que quero comunicar várias vezes e pergunto algumas vezes pra me certificar de que estou sendo clara.
Estudar também é superimportante. Eu estava superfeliz de fazer minhas roupas e vendê-las na internet, mas conforme as coisas foram crescendo e para conseguir acompanhá-las, tive que aprender a ser modelo e manequim, marketing digital, editar vídeos e fotos, fazer vendas, virar influenciadora, modelista, e hoje estou estudando gestão de empresas. Para mim, a liderança foi desenvolvida por meio da criação de repertório em diversas áreas.
Por fim, a curiosidade é fundamental. Estou sempre de olho em tudo, observando, pesquisando. Seja na feira, em uma árvore, espiando uma janela, o mix de estampas das senhorinhas do bairro, uma vassoura encostada na porta, uma banca de jornal. Tudo o que vejo vira cartela de cores e em todos esses movimentos consigo entender as mudanças de comportamento das pessoas no mundo.
Você já teve algum tipo de sentimento de autossabotagem? Como lida com essa situação e que dicas dá para mulheres que se sentem assim nos projetos, áreas e lugares em que atuam?
Com certeza. Sempre me cobrava e assumia milhões de compromissos, aceitava tudo para não decepcionar os outros, até que entendi que é desumano levar uma vida sem ser gentil comigo mesma. Aos poucos, fui tomando coragem e falando “não”, e a cada não que dava, ganhava tempo para pensar no que realmente importa. Parei de antecipar problemas, agora espero eles chegarem naturalmente. Também aprendi que todos os dias terei mais de dez coisas pra fazer, e se eu conseguir resolver uma, já estou de parabéns e comemoro.
Quais mulheres inspiradoras você segue, lê e observa? Como elas te inspiram?
Me identifico e me inspiro muito em mulheres que tiveram que se reinventar de alguma maneira. Agatha Kim, Dandara Pagu, Fedra e Gina são algumas das que admiro as histórias de vida por esse motivo.
Quais conteúdos ou ferramentas você recomendaria para uma mulher que quer dar uma turbinada na carreira?
Meu conselho é: leia tudo. Seja curiosa e observe as mãos das pessoas de quem você admira, aprenda seus trejeitos, porque a maneira de fazer faz toda a diferença. Estude tudo o que puder, faça cursos, aprenda a parte técnica do que você quer fazer. Um dia tudo que você aprendeu vai fazer sentido. E, se não fizer, também não tem problema.
Por fim, tem dicas de séries, filmes, livros e/ou músicas que consumiu recentemente e a fizeram refletir sobre a condição e o papel das mulheres?
A série “Why Women”, ou “Por que as mulheres matam”, é bem interessante porque conta a história de três gerações de mulheres e como a energia de cada uma permanece na casa onde elas moram. O figurino anos 1980 da Simone Grove, personagem da Lucy Liu, e da Sheila Mosconi, interpretada por Alicia Coppola, são incríveis, me inspiraram a criar diversas cartelas de cores.
De filme, “As espiãs de Churchill”, dirigido por Lydia Dean Pilcher, é uma história emocionante de mulheres que trabalham no serviço secreto inglês, enfrentando preconceito em um ambiente totalmente masculino. É um exemplo de lealdade e superação.
Recomendo também um livro que me emocionou muito e me conectou à luta das minhas antepassadas coreanas: “Pachinko da Min Jin Lee”, que conta a história de Sunja, uma menina coreana que viveu entre os anos 1930 e 1990, passando pela guerra e a imigração para o Japão.
Por fim, estou amando a música “Amiga”, da Lara Silva, porque o que eu desejo é exatamente o que ela canta: empoderar e aplaudir todas as manas.
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